segunda-feira, 16 de junho de 2014

Resenha Tática na Copa #2 - Holanda de Van Gaal massacra o inofensivo Tik-Taka Espanhol

Quando Rinus Michels iniciou sua carreira de treinador no Ajax, em 22 de janeiro de 1965, assumiu um time que lutava contra o rebaixamento para a segunda divisão. Em poucas temporadas, e sob o comando genial de Michels, a mesma equipe passou a lutar por títulos nacionais e europeus. O crescimento culminou na conquista da Copa dos Campeões da Europa (atual Liga dos Campeões) em 1971. Nesse período de 1965 até 71, além da Champions (onde foi também foi vice em 1969), foram conquistados quatro campeonatos holandeses e três Copas da Holanda.

E é nesse Ajax montado por Michels que nasce o “3-4-3 diamond”, esquema que iria mudar profundamente o conhecimento tático e estratégico do futebol. O sistema, como ensinado por Jonathan Wilson, era um desdobramento do 4-3-3 exaustivamente treinado por Michels em seus trabalhos táticos. Assim, a equipe tinha como desenho o 4-3-3, mas a estratégia e a dinâmica em campo mostravam uma espécie de 1-3-3-3. Nascido como uma variação, esse foi embrião do 3-4-3 que depois se consolidou como um esquema independente do 4-3-3.

Como ensina Cecconi, baseado no estudo da obra de Wilson, “o sistema tático era o 4-3-3, mas com um desenho que poderia ser desdobrado em 1-3-3-3: um líbero, três defensores, três meio-campistas, e três atacantes. As inversões de posicionamento se davam, portanto, entre os três jogadores da esquerda, os três da direita, e os quatro do meio-campo. As mais características aconteciam na faixa central, com Cruyff recuando e abrindo espaço para Neeskens, ou com o líbero Hulshoff avançando de surpresa”. Assim, nascia o 3-4-3 diamante.



Em 1974, o mundo conheceu na Copa da Alemanha a inesquecível “Laranja Mecânica” de Rinus Michels. Também conhecido como “Carrossel Holandês”, o time apresentou o 4-3-3/3-4-3 ao mundo, sendo esta variação a base tática da estratégia incrível de movimentação montada por Michels. Os princípios básicos do “Futebol Total” holandês, que trabalhava nesse “4-3-3 com líbero”, eram as linhas adiantadas, a marcação sob pressão, o uso da linha de impedimento e as inversões de posicionamento verticais. Abaixo o painel tático da Holanda que encantou o mundo em 74:

Ilustração de André Rocha mostra o 4-3-3/3-4-3 do Carrossel Holandês: Quando Cruyff jogava como atacante, um dos zagueiros se tornava volante e o 3-4-3 se formava no tablado, com Neeskens, por vezes, saindo da direita para ser a ponta do diamante no setor ofensivo. Era Jensen que vinha fazer o lado direito, para Cruyff fazer o primeiro “falso 9” da história, algo surpreendente para a época.
O 3-4-3 brilhou novamente no início da década de 90 com Cruyff no Barcelona. Posteriormente, novamente o esquema brilhou com o inesquecível Ajax de 95, montado por outro holandês, o novato Louis van Gaal. Nascido em Amsterdã, em 1951, jogou futebol de 72 até 87, quando se aposentou. Em 91 tornou-se técnico do Ajax, iniciando sua carreira como treinador. No ano seguinte conquistou seu primeiro título vencendo a Copa da Uefa, despertando o gigante adormecido. O jovem Van Gaal, com apenas 43 anos, montou uma das equipes mais fantásticas da história do futebol.

Como comandante, Gaal sempre foi conhecido pelo comportamento duro e exigente com seus comandados, querendo sempre o máximo e não possuindo muita tolerância com os erros banais. Outra característica sempre foi jamais acomodar-se com bons resultados, numa busca, até paranóica, pela perfeição. Em 95, o exigente treinador holandês conseguiu montar um time petulante, ofensivo, coletivo e admirável. O elenco era excelente, mesclando juventude e experiência, tudo isso com muita técnica e toque de bola.

Como uma locomotiva, sempre em movimento, os garotos do Ajax encantavam por onde passavam, desfilando elegância num típico 3-4-3 da escola de Michels. A equipe holandesa praticava um futebol vertical, muito ofensivo, sempre dominando a partida com a posse de bola no campo de defesa do oponente, objetivado, de forma aguda, a feitura do gol. Foi, sem dúvida, um time extraordinário, que apresentava um futebol de encher os olhos, como há algum tempo não se via, equiparando-se ao Barcelona do seu compatriota Johan Cruyff que também venceu a Champions em 1992.

Escalação: Van der Sar; Reiziger, Blind e Frank de Boer; Rijkaard, Seedorf, Davids e Litmanen; Overmars, Finidi e Kluivert. Esquema: 3-4-3/4-3-3 tipicamente holandês. Van Gaal conquistou a Champions League na temporada 94/95.

Rijkaard foi deslocado da zaga para o meio, devido seu porte físico, inteligência e habilidade. Assim, o time jogava com uma linha de 3 zagueiros com o citado jogador à sua frente. Além de Rijkaard, o meio campo contava com os vigorosos e talentosos Seedorf e Davids pelas alas, além do grande Litmanen, jogador de trato refinado e qualidade técnica incontestável. No ataque tinha velocidade pelos lados com Overmars e Finidi, e um matador na grande área, no caso, o menino Kluivert.

E a passagem de Louis como treinador do Ajax foi marcante, afinal a equipe não era vitoriosa dessa forma desde o início da década de 70, quando tinha Michels no banco e Cruyff como craque. Em apenas seis anos como comandante, conquistou nada mais do que 11 títulos: uma Copa da Uefa, uma Copa dos Países Baixos, três Supercopas dos Países Baixos, três campeonatos holandeses, uma Supercopa Européia, uma Champions League e um Mundial Interclubes.

Após sua passagem pelo Ajax, Van Gaal utilizou o 4-3-3 em quase todas as equipes que treinou. A explicação do técnico para o uso reiterado do desenho consiste na maior possibilidade de preenchimento dos espaços, preocupação coletiva aprendida com o futebol total. O próprio Van Gaal comentou sobre sua predileção tática pelo 4-3-3: “Essa é, na minha percepção, uma formação ótima. Você tem uma presença muito forte no ataque e sempre existe a possibilidade de pressionar a saída de bola do seu adversário”.

Sobre a diminuição dos espaços e compactação do time também teceu comentários sobre o 4-3-3: “Quando você joga colado no adversário, leva muito tempo para se movimentar em uma simples troca de passes e tem dificuldade na marcação. Quando joga próximo do seu companheiro, reduz a possibilidade de o seu rival conseguir pensar. Devido às muitas linhas, as distâncias individuais nunca são maiores que cinco ou dez metros e isso facilita a cobertura”.

Quando treinava o Barcelona em 97, descreveu assim o 4-3-3, esquema em que escalava a equipe catalã:

- “A coisa mais bonita sobre minha escolha do sistema é que cria várias linhas. Quando você joga num 4-4-2, você tem uma linha de quatro jogadores no meio-campo e não consegue atacar a bola em mais do que três ou quatro momentos. No 4-3-3 é possível começar a marcação com o centroavante, passar pelos dois atacantes, pelo meia, pelos volantes e pela defesa. São seis linhas de ataque à bola. Portanto, do ponto de vista matemático, sua chance de dominar o jogo é maior”.

Outra vantagem do 4-3-3, de acordo com Van Gaal, é que este permite uma variação muito grande no que tange ao seu desenho de meio campo, sendo sua preferência a escalação de dois volantes e apenas um meia de criação. Assim descreveu esse aspecto variável do esquema:

- “Você pode decidir se joga com um triângulo no meio-campo apontando para o ataque ou para a defesa. Muitos times hoje optam por jogar com o triângulo apontado para a defesa, mas eu prefiro que seja para o ataque. A presença de um meia encostado nos atacantes deixa o centroavante menos isolado. Quando o triângulo aponta para a defesa e você tem dois meias, precisa de mais movimentação e mais mobilidade”.

Fã convicto do 4-3-3, assim como do uso de pontas de lança, confessou que a utilização de três atacantes, depende da característica individual dos atletas: “As qualidades de seus jogadores devem ser utilizadas ao máximo. Não adianta o sistema ser bom e não se adequar ao que você tem nas mãos”. Uma vez foi questionado se existia um “sistema Van Gaal”, respondeu que o importante é a manutenção da filosofia, afirmando que o sistema tático vai depender do elenco disponível, se dizendo flexível quanto ao esquema e rígido quanto à manutenção da filosofia.

Antes de começar a Copa, Louis Van Gaal disse que a Holanda jogaria no 3-4-3 utilizado no Ajax de 95. Não jogou, sendo a Laranja postada em sua estreia contra a Espanha em um 3-4-1-2 que se defendia, muitas vezes, com uma linha de cinco zagueiros. O esquema se mostrou bem volátil e variou não só para o 5-3-2, mas também foi montada, por vezes, uma linha de quatro zagueiros e uma espécie de 4-3-3. E, o mais interessante, é a adaptação tática que Van Gaal fez no esquema com três zagueiros para adequá-lo aos novos paradigmas táticos do futebol

Espanha no 4-2-3-1 e a Holanda no 3-4-1-2, entendido por alguns como um 5-3-2, estratégia usada na transição defensiva. Eventualmente a montagem de uma linha de quatro defensores e preenchimento rápido do espaço a todo o momento em seu campo defensivo.

Léo Miranda percebeu muito bem em sua análise do jogo: “Surpreendeu a pressão laranja intensa nos 15 do primeiro tempo que tirou a tranquilidade espanhola. Aí até parecia um 3-4-3 quando Sneijder ia para o centro ou esquerda. A Espanha, com a bola nos pés de Piqué e Ramos, não conseguia sair”. Sim, 3-4-1-2 e com Sneijder chegando, por vezes, um 3-4-3, mas não aquele de outrora. Agora, para adaptar a linha de três zagueiros para os tempos modernos, Van Gaal montou uma linha de meio à frente da zaga para dobrar a marcação pelos lados, afinal a maioria das equipes usam esquemas derivados do 4-4-2 britânico (4-2-3-1 e 4-1-4-1, por exemplo) e dobram nas laterais atacando e defendendo.

Na frente, um trio experiente e formado por três jogadores de alto nível. Sneijder sempre procurando uma zona morta para receber a bola, Van Persie procurando a área e o espaço deixando entre o meio e a defesa espanhola e Robben circulando por todo o ataque. Os dois homens de frente atuaram como legítimos pontas de lança, procurando o mano a mano com a defesa adversária, estratégia sempre privilegiada por Van Gaal. O sistema de imposição espanhol não funciona mais e foi em cima dessa certeza que o treinador montou sua equipe.

Como no jogo contra o Brasil, a Espanha buscou o campo de ataque e não pressionou a marcação, dando muito espaço à frente a as costas da zaga. Mais uma vez, foi destruída com habilidade e retomadas em velocidade. Quando teve a posse, em sua maioria foi inofensiva e a impressão que temos é que essa geração cansou, estagnou, inclusive seu comando técnico. A opção por Diego Costa enfiado mudou totalmente a mobilidade que o falso 9 exercido por Fàbregas dava ao time espanhol.

Dos pés de Blind surgiram lançamentos para gols do time holandês. Espaço não faltava na defesa espanhola.

André Rocha, como sempre, foi sagaz em sua percepção ampla:

- “Defesa compacta, contra-ataques com toques rápidos, precisos e jogadas aéreas destruíram o reinado do Barca e também mataram o Bayern de Guardiola, que segue filosofia semelhante. A Holanda repete a receita e coloca em risco até a classificação da atual campeã mundial e europeia”.

O resultado de 5 x 1 foi merecido e a bagagem de Van Gaal merece respeito. A explicação para os três zagueiros foi a inexperiência da zaga, mas é perceptível que a intenção real era dar liberdade e sustentação para o trio ofensivo. E, pela estreia, parece que o 3-4-1-2, versão repaginada para as necessidades impostas pelo futebol moderno, ainda vai ser muito falado e estudado durante a Copa do Mundo. Abraço!


Referências:








A MELHOR COBERTURA TÁTICA DA COPA DE 2014 É AQUI NA PRANCHETA TÁTICA


Por Victor Oliveira (@vlamhaoliveira)