Quando
Rinus Michels iniciou sua carreira de treinador no Ajax, em 22 de janeiro de
1965, assumiu um time que lutava contra o rebaixamento para a segunda divisão.
Em poucas temporadas, e sob o comando genial de Michels, a mesma equipe passou
a lutar por títulos nacionais e europeus. O crescimento culminou na conquista
da Copa dos Campeões da Europa (atual Liga dos Campeões) em 1971. Nesse período
de 1965 até 71, além da Champions (onde foi também foi vice em 1969), foram
conquistados quatro campeonatos holandeses e três Copas da Holanda.
E é nesse Ajax montado por
Michels que nasce o “3-4-3 diamond”, esquema que iria mudar profundamente o conhecimento tático e
estratégico do futebol. O sistema, como ensinado por Jonathan Wilson, era um
desdobramento do 4-3-3 exaustivamente treinado por Michels em seus trabalhos
táticos. Assim, a equipe tinha como desenho o 4-3-3, mas a estratégia e a
dinâmica em campo mostravam uma espécie de 1-3-3-3. Nascido como uma variação, esse foi
embrião do 3-4-3 que depois se consolidou como um esquema independente do
4-3-3.
Em 1974, o mundo conheceu na Copa da Alemanha a inesquecível “Laranja Mecânica” de Rinus Michels. Também conhecido como “Carrossel Holandês”, o time apresentou o 4-3-3/3-4-3 ao mundo, sendo
esta variação a base tática da estratégia incrível de movimentação montada por
Michels. Os princípios básicos do “Futebol Total” holandês,
que trabalhava nesse “4-3-3 com líbero”, eram as linhas adiantadas, a marcação
sob pressão, o uso da linha de impedimento e as inversões de posicionamento
verticais. Abaixo o painel tático da Holanda que encantou o mundo em 74:
O 3-4-3 brilhou novamente no início da década de 90 com Cruyff no
Barcelona. Posteriormente, novamente o esquema brilhou com o inesquecível Ajax
de 95, montado por outro holandês, o novato Louis
van Gaal. Nascido em Amsterdã, em 1951, jogou futebol de 72 até 87, quando se
aposentou. Em 91 tornou-se técnico do Ajax, iniciando sua carreira como
treinador. No ano seguinte conquistou seu primeiro título vencendo a Copa da
Uefa, despertando o gigante adormecido. O jovem Van Gaal, com apenas 43 anos,
montou uma das equipes mais fantásticas da história do futebol.
Como comandante, Gaal sempre
foi conhecido pelo comportamento duro e exigente com seus comandados, querendo
sempre o máximo e não possuindo muita tolerância com os erros banais. Outra
característica sempre foi jamais acomodar-se com bons resultados, numa busca,
até paranóica, pela perfeição. Em 95, o exigente treinador holandês conseguiu
montar um time petulante, ofensivo, coletivo e admirável. O elenco era
excelente, mesclando juventude e experiência, tudo isso com muita técnica e
toque de bola.
Como uma locomotiva, sempre em
movimento, os garotos do Ajax encantavam por onde passavam, desfilando
elegância num típico 3-4-3 da escola de Michels. A equipe holandesa praticava
um futebol vertical, muito ofensivo, sempre dominando a partida com a posse de
bola no campo de defesa do oponente, objetivado, de forma aguda, a feitura do
gol. Foi, sem dúvida, um time extraordinário, que apresentava um futebol de
encher os olhos, como há algum tempo não se via, equiparando-se ao Barcelona do
seu compatriota Johan Cruyff que também venceu a Champions em 1992.
Rijkaard foi deslocado da zaga para o meio, devido seu porte físico,
inteligência e habilidade. Assim, o time jogava com uma linha de 3 zagueiros
com o citado jogador à sua frente. Além de Rijkaard, o meio campo contava com
os vigorosos e talentosos Seedorf e Davids pelas alas, além do grande Litmanen,
jogador de trato refinado e qualidade técnica incontestável. No ataque tinha
velocidade pelos lados com Overmars e Finidi, e um matador na grande área, no
caso, o menino Kluivert.
E a passagem de Louis como treinador do Ajax foi marcante, afinal a
equipe não era vitoriosa dessa forma desde o início da década de 70, quando
tinha Michels no banco e Cruyff como craque. Em apenas seis anos como
comandante, conquistou nada mais do que 11 títulos: uma Copa da Uefa, uma Copa
dos Países Baixos, três Supercopas dos Países Baixos, três campeonatos
holandeses, uma Supercopa Européia, uma Champions League e um Mundial Interclubes.
Após sua passagem pelo Ajax, Van Gaal utilizou o 4-3-3 em quase todas as
equipes que treinou. A explicação do técnico para o uso reiterado do desenho
consiste na maior possibilidade de preenchimento dos espaços, preocupação
coletiva aprendida com o futebol total. O próprio Van Gaal comentou sobre sua
predileção tática pelo 4-3-3: “Essa é, na minha percepção, uma formação
ótima. Você tem uma presença muito forte no ataque e sempre existe a
possibilidade de pressionar a saída de bola do seu adversário”.
Sobre a diminuição dos espaços e compactação do time também teceu
comentários sobre o 4-3-3: “Quando você joga colado no adversário, leva
muito tempo para se movimentar em uma simples troca de passes e tem dificuldade
na marcação. Quando joga próximo do seu companheiro, reduz a possibilidade de o
seu rival conseguir pensar. Devido às muitas linhas, as distâncias individuais
nunca são maiores que cinco ou dez metros e isso facilita a cobertura”.
Quando treinava o Barcelona em 97, descreveu assim o 4-3-3, esquema em
que escalava a equipe catalã:
- “A coisa mais bonita sobre minha escolha do sistema é que cria
várias linhas. Quando você joga num 4-4-2, você tem uma linha de quatro
jogadores no meio-campo e não consegue atacar a bola em mais do que três ou
quatro momentos. No 4-3-3 é possível começar a marcação com o centroavante,
passar pelos dois atacantes, pelo meia, pelos volantes e pela defesa. São seis
linhas de ataque à bola. Portanto, do ponto de vista matemático, sua chance de
dominar o jogo é maior”.
Outra vantagem do 4-3-3, de acordo com Van Gaal, é que este permite uma
variação muito grande no que tange ao seu desenho de meio campo, sendo sua
preferência a escalação de dois volantes e apenas um meia de criação. Assim
descreveu esse aspecto variável do esquema:
- “Você pode decidir se joga com um triângulo no meio-campo apontando
para o ataque ou para a defesa. Muitos times hoje optam por jogar com o
triângulo apontado para a defesa, mas eu prefiro que seja para o ataque. A
presença de um meia encostado nos atacantes deixa o centroavante menos isolado.
Quando o triângulo aponta para a defesa e você tem dois meias, precisa de mais
movimentação e mais mobilidade”.
Fã convicto do 4-3-3, assim como do uso de pontas de lança, confessou
que a utilização de três atacantes, depende da característica individual dos
atletas: “As qualidades de seus jogadores devem ser utilizadas ao máximo.
Não adianta o sistema ser bom e não se adequar ao que você tem nas mãos”. Uma
vez foi questionado se existia um “sistema Van Gaal”, respondeu que o
importante é a manutenção da filosofia, afirmando que o sistema tático vai
depender do elenco disponível, se dizendo flexível quanto ao esquema e rígido
quanto à manutenção da filosofia.
Antes de começar a Copa, Louis Van Gaal disse que a Holanda jogaria no
3-4-3 utilizado no Ajax de 95. Não jogou, sendo a Laranja postada em sua
estreia contra a Espanha em um 3-4-1-2 que se defendia, muitas vezes, com uma
linha de cinco zagueiros. O esquema se mostrou bem volátil e variou não só para
o 5-3-2, mas também foi montada, por vezes, uma linha de quatro zagueiros e uma
espécie de 4-3-3. E, o mais interessante, é a adaptação tática que Van Gaal fez
no esquema com três zagueiros para adequá-lo aos novos paradigmas táticos do
futebol
Léo Miranda percebeu muito bem em sua análise do jogo: “Surpreendeu a
pressão laranja intensa nos 15 do primeiro tempo que tirou a tranquilidade
espanhola. Aí até parecia um 3-4-3 quando Sneijder ia para o centro ou
esquerda. A Espanha, com a bola nos pés de Piqué e Ramos, não conseguia sair”.
Sim, 3-4-1-2 e com Sneijder chegando, por vezes, um 3-4-3, mas não aquele de
outrora. Agora, para adaptar a linha de três zagueiros para os tempos modernos,
Van Gaal montou uma linha de meio à frente da zaga para dobrar a marcação pelos
lados, afinal a maioria das equipes usam esquemas derivados do 4-4-2 britânico
(4-2-3-1 e 4-1-4-1, por exemplo) e dobram nas laterais atacando e defendendo.
Na frente, um trio experiente e formado por três jogadores de alto
nível. Sneijder sempre procurando uma zona morta para receber a bola, Van
Persie procurando a área e o espaço deixando entre o meio e a defesa espanhola
e Robben circulando por todo o ataque. Os dois homens de frente atuaram como
legítimos pontas de lança, procurando o mano a mano com a defesa adversária,
estratégia sempre privilegiada por Van Gaal. O sistema de imposição espanhol
não funciona mais e foi em cima dessa certeza que o treinador montou sua
equipe.
Como no jogo contra o Brasil, a Espanha buscou o campo de ataque e não
pressionou a marcação, dando muito espaço à frente a as costas da zaga. Mais
uma vez, foi destruída com habilidade e retomadas em velocidade. Quando teve a
posse, em sua maioria foi inofensiva e a impressão que temos é que essa geração
cansou, estagnou, inclusive seu comando técnico. A opção por Diego Costa
enfiado mudou totalmente a mobilidade que o falso 9 exercido por Fàbregas dava
ao time espanhol.
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Dos
pés de Blind surgiram lançamentos para gols do time holandês. Espaço não
faltava na defesa espanhola.
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André Rocha, como sempre, foi sagaz em sua percepção ampla:
- “Defesa compacta, contra-ataques com toques rápidos, precisos e
jogadas aéreas destruíram o reinado do Barca e também mataram o Bayern de
Guardiola, que segue filosofia semelhante. A Holanda repete a receita e coloca
em risco até a classificação da atual campeã mundial e europeia”.
O resultado de 5 x 1 foi merecido e a bagagem de Van Gaal merece
respeito. A explicação para os três zagueiros foi a inexperiência da zaga, mas
é perceptível que a intenção real era dar liberdade e sustentação para o trio
ofensivo. E, pela estreia, parece que o 3-4-1-2, versão repaginada para as
necessidades impostas pelo futebol moderno, ainda vai ser muito falado e
estudado durante a Copa do Mundo. Abraço!
Referências:
A MELHOR COBERTURA TÁTICA DA COPA DE 2014 É AQUI NA PRANCHETA TÁTICA
Por Victor Oliveira (@vlamhaoliveira)