Na Ilha do Retiro,
resultado surpreendente. O América-PE, o tradicional Mequinha(clube folclórico
e simpático do futebol pernambucano, que depois de muito tempo, jogará divisão
de acesso do Campeonato Brasileiro) venceu o Sport por 1 a 0, em um jogo de propostas
antagônicas(como já esperado pelo contexto da partida e das duas equipes):
Proposição vs reação. Panorama tático inicial: Sport de Paulo Roberto Falcão no
4-2-3-1, América de Charles Muniz no 4-1-4-1.
Leão mais possessivo,
com os dois volantes mais participativos na saída, vindo buscar perto dos
zagueiros(além de sempre estarem projetados como linha de passe de retorno no
segundo terço em ataque organizado) e projetando o corpo para
distribuição/verticalização de jogo. Rithely procurou mais vezes passes
verticais longos para quebra da linha média americana, visando acionar
companheiros no terço final, porém, raramente se conseguia domínio para dar
continuidade às jogadas por ali. Serginho acabava pecando por demora ou erro
nas tomadas de decisão, optando por toque de lado quando tinha opção de verticalizar,
demorando para executar o passe e cometendo erros técnicos que propiciavam
situações potenciais de início de transição/ataque organizado ao Mequinha. O
bloco ofensivo novamente abaixava pouco nos momentos de saída para criar linhas
de passe próximas às redondezas da bola ou buscar recepção em boas situações de
progressão(apesar de que por vezes, Reinaldo Lenis buscava desmarques curtos
pelos lados para participar da posse no início da saída pelo lado direito). Essa
falta de aproximação do bloco ofensivo nos momentos iniciais de construção
tornava a distância entre o jogador que tentava a verticalização do jogo e o
futuro/possível receptor do passe maior.
América mais
reativo/transicional, marcando em bloco baixo, com muitos encaixes e de
perseguições mais longas, com as trocas e compensações sendo realizadas com
base na movimentação dos jogadores adversários(se aproximando um pouco mais dos
encaixes individuais por função, conceitualmente), e geralmente sem
participação efetiva do centroavante Jackson no combate aos zagueiros leoninos,
de forma que Matheus Ferraz e principalmente Durval, ganhavam espaço para
progressão com bola dominada até os trechos iniciais da intermediária defensiva
americana com liberdade, tentando atrair combate e procurando as linhas de
passe curtas para trabalhar e dar início/continuidade à fase de ataque
organizado a partir do segundo terço, como mostra a imagem abaixo:
Encaixes bem definidos.
Wingers adotando referência fixamente individual nos laterais rubro-negros,
interiores acompanhando de perto a movimentação dos volantes leoninos em campo
defensivo americano e marcando à distância quando eles procuravam desmarques na
saída, Daniel perseguindo Everton Felipe em suas movimentações pelos segundo e
último terços do campo e os dois laterais acompanhando os movimentos com e sem
bola de Reinaldo Lenis e Mark Gonzalez. Porém, o centroavante Jackson não
participava ativamente da fase defensiva, abrindo espaços para os zagueiros
progredirem, procurando verticalizar o jogo e fazer a bola chegar no segundo
terço do campo.
Dentro de seu plano
estratégico e contexto defensivo, o América se defendia bem, porém, não buscava
retenção de bola na frente para diminuir o ritmo de jogo, afastar o Sport de
seu campo e ter mais momentos possessivos. Buscava acelerar pós-retomada para
acionar situações de 1x1 na ponta, com a linha defensiva rubro-negra basculando
e o Mequinha tentando encontrar situações conclusivas na área, porém,
normalmente com cruzamento imediato, sem partir tanto para os duelos pelos
lados. Não levou tanto perigo transicionalmente, pois mesmo que o Sport não
exercesse pressão pós-perda nas proximidades do setor da bola, usava bem do
recurso da subida de encaixes por meio de um dos zagueiros da última linha para
travar Jackson quando este recebia a bola longa para tentar dar continuidade à
posse no momento transicional, e geralmente conseguia travar a saída americana,
seja com falta ou retomada por meio do combate direto. Além do fato de que o
Sport tem um sistema de coberturas bem planejado e executado, e venceu grande
parte das situações de 1x1 em sua intermediária nas horas de transição
defensiva. A proposta transicional do América poderia funcionar melhor num
contexto de enfrentar uma equipe de recomposição/troca de ação
ofensiva-defensiva lenta, com defesa em linha alta sem pressão suficiente nas
redondezas ou com poucos homens atrás da linha da bola no pós-perda, e talvez
contra times mais vulneráveis/expostos no 1x1 defensivo. E justamente por isso,
poderia ter utilizado mais das pausas e temporizações(Alex Gaibú poderia ser
bastante útil dentro desse possível contexto) em alguns momentos transicionais,
justamente para esperar subida de bloco e iniciar ataque organizado, mantendo a
posse em circulação, amenizando riscos e possivelmente “sofrendo” menos lá
atrás.
O lado direito foi a
região do campo por onde o Sport chegou com maior efetividade e densidade, com
Everton Felipe caindo bastante em diagonal de dentro para fora para desbordar
do espaço às costas do lateral(atraindo o volante Daniel consigo) e dar linha
de passe vertical ao homem da bola. Por ali, foi útil, conquistando a vitória
pessoal em situações de 1x1 e direcionado ao fundo de campo para balançar a
linha defensiva americana e por partir do mesoespaço para a recepção do passe,
normalmente pegava de frente para o marcador mais próximo e com boas condições
de progressão. Depois dos 20 minutos iniciais, foram mais constantes as trocas
de posição da linha de 3, com Mark Gonzalez e Reinaldo Lenis invertendo o lado
do campo e por vezes, um deles centralizando e Everton Felipe bem aberto para
dobrar com o lateral e buscar as jogadas pessoais na ponta.
Na segunda etapa, o
América passou a trabalhar mais a posse em campo ofensivo nos minutos iniciais,
até utilizando de subidas de pressão, conseguindo abafar a saída de bola do Sport
e provocando erros. Apesar dos méritos americanos nessa indução ao erro, muitos
deles eram provocados por forçar aceleração/saída de trás em
situações/contextos/momentos não tão apropriados e por erros técnicos de
jogadores leoninos, dando a bola “de graça” pro América tentar se organizar ou
partir para criar situações conclusivas, como no lance do gol. Após isso, o
Periquito novamente abaixou o bloco e reforçou tendência reativa, porém, com os
mesmos problemas pós-recuperação. Forçando saída rápida com poucos homens à frente
da linha da bola ou tentando meter bola longa, de modo a facilitar a
recuperação do Sport por meio da linha defensiva, que subia nos momentos de
ataque organizado para dar opção de retorno e travar essas tentativas de saída
com esticada ou verticalização imediata.
O Sport passou a
acionar mais o lado esquerdo, com Mark Gonzalez bem aberto para dar amplitude,
possibilitando condução em diagonal curta de fora pra dentro por parte de Renê,
e sendo bem mais acionado nas situações de 1x1 com o lateral adversário na
ponta, buscando dribles e arranques em espaço curto pelo corredor para tentar
cruzamentos procurando o deslocamento de Tulio de Melo nos espaços entre
componentes da última linha americana para cabecear. Os volantes, que sempre
davam opção de retorno, até conseguiam quebrar a linha média do América alguns
momentos, mas raramente as jogadas tinham continuidade depois disso. Desta
forma, boa parte das saídas de jogo do Sport se davam pelos lados do campo e
mesmo quando a bola vinha para a faixa central, os volantes tratavam de acionar
companheiros abertos em situações mais confortáveis para duelos, combinações ou
cruzamentos. O Leão utilizou muito pouco do jogo entrelinhas, mas muito também
porque poucas vezes alguém se movimentava nesses espaços entre as linhas
defensiva e média do América ao centro quando a pelota estava sob posse dos volantes
leoninos por dentro(Maicon e Reinaldo Lenis até procuravam alguns desmarques
para entrar como linha de passe em certos momentos, mas geralmente mal
orientados em termos progressivos, pegando de costas e apenas dando
continuidade à circulação de bola).
Jogo aéreo foi uma
arma forte do Leão da Praça da Bandeira nesse jogo. Normalmente com cruzamentos
bem direcionados tanto em jogadas de fundo quanto em bolas paradas laterais(nos
escanteios, Mark Gonzalez mandou muitas bolas em primeira trave sem muita
direção e facilmente afastadas por jogadores americanos por ali). Geralmente
chegava com 2 ou 3 jogadores na área quando a bola caía pelo lado, Tulio de
Melo muito bem nos deslocamentos curtos e bem colocado para o cabeceio, sabendo
bem onde a bola iria cair(não levou muita sorte nas conclusões), e os
cruzamentos normalmente indo no espaço entre o zagueiro do lado oposto ao da
bola e o lateral da cobertura por dentro, podendo ser concluído tanto por Tulio
de Melo quanto pelo winger do lado oposto que fecha em diagonal sem bola pra
área. Abaixo, alguns dos momentos de bola aérea do Sport:
Duas situações de ataque pelo lado direito, com o
cruzamento caindo certinho no espaço entre zagueiro e lateral do lado oposto.
Tulio de Melo consegue sair do zagueiro facilmente, projetando-se livre para o
movimento e conclusão. Na primeira imagem, Mark Gonzalez não afunila
imediatamente para ser opção, saindo de uma zona de maior amplitude e entrando
na área para atrair o lateral da cobertura por dentro. Na segunda imagem, ele
já fechou a diagonal sem bola no momento do cruzamento e fez uma espécie de “bloqueio”
ao lateral, facilitando o cabeceio de Tulio de Melo. A primeira imagem é mais
abrangente no aspecto de referência de marcação do sistema defensivo do América
no lado da bola. Há uma troca no encaixe. O lateral do lado da bola saiu para a
caça com o lateral-direito do Sport(Samuel Xavier), enquanto que o winger do
setor ficou para dar o combate mais próximo em Reinaldo Lenis e o volante
Daniel afundou por ali com Everton Felipe, que caiu do centro pro lado para
trabalhar por ali e dar linha de passe ao homem da bola.
Nas duas ocasiões, Sport ataca pela esquerda com Mark
Gonzalez mais por fora, dando opção no corredor e Renê afunilando um pouco mais
para o mesoespaço esquerdo, mais afastado da linha lateral(na segunda imagem
fica realmente perceptível esses movimentos de ambos). Na primeira imagem, Mark
Gonzalez cruza Tulio de Melo faz diagonal curta para a primeira trave atraindo
o zagueiro do lado oposto, o winger oposto(Reinaldo Lenis) fecha como opção na
segunda trave, Rithely também vem de trás pra ser opção e Everton Felipe ataca
o espaço entre o zagueiro e o lateral da cobertura por dentro(atraídos por
Tulio de Melo e Reinaldo Lenis) para tentar a conclusão. Na segunda imagem,
Maicon(que entrou na vaga de Everton Felipe na meia-central) fecha como opção
no centro da área junto a Tulio de Melo, que recebe entre o zagueiro e o
lateral do lado oposto ao do cruzamento para concluir, enquanto que Reinaldo
Lenis não afunila imediatamente para atrair o lateral, só fechando pra área
após a bola ser alçada por Renê.
Um
dos raros momentos em que o Sport chegou com perigo em escanteio. Cobrança mais
direcionada para a segunda trave, onde Durval vai receber para concluir. Nessa
imagem, percebe-se como o América marcava em escanteios defensivos. Duelos
individuais no “bolo da área”, dois jogadores marcando à zona na primeira trave
e dois jogadores atentos para os rebotes/sobras de bola nas proximidades da
entrada da área.
A questão do mérito pelo resultado é relativa, afinal,
é preciso avaliar o que cada um se propôs a fazer. E nesse caso, ideias
opostas. O Mequinha foi mais eficiente e em termos resultadistas, sabemos que
futebol é competência. Mas dentro de sua proposta, América executou bem seu
plano de jogo em seu contexto técnico-tático, apesar de que poderia ter feito o
tempo “jogar a seu favor”.
Quanto ao Sport, necessita de criar alguns contextos e
situações para ter mais alternativas possessivamente e para explorar melhor
algumas qualidades e potencialidades técnico-táticas de seus jogadores. Pode
criar mais situações para explorar jogo entrelinhas e trabalhar
progressivamente por dentro aproveitando as trocas posicionais na linha de três
com maior constância dentro de determinados contextos, com o abaixamento do
bloco ofensivo e melhor orientação corporal das linhas de passe pensando em
continuidade da posse progressivamente. Pode utilizar melhor da profundidade
que Tulio de Melo dá ao ataque(prendendo bem a linha defensiva adversária)
dentro de determinados contextos(contra o Argentinos Jrs, utilizou bem disso em
alguns momentos)... Cabe a Falcão encontrar a melhor maneira de usufruir de
tudo isso. Enfim, apesar dos maus resultados iniciais, é essencial considerar
que se trata de uma reconstrução, pela mudança de peças e características do
meio pra frente, além de que a tendência é demorar para que se alcance a
consolidação/afirmação do modelo de jogo. Há pontos positivos, pontos
melhoráveis, corrigíveis...
Além de que enfrentar contextos de jogo diferentes a
cada partida que se passa pode/tende a ajudar o amadurecimento e evolução da
equipe em determinados aspectos. Em termos avaliativos, não dá pra se deixar
levar pelos resultados. Tem que olhar o rendimento e entender que oscilações
entre partidas e até intervalos de tempo dentro de um jogo não são nem um pouco
anormais nesse contexto atual que o Sport vive. E lembrar que os estaduais não
são parâmetro para quase nada pensando em continuidade para o restante da
temporada. Vasco, Chapecoense, Joinville, Atlético-PR e até o próprio Sport
foram prova disso ano passado. Seja pro lado positivo ou negativo.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos para
acompanhar a evolução e comportamentos do Sport nesse início de temporada e ter
uma noção mais real e completa do contexto estratégico do América.
*Por João Elias Cruz(@Joaoeliascruzzz)
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