quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Especial Seleção Brasileira de 2002: transição ataque-defesa

2014 finalmente terminou. O ano rodeado de expectativa em relação à Copa do Mundo em terras tupiniquins teve o seu memorável ápice brasileiro na semifinal entre Brasil e Alemanha. Partida onde Felipão e seus comandados sofreram sonoros sete gols dos novos campeões do mundo. Além desta goleada, 2014 também demonstrou outro sistema de jogo para esquemas com três zagueiros. Esquema do qual, antes e até mesmo durante a Copa, pessoas aclamavam para Luiz Felipe Scolari utilizar em sua seleção.

Diante deste clamor de alguns para que o esquema com três zagueiros fosse retomado na Seleção Canarinho, debates e mais debates eram levantados em relação ao como o esquema com três zagueiros era realizado no Brasil até meados dos anos 2000 e o que estava sendo realizado na Copa do Mundo pelas seleções da Holanda, México, Costa Rica e afins. Notavelmente, a sistemática era diferente.

Com a poeira abaixada e com a cabeça mais fria, ao analisar taticamente a Seleção Brasileira de Felipão de 2002, pôde-se perceber que ela tinha um pé na sua época e o outro mais adiante. Nos sete jogos da Copa do Mundo de 2002, este Brasil demonstrou algumas movimentações e princípios de jogo dos quais as seleções da Copa Mundo de 2014 também utilizaram. Luiz Felipe Scolari e sua seleção penta-campeã não eram tão retrógrados quanto se imagina.



Para demonstrar como a Seleção Brasileira de 2002 não era tão ortodoxa quanto parecia, A Pracheta Tática irá realizar um especial de quatro posts, de hoje até domingo, para dissecar detalhadamente cada momento das fases de jogo (transição ataque-defesa, sistema defensivo, transição defesa-ataque e sistema ofensivo) desta equipe. Primeiramente, a transição ataque-defesa será abordada. Boa leitura!

Transição ataque-defesa

Na transição ataque-defesa, e também conhecido como transição defensiva, a Seleção Brasileira de 2002 marcou freqüentemente em bloco alto. Porém, quando um dos jogadores do Brasil não pressionava um adversário, o bloco de marcação rapidamente passava a ser médio.

     1)    Para marcar em bloco alto, a seleção penta campeã tinha um jogador pressionando o adversário com a bola enquanto que os demais e próximos do setor da bola se posicionavam nas possíveis linhas de passe do portador da bola. Com esta movimentação dos outros jogadores, as opções de passe do adversário com a bola se tornavam menores e, além disso, este estava sendo pressionado. As chances de retomada de bola já em campo ofensivo eram muito grandes na Seleção Brasileira de 2002. 

No flagrante acima da 1ª partida contra a Turquia, nota-se Cafú pressionando o portador da bola adversário enquanto que os demais jogadores brasileiros subiram para possíveis linhas de passe deste jogador. Na imagem, Juninho Paulista se movimentou corretamente e tirou a linha de passe do jogador que marcava, enquanto que Gilberto Silva não se posicionou bem e fez com que o passe viesse no jogador que estava marcando.


Já nesta imagem do 2° jogo contra a Turquia, percebe-se Cafú novamente subindo para pressionar o adversário com a bola. Enquanto que o capitão do penta fazia a movimentação em direção do portador adversário da bola, Kleberson e Rivaldo se movimentavam para começar a retirar as linhas de passe adversárias. O movimento era sincronizado e muito pedido atualmente no futebol. Este é um dos aspectos táticos “modernos” que a Seleção de 2002 de Felipão realizava.


Nesta imagem, a marcação pressão na saída de bola adversária é muito nítida. Enquanto que Roberto Carlos pressionava o lateral-direito da Turquia, Ronaldo se posicionou exatamente na linha de passe do portador da bola adversário, assim tirando a opção de passe curto; e enquanto isso, Edilson fazia o balanço defensivo e encostou-se ao outro zagueiro turco. Deste modo, o lateral-direito da Turquia passou a não ter opção de passe. Era marcação pressão desde a saída de bola adversária.

     2)    A marcação em bloco médio desta seleção se iniciava quando um dos jogadores do Brasil não realizava a pressão no portador da bola adversário rapidamente, já que se não houvesse pressão, não teria por que ocupar as linhas de passes do portador da bola adversário. Com isso, os jogadores da Seleção Brasileira guardavam posição e esperavam o portador da bola adversário chegar ao seu setor. Com essa aproximação adversária, todos os jogadores brasileiros tinham tempo para retomar os seus lugares em campo e, assim, toda a movimentação de marcação do bloco alto passava a ser possível novamente. 

Já quando um dos jogadores do Brasil não conseguia realizar a pressão na saída de bola adversária, o sub-princípio era a retomada do posicionamento inicial da equipe. No flagrante acima, nota-se Roberto Carlos e Gilberto Silva já posicionados e aguardando o jogador da Inglaterra se aproximar deles, enquanto que Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Kleberson, Cafu e Edmilson estavam voltando para os seus posicionamentos.

Agora nesta imagem do 1° jogo contra a Turquia, percebe-se Ronaldo e Rivaldo sem pressionar o portador da bola adversário, mas ao mesmo tempo, toda a seleção já estava posicionada originalmente em seus lugares. A pressão já estava organizada para começar.

Já no jogo da final contra a Alemanha, neste momento do flagrante, nem Ronaldinho Gaúcho e nem Ronaldo estão realizando a marcação pressão desde a saída de bola adversária. Porém como o jogador alemão chegou ao setor de Kleberson, este passou a pressionar o portador da bola adversário enquanto que Rivaldo ainda retomava o seu posicionamento inicial. Posicionamento no qual Cafú, Gilberto Silva e Roberto Carlos já estavam. A transição ataque-defesa era ajustável, ponto do qual esta Seleção Brasileira demonstrou durante toda a Copa do Mundo de 2002.

     3)    Sistema ajustável. Este termo irá ser utilizado em diversas fases de jogo desta Seleção Brasileira. No caso da transição ataque-defesa, como o Brasil jogava com quatro jogadores no meio do campo (Cafú, Juninho Paulista/ Kleberson, Gilberto Silva e Roberto Carlos) e como um deles, geralmente os alas, subia para realizar a marcação pressão, freqüentemente sobrava um jogador de meio-de-campo adversário na faixa central do campo. Diante desta situação, Felipão fazia com que um dos seus zagueiros subisse para marcar este jogador que estava sobrando e, assim, permitindo a possibilidade deste tipo de marcação.

Neste flagrante, nota-se a subida ao meio do campo de um dos zagueiros, no caso Roque Júnior. Como Cafú subiu para marcar pressão e a bola foi para o seu setor, Roque Júnior subiu para a faixa central do campo para que não houvesse superioridade numérica adversária no setor e nem jogador adversário livre. Deste modo, igualando em termos de número e marcando o jogador adversário que “sobrou” no setor.

Já nesta imagem, percebe-se o zagueiro Anderson Polga subindo para a faixa central do campo, pois Roberto Carlos já estava marcando um adversário e havia superioridade numérica no setor. Deste modo, igualando em termos de número e marcando o jogador adversário que “sobrou”.


Agora neste flagrante, nota-se a consequência da marcação pressão falha e do sub-princípio realizado por Luiz Felipe Scolari para ajustá-la nesta situação. Como Roberto Carlos subiu para marcar (ele nem aparece na imagem) e a bola passou em seu setor, Roque Júnior subiu para compensar no lado esquerdo do meio-de-campo. Com isso, Edmilson e Lúcio balançaram defensivamente. Porém como Roque Júnior não teve tempo para pressionar o adversário com a bola, abriu-se um corredor enorme para qualquer enfiada de bola do jogador portador da bola adversário (corredor representado pela seta amarela). Consequência do sub-princípio. 

Por Caio Gondo (@CaioGondo)