domingo, 26 de outubro de 2014

Com trauma do primeiro turno superado, Figueirense recebe o Cruzeiro e joga de igual pra igual

Completando um turno à frente do Figueirense, Argel Fucks reencontrou o algoz que aplicou a sonora goleada por 5 a 0 na estreia do técnico neste Brasileirão. No Mineirão, pelo primeiro turno, o Cruzeiro recebeu um Figueirense abatido, na lanterna, e, após primeiro tempo equilibrado, um pênalti polêmico no fim originou o gol de abertura do placar a favor do time mineiro e Marcelo Oliveira e seus comandados, vivendo o melhor momento do Cruzeiro no campeonato, deram um baile no Figueirense do estreante Argel no segundo tempo, que culminou em uma das maiores goleadas do BR14 até aqui.

Na comparação entre as escalações iniciais dos dois jogos, o Cruzeiro, demonstrando a estabilidade de um líder incontestável, teve apenas uma modificação: a entrada de Nilton no lugar de Lucas Silva, apenas por opção de Marcelo Oliveira, preservando o jovem volante para a semifinal da Copa do Brasil que acontece no meio de semana. O Figueirense, por sua vez, teve seis trocas com relação à partida do turno. Dos que iniciaram o confronto de Belo Horizonte, Ricardo Bueno e Luan estão machucados, Nirley e Pablo são reservas, Rivaldo é titular, mas cumpriu suspensão automática após expulsão contra o Grêmio, e Kléber sofreu lesão grave e abreviou a carreira. Para os seus lugares, no Orlando Scarpelli, atuaram Jefferson, Thiago Heleno, França, Giovanni Augusto, Mazola e Marcão.

Ainda com o trauma da goleada, mas em situação muito mais confortável no campeonato, o Figueirense foi a campo no 4-4-2 em linhas dos jogos contra Corinthians e Palmeiras, diferente do 4-3-1-2 utilizado na partida do primeiro turno e nos últimos jogos contra Coritiba e Grêmio, apesar de as escalações serem bastante parecidas. Como sempre é destacado neste espaço, Argel tem demonstrado um conhecimento interessante de suas peças, que apresentam uma versatilidade importante no sentido de executarem funções diferentes dentro de suas características, proporcionando ao comandante um leque de variações táticas.

O Cruzeiro, que joga praticamente da mesma forma desde o ano passado, voltou a ter Ricardo Goulart como titular, após período lesionado. O atacante voltou na quarta-feira contra o Palmeiras, mas entrou no decorrer da partida. Sem Goulart, Marcelo vinha escalando o time celeste em um 4-2-3-1 mais tradicional, com um meio-campista mais organizador e cerebral no centro da linha de três, no caso, Everton Ribeiro, que, com a volta do companheiro de Seleção, passa novamente a atuar aberto pela direita, deixando a faixa central para que o camisa 28 trabalhe como ponta-de-lança, modificando um pouco a forma de jogar do time mineiro.

Figueirense retorna ao 4-4-2, com Mazola ganhando a vaga de Clayton no ataque, e Cruzeiro no que prefiro chamar de 4-4-1-1, apesar de a maioria definir como 4-2-3-1

Resguardando Mayke e Lucas Silva para a semifinal da Copa do Brasil, Marcelo Oliveira perdeu um pouco da organização do meio-campo, já que Nilton e Henrique não têm estas características. Neste sentido, no primeiro tempo, Everton Ribeiro recuava constantemente entre os volantes para pensar o jogo a partir do terço central, enquanto Ricardo Goulart, Marquinhos e Marcelo Moreno movimentavam-se para dar opções à frente. A primeira etapa foi morna em Florianópolis. Sem nenhum dos dois times assumindo o jogo, a posse de bola esteve bastante equilibrada, mas o Cruzeiro conseguia criar as melhores chances, principalmente com a movimentação de Marquinhos à frente, o cruzeirense mais agudo da etapa inicial.

Diferente das últimas partidas, o Cruzeiro não abusou tanto da bola aérea, o que causou certa surpresa, sobretudo pela volta de Ricardo Goulart, fortíssimo neste expediente. Foram apenas 10 bolas alçadas à área do Figueirense, todas sem sucesso. Considerando que a média de cruzamentos cruzeirenses por partida é de 4,9 certos e 16,4 errados, conclui-se que o time utilizou menos do fundamento contra o Figueirense.

Apesar de usar pouco a bola aérea, o Cruzeiro também não levava tanto perigo com ela no chão, tendo inclusive um pouco menos de posse de bola que o adversário. No Brasileirão, o Cruzeiro troca, em média, 419,2 passes, com aproveitamento de 91%. Contra o Figueirense, o time celeste trocou apenas 335 passes, errando 55, o que dá uma média de 84% de acerto, baixíssima para os padrões cruzeirenses. Os 280 passes certos do time de Marcelo Oliveira no sábado são superiores apenas aos 263 do empate fora de casa contra o Fluminense, outro time que valoriza bastante a posse de bola no campeonato, e aos 193 do clássico contra o Atlético-MG, com vitória e mando do Galo.

Estes dados valorizam a forma como o Figueirense se comportou, em seu campo, contra o líder do campeonato que havia humilhado o time catarinense sob seus domínios há alguns meses, ao impedir que o time visitante pudesse propor e controlar o jogo como lhe é peculiar, dentro ou fora de casa. O Figueirense de Argel Fucks, que também tem na posse de bola uma de suas virtudes, trocou 395 passes contra o Cruzeiro, com razoáveis 89% de aproveitamento.

Apesar dos números, o Cruzeiro conseguiu abrir o placar ainda no primeiro tempo em lance inusitado. Após lateral perigoso pela direita, Ceará lançou a bola com força à área do Figueirense e, além do problema do sempre instável vento de Florianópolis, o miolo de zaga do Figueira, em conjunto com o goleiro Tiago Volpi, não conseguiram definir quem cortaria a bola e Marquinhos, como um raio, partiu da ponta esquerda com direção à pequena área e completou para o gol, abrindo os trabalhos no Orlando Scarpelli.

Após sofrer o gol, o Figueirense sentiu claramente o abatimento e passou a ter dificuldades na manutenção da posse de bola, sobretudo pelo distanciamento entre os setores, já que, com Giovanni Augusto e Marco Antônio abertos em lados opostos, os dois jogadores mais criativos do time não conseguem trabalhar juntos para armar o Furacão do Estreito. Além disso, os volantes pouco participavam no terço ofensivo e, quando a bola se situava na intermediária ofensiva, os atacantes não se aproximavam para buscar a tabela, de modo que quebrasse o sistema defensivo cruzeirense, fazendo, pois, que Giovanni e Marco Antônio tivessem apenas os laterais para trocar passes estéreis em seus respectivos lados.

Para a segunda parte, Argel veio logo com uma mudança tática, que foi a entrada do meio-campista Leo Lisboa na vaga do volante França, fazendo com que Marco Antônio recuasse para trabalhar ao lado de Paulo Roberto a partir de trás e, à frente dos dois, se formasse uma linha de três homens, que contava com Mazola pela direita, Giovanni Augusto pelo centro e Leo pela esquerda.

Desde o primeiro momento da etapa complementar, o Figueirense demonstrou ânsia de buscar o empate e passou a dominar as ações, contra um Cruzeiro preguiçoso e preocupado apenas em manter o resultado. Neste sentido, Marcelo Oliveira logo lançou Willian Farias na vaga de Henrique, formando uma dupla de volantes mais consistente ao lado de Nilton, para compensar a falta de recomposição dos extremos, sobretudo por Everton Ribeiro, que pouco participa da fase defensiva.

Com Giovanni Augusto ainda fora de rotação e sem conseguir levar perigo apesar do domínio territorial, Argel agiu rapidamente como lhe é peculiar e colocou Clayton no lugar do camisa 10 alvinegro, trazendo Leo Lisboa para o centro e abrindo os dois atacantes agressivos pelos lados para aproveitar o vazio pelos flancos causado pela já citada falha recomposição defensiva mineira. Desta forma, embora o Figueirense não conseguisse criar grandes chances, o time da casa passou a ter mais possibilidades originadas pela agressividade dos pontas, como escanteios e faltas laterais e intermediárias.

A busca pelo empate por parte do Figueira deixava espaços atrás, sobretudo em contra-ataques, que surgiram à feição para o Cruzeiro em pelo menos três oportunidades desperdiçadas displicentemente pelo por vezes soberbo campeão brasileiro. Com a necessária renovação do fôlego pelo forte calor de Florianópolis, Marcelo Oliveira poupou Everton Ribeiro e Ricardo Goulart de aproximadamente metade da segunda etapa, lançando Willian para atuar na ponta-direita e Lucas Silva para formar um trio de volantes, em proposta clara de igualar a disputa no meio-campo, assumida pelo comandante cruzeirense na coletiva pós-jogo.

Também buscando novo fôlego, Argel Fucks trocou Marcão, menos efetivo do que nas últimas partidas, por Pablo, que originalmente é um atacante de lado de campo, mas integra o grupo de jogadores do Figueira que cumprem várias funções no ataque, entrando para atuar como atacante mais centralizado, mas que buscasse um pouco mais de movimentação para abrir espaço aos homens de trás e buscar tabelas mais rápidas para tentar invadir o miolo de zaga formado por Leo e Dedé, de partida extremamente segura.

Figueirense atuou quase todo o segundo tempo em um 4-2-3-1, que tinha os jogadores de lado apenas com funções ofensivas. O Cruzeiro, por sua vez, passou a se posicionar em um 4-1-4-1, com maior preenchimento do meio-campo

Em uma destas jogadas, o atacante se movimentou e possibilitou que Mazola acertasse, de fora da área, o travessão do goleiro Fábio, quase igualando o placar no Scarpelli. E, quando poucas esperanças restavam, em contragolpe bem armado, Pablo saiu da referência e, em boa triangulação com Leo Lisboa e Cereceda, que chegou de surpresa no meio-campo, recebeu com possibilidades de finalizar e acertou, de perna esquerda, lindo chute alto no canto, sem chances para o goleiro Fábio.

O gol, já nos acréscimos, premia a coragem do Figueirense de, precisando do resultado, partir pra cima do time mais temido do futebol nacional desde o último ano. Mesmo sem fazer grande partida, o Figueira soma ponto importante que o mantém na frente da disputa particular com Chapecoense e Criciúma pelo "título" simbólico de melhor catarinense na Série A, mas, principalmente, faz com que a distância para a zona do rebaixamento permaneça estável, agora em três pontos, após rodada em que times da parte de baixo da tabela conseguiram triunfos importantes, como são os casos de Vitória e Botafogo. Já o Cruzeiro, mesmo com segundo turno bastante abaixo da média, consegue caminhar a passos largos rumo ao bicampeonato nacional e, sabendo que jogou pouquíssimo do que é capaz contra o Figueirense, vai torcer contra o São Paulo, o perseguidor mais próximo, que enfrenta o Goiás em jogo que complementa a rodada na próxima segunda-feira.

*Dados estatísticos retirados do Footstats.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)