2014
finalmente terminou. O ano rodeado de expectativa em relação à Copa do Mundo em
terras tupiniquins teve o seu memorável ápice brasileiro na semifinal entre
Brasil e Alemanha. Partida onde Felipão e seus comandados sofreram sonoros sete
gols dos novos campeões do mundo. Além desta goleada, 2014 também demonstrou
outro sistema de jogo para esquemas com três zagueiros. Esquema do qual, antes
e até mesmo durante a Copa, pessoas aclamavam para Luiz Felipe Scolari utilizar
em sua seleção.
Diante
deste clamor de alguns para que o esquema com três zagueiros fosse retomado na
Seleção Canarinho, debates e mais debates eram levantados em relação ao como o
esquema com três zagueiros era realizado no Brasil até meados dos anos 2000 e o
que estava sendo realizado na Copa do Mundo pelas seleções da Holanda, México,
Costa Rica e afins. Notavelmente, a sistemática era diferente.
Com
a poeira abaixada e com a cabeça mais fria, ao analisar taticamente a Seleção
Brasileira de Felipão de 2002, pôde-se perceber que ela tinha um pé na sua
época e o outro mais adiante. Nos sete jogos da Copa do Mundo de 2002, este
Brasil demonstrou algumas movimentações e princípios de jogo dos quais as
seleções da Copa Mundo de 2014 também utilizaram. Luiz Felipe Scolari e sua
seleção penta-campeã não eram tão retrógrados quanto se imagina.
Para
demonstrar como a Seleção Brasileira de 2002 não era tão ortodoxa quanto
parecia, A Pracheta Tática irá realizar um especial de quatro posts, de hoje
até domingo, para dissecar detalhadamente cada momento das fases de jogo (transição
ataque-defesa, sistema defensivo, transição defesa-ataque e sistema ofensivo) desta
equipe. Primeiramente, a transição ataque-defesa será abordada. Boa leitura!
Transição
ataque-defesa
Na
transição ataque-defesa, e também conhecido como transição defensiva, a Seleção
Brasileira de 2002 marcou freqüentemente em bloco alto. Porém, quando um dos
jogadores do Brasil não pressionava um adversário, o bloco de marcação rapidamente
passava a ser médio.
1)
Para marcar em bloco alto, a seleção penta
campeã tinha um jogador pressionando o adversário com a bola enquanto que os
demais e próximos do setor da bola se posicionavam nas possíveis linhas de
passe do portador da bola. Com esta movimentação dos outros jogadores, as
opções de passe do adversário com a bola se tornavam menores e, além disso,
este estava sendo pressionado. As chances de retomada de bola já em campo
ofensivo eram muito grandes na Seleção Brasileira de 2002.
No
flagrante acima da 1ª partida contra a Turquia, nota-se Cafú pressionando o
portador da bola adversário enquanto que os demais jogadores brasileiros
subiram para possíveis linhas de passe deste jogador. Na imagem, Juninho
Paulista se movimentou corretamente e tirou a linha de passe do jogador que
marcava, enquanto que Gilberto Silva não se posicionou bem e fez com que o
passe viesse no jogador que estava marcando.
Já
nesta imagem do 2° jogo contra a Turquia, percebe-se Cafú novamente subindo
para pressionar o adversário com a bola. Enquanto que o capitão do penta fazia
a movimentação em direção do portador adversário da bola, Kleberson e Rivaldo
se movimentavam para começar a retirar as linhas de passe adversárias. O
movimento era sincronizado e muito pedido atualmente no futebol. Este é um dos
aspectos táticos “modernos” que a Seleção de 2002 de Felipão realizava.
Nesta
imagem, a marcação pressão na saída de bola adversária é muito nítida. Enquanto
que Roberto Carlos pressionava o lateral-direito da Turquia, Ronaldo se
posicionou exatamente na linha de passe do portador da bola adversário, assim
tirando a opção de passe curto; e enquanto isso, Edilson fazia o balanço
defensivo e encostou-se ao outro zagueiro turco. Deste modo, o lateral-direito
da Turquia passou a não ter opção de passe. Era marcação pressão desde a saída
de bola adversária.
2)
A marcação em bloco médio desta seleção se
iniciava quando um dos jogadores do Brasil não realizava a pressão no portador
da bola adversário rapidamente, já que se não houvesse pressão, não teria por
que ocupar as linhas de passes do portador da bola adversário. Com isso, os
jogadores da Seleção Brasileira guardavam posição e esperavam o portador da
bola adversário chegar ao seu setor. Com essa aproximação adversária, todos os
jogadores brasileiros tinham tempo para retomar os seus lugares em campo e, assim,
toda a movimentação de marcação do bloco alto passava a ser possível novamente.
Já
quando um dos jogadores do Brasil não conseguia realizar a pressão na saída de
bola adversária, o sub-princípio era a retomada do posicionamento inicial da
equipe. No flagrante acima, nota-se Roberto Carlos e Gilberto Silva já
posicionados e aguardando o jogador da Inglaterra se aproximar deles, enquanto
que Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Kleberson, Cafu e Edmilson estavam voltando
para os seus posicionamentos.
Agora
nesta imagem do 1° jogo contra a Turquia, percebe-se Ronaldo e Rivaldo sem
pressionar o portador da bola adversário, mas ao mesmo tempo, toda a seleção já
estava posicionada originalmente em seus lugares. A pressão já estava
organizada para começar.
Já
no jogo da final contra a Alemanha, neste momento do flagrante, nem Ronaldinho
Gaúcho e nem Ronaldo estão realizando a marcação pressão desde a saída de bola
adversária. Porém como o jogador alemão chegou ao setor de Kleberson, este
passou a pressionar o portador da bola adversário enquanto que Rivaldo ainda
retomava o seu posicionamento inicial. Posicionamento no qual Cafú, Gilberto
Silva e Roberto Carlos já estavam. A transição ataque-defesa era ajustável,
ponto do qual esta Seleção Brasileira demonstrou durante toda a Copa do Mundo
de 2002.
3)
Sistema ajustável. Este termo irá ser
utilizado em diversas fases de jogo desta Seleção Brasileira. No caso da
transição ataque-defesa, como o Brasil jogava com quatro jogadores no meio do
campo (Cafú, Juninho Paulista/ Kleberson, Gilberto Silva e Roberto Carlos) e
como um deles, geralmente os alas, subia para realizar a marcação pressão,
freqüentemente sobrava um jogador de meio-de-campo adversário na faixa central
do campo. Diante desta situação, Felipão fazia com que um dos seus zagueiros
subisse para marcar este jogador que estava sobrando e, assim, permitindo a
possibilidade deste tipo de marcação.
Neste flagrante, nota-se a subida ao meio do campo de um dos zagueiros, no
caso Roque Júnior. Como Cafú subiu para marcar pressão e a bola foi para o seu
setor, Roque Júnior subiu para a faixa central do campo para que não houvesse
superioridade numérica adversária no setor e nem jogador adversário livre.
Deste modo, igualando em termos de número e marcando o jogador adversário que
“sobrou” no setor.
Já nesta imagem, percebe-se o zagueiro
Anderson Polga subindo para a faixa central do campo, pois Roberto Carlos já
estava marcando um adversário e havia superioridade numérica no setor. Deste
modo, igualando em termos de número e marcando o jogador
adversário que “sobrou”.
Agora neste flagrante, nota-se a
consequência da marcação pressão falha e do sub-princípio realizado por Luiz
Felipe Scolari para ajustá-la nesta situação. Como Roberto Carlos subiu para
marcar (ele nem aparece na imagem) e a bola passou em seu setor, Roque Júnior
subiu para compensar no lado esquerdo do meio-de-campo. Com isso, Edmilson e
Lúcio balançaram defensivamente. Porém como Roque Júnior não teve tempo para
pressionar o adversário com a bola, abriu-se um corredor enorme para qualquer
enfiada de bola do jogador portador da bola adversário (corredor representado
pela seta amarela). Consequência do sub-princípio.
Por Caio Gondo (@CaioGondo)