Em situações opostas na tabela e no momento do
campeonato, Figueirense e Corinthians se enfrentaram pelo Brasileirão. O time
catarinense é, talvez, o adversário mais indigesto do Timão na temporada,
já que havia vencido a partida do primeiro turno, que marcou a estreia na
Arena, o tão sonhado estádio próprio corintiano. No Orlando Scarpelli, o
Figueira, há quatro jogos sem vencer, buscava se recuperar no campeonato e
justificar a fama de estraga-prazeres, freando a empolgação dos paulistas, que
chegaram para o duelo de alvinegros com moral trás vitória contundente no dérbi
contra o São Paulo.
Argel Fucks voltou a variar taticamente o
Figueirense, que, em suas mãos, vinha tendo o 4-3-1-2 com losango no meio e o
4-2-3-1 como esquemas mais utilizados. Contra o time de Mano Menezes, Argel
escalou um meio-campo rigorosamente igual ao que enfrentou o Criciúma, duas
rodadas atrás. No entanto, a repetição ficou só nos nomes e o Figueirense foi a
campo no 4-4-2, em detrimento do 4-3-1-2 do clássico catarinense. Marco
Antônio, que tem atuado fundamentalmente como volante de saída em Santa
Catarina, foi deslocado para o lado direito do meio-campo para executar o
trabalho de winger. No extremo
oposto, a função foi desempenhada por Giovanni Augusto, que geralmente é o
enganche do Furacão do Estreito. Giovanni tem feito bom campeonato e busca se
consolidar no futebol brasileiro e não ser lembrado apenas como o autor do
primeiro gol da Arena Corinthians. No Scarpelli, mesmo sem marcar gols, o meia
continuou a dar trabalho para o Timão, sendo o principal destaque ofensivo do
morno primeiro tempo.
Discutimos há algumas rodadas no podcast da
Prancheta Tática a questão do 4-4-2 britânico estar sendo bastante
utilizado no Brasil, abrindo pontas ou até camisas 10 de origem para agredir/armar a partir dos
flancos e empregando um ponta-de-lança atrás do atacante de referência, como
os casos de Ricardo Goulart no Cruzeiro, Diogo ou Leandro no Palmeiras, Diego
Souza no Sport e Alan Kardec no São Paulo, ou mesmo a utilização de dois atacantes
atuando lado a lado e revezando a referência, com movimentação constante para um
abrir espaço ao outro, como Eduardo e Alecsandro no Flamengo e, por vezes,
Marcelo e Delatorre ou Douglas Coutinho no Atlético-PR. O Figueira é mais um a
aderir à tendência, pelo menos na partida contra o Corinthians.
Mano
Menezes, por sua vez, repetiu a formação tática do Majestoso, apenas com a troca de Fábio
Santos, suspenso, por Uendel e a volta de Elias no lugar de Bruno Henrique. O
4-2-3-1 corintiano tinha Malcom dando agressividade pela esquerda, Danilo
tentando armar por dentro e Renato Augusto trabalhando pelo lado direito e
buscando a centralização, abrindo, assim, o corredor para a ultrapassagem de
Fágner.
Alvinegros fechavam duas linhas de quatro bastante
compactas na fase defensiva, mas sistemas táticos eram diferentes
O primeiro tempo foi de poucas chances de gol, mas
o Figueirense teve um leve domínio das ações, já que compactava bem suas linhas
na hora da marcação e tinha uma transição ofensiva muito veloz, com o recuo de
Marco Antônio para buscar a bola na intermediária e a agressividade de Giovanni
Augusto pela esquerda e Pablo pela direita, que contava com o apoio do lateral
Leandro Silva, de boa primeira etapa. Em fase de marcação, o Figueirense
deixava seus dois atacantes para dar o primeiro combate e atrapalhar a saída de
bola do Corinthians, enquanto os meio-campistas fechavam uma linha de quatro
que não deixava Danilo e Renato Augusto armarem por dentro, mesmo com o esforço
intenso de Guerrero e Malcom para tentar dar profundidade pelo centro e pela esquerda,
respectivamente. Elias, recuperado de amigdalite, chegava pouco para auxiliar
na armação e menos ainda para tentar infiltrar, já que a compactação
catarinense não permitia a Guerrero se movimentar e abrir espaços para serem
atacados pelos homens surpresa.
Dez homens de linha do Figueirense participam da fase
defensiva, que praticamente não deu margem a críticas contra o Corinthians
(Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)
Outro aspecto interessante da marcação catarinense
é pouco usual no futebol atualmente. Argel Fucks conseguiu combinar com
maestria a modernidade da compactação e da transição veloz com a boa e velha
marcação individual. Embora não fosse uma perseguição no campo inteiro digna de
times de Joel Santana, França executava encaixe em Danilo, meia central do
4-2-3-1 corintiano. Danilo atua justamente no entrelinhas, onde não há jogador
adversário para limitar seu espaço. Neste sentido, Argel viu no desacreditado
França uma alternativa para vigiar o meia em praticamente todas as jogadas de
ataque do Corinthians, não dando espaço, por exemplo, para que Danilo
encontrasse um passe como o que deixou Paolo Guerrero na cara de Dênis para
marcar o gol da vitória contra o São Paulo, no último domingo. França, que
chegou ao Figueirense em maio, fez apenas sua quarta partida pelo clube, já que
teve problemas de lesão e comportamento. O volante que pertence ao Palmeiras
teve atuação essencial e bastante elogiada pelo seu comandante na entrevista
coletiva pós-jogo, quando Argel, inclusive, reconheceu que o camisa 16 deu
atenção especial a Danilo.
França dá atenção especial a Danilo, enquanto os
outros integrantes do meio-campo se aproximam e voltam para compactar de acordo
com a progressão adversária (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)
O
Corinthians também fechava duas linhas de quatro bastante próximas na marcação,
que era bem executada e dificultava muito a criação adversária. Renato Augusto
recompunha pela direita e Malcom pela esquerda, enquanto Guerrero dava o
primeiro combate e Danilo marcava a saída dos volantes. O 4-2-3-1 tradicional
de Mano Menezes sentia muita dificuldades na armação, já que Danilo estava
anulado por França e Renato Augusto encontrava problemas para centralizar e
auxiliar o camisa 20, talvez por alguma limitação física que ainda não permita ao
camisa 8 voltar pelo flanco direito para marcar e depois centralizar para armar
na mesma intensidade, ou simplesmente porque Mano não percebeu a atenção
especial de França a Danilo, o que é pouco provável pelo que se conhece da capacidade de leitura de jogo do técnico corintiano e pelo fato de o movimento defensivo catarinense estar
cristalino desde os primeiros minutos.
4-2-3-1 corintiano era forte na marcação, mas pouco
ativo no ataque (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)
A segunda parte iniciou com os mesmos times e o
mesmo panorama da primeira: equilíbrio nas ações e disputa territorial no
meio-campo. Sem ver melhoras no jogo de seu time, Mano desistiu de Danilo e pôs
Jádson, que passou a ocupar a faixa esquerda do meio-campo, enquanto Malcom
abriu pela direita e Renato Augusto passou a ser o armador central. Poucos
minutos depois, Lodeiro entrou no lugar de Elias para atuar na mesma faixa do
campo, mas com o objetivo de chegar mais à frente e se juntar a Renato Augusto
e Jádson na armação. Malcom, que ficou preso no flanco esquerdo sem sucesso no
primeiro tempo, passou a ter mais espaço pelo extremo oposto, promovendo duelos
constantes com o lateral-esquerdo Marquinhos Pedroso, que teve ótima atuação trás reestreia não tão boa contra o Santos. Mesmo com um meio-campo bastante
técnico, o Corinthians pouco criava e ainda tinha menos posse de bola que o
Figueirense.
Na tentativa de buscar o resultado em casa, Argel
Fucks trocou suas duas peças de ataque, promovendo as entradas de Clayton e
Marcão nas vagas de Pablo e Everaldo. Clayton entrou na mesma posição de Pablo,
mas impondo características diferentes. Enquanto o camisa 11 trabalha melhor
sem a bola ao atacar espaços vazios, Clayton é um atacante que prefere ela no
pé para partir pra cima dos defensores adversários em velocidade, o que é era
uma ótima alternativa considerando o fato de que o Corinthians estava mais
aberto no segundo tempo, evidenciando que as substituições de Argel eram claras
respostas às de Mano. Marcão é um centroavante que se movimenta menos que
Everaldo, mas tem experiência e inteligência destacadas para se posicionar na
área e prender a bola enquanto aguarda a chegada dos meio-campistas e laterais.
Clayton e Marcão formaram a dupla de ataque do Figueira em grande parte da
sequência de oito partidas invictas, mas uma lesão do centroavante e a queda de
rendimento do garoto da base fizeram com que ambos perdessem vaga no time
titular.
Times mantêm esquemas, mas mudam características das
peças para a segunda etapa
Na parte final da partida, os jogadores corintianos
se desesperaram um pouco com o 0x0 e tentavam o ataque sem muita organização,
enquanto o Figueirense permanecia tranquilo na sua proposta de igualar o jogo
no meio-campo e, quando da recuperação da bola, acelerar o contragolpe com
Clayton e Giovanni Augusto, e foi assim que o time iniciou o lance que culminou
no gol da vitória. Guerrero recebeu lindo passe de Luciano e acertou a
trave de Tiago Volpi, na única clara chance corintiana na partida. No
contra-ataque, o Figueira conseguiu um primeiro escanteio, interceptado em direção à linha de fundo pela defesa.
Na segunda cobrança, a sempre importante bola parada de Marco Antônio encontrou
Marcão para cabecear aproveitando saída desastrosa de Cássio e anotar seu
primeiro gol com a camisa alvinegra.
Com
a vitória, o Figueirense aumenta a distância para a zona do rebaixamento e se
mantém como o melhor catarinense na Série A, enquanto o Corinthians sai do G-4 e
vê a distância para o Cruzeiro aumentar para doze pontos. O Figueira conseguiu
seis pontos contra o Corinthians no Brasileirão com méritos diferentes nas duas
partidas. Se encaixou uma retranca sólida e eficiente armada por Guto Ferreira
em Itaquera, jogou de igual pra igual e dominou as ações no Orlando Scarpelli e
mostrou que está encaixado com Argel
Fucks e suas variações, batendo um Corinthians que mantém a mesma estrutura
tática desde o início do campeonato, parecendo não considerar que os
adversários nunca são iguais.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)