Completando um turno à frente do Figueirense, Argel
Fucks reencontrou o algoz que aplicou a sonora goleada por 5 a 0 na estreia do
técnico neste Brasileirão. No Mineirão, pelo primeiro turno, o Cruzeiro recebeu
um Figueirense abatido, na lanterna, e, após primeiro tempo equilibrado, um pênalti polêmico no fim originou o gol de abertura do placar a favor do
time mineiro e Marcelo Oliveira e seus comandados, vivendo o melhor momento do
Cruzeiro no campeonato, deram um baile no Figueirense do estreante Argel no
segundo tempo, que culminou em uma das maiores goleadas do BR14 até aqui.
Na comparação entre as escalações iniciais dos dois
jogos, o Cruzeiro, demonstrando a estabilidade de um líder incontestável, teve
apenas uma modificação: a entrada de Nilton no lugar de Lucas Silva, apenas por
opção de Marcelo Oliveira, preservando o jovem volante para a semifinal da Copa
do Brasil que acontece no meio de semana. O Figueirense, por sua vez, teve seis
trocas com relação à partida do turno. Dos que iniciaram o confronto de
Belo Horizonte, Ricardo Bueno e Luan estão machucados, Nirley e Pablo são reservas, Rivaldo é titular, mas cumpriu
suspensão automática após expulsão contra o Grêmio, e Kléber sofreu lesão grave
e abreviou a carreira. Para os seus lugares, no Orlando Scarpelli, atuaram
Jefferson, Thiago Heleno, França, Giovanni Augusto, Mazola e Marcão.
Ainda com o trauma da goleada, mas em situação
muito mais confortável no campeonato, o Figueirense foi a campo no 4-4-2 em
linhas dos jogos contra Corinthians e Palmeiras, diferente do 4-3-1-2 utilizado
na partida do primeiro turno e nos últimos jogos contra Coritiba e Grêmio,
apesar de as escalações serem bastante parecidas. Como sempre é destacado neste
espaço, Argel tem demonstrado um conhecimento interessante de suas peças, que
apresentam uma versatilidade importante no sentido de executarem funções
diferentes dentro de suas características, proporcionando ao comandante um leque
de variações táticas.
O Cruzeiro, que joga praticamente da mesma forma
desde o ano passado, voltou a ter Ricardo Goulart como titular, após período
lesionado. O atacante voltou na quarta-feira contra o Palmeiras, mas entrou no
decorrer da partida. Sem Goulart, Marcelo vinha escalando o time celeste em um
4-2-3-1 mais tradicional, com um meio-campista mais organizador e cerebral no centro
da linha de três, no caso, Everton Ribeiro, que, com a volta do companheiro de
Seleção, passa novamente a atuar aberto pela direita, deixando a faixa central
para que o camisa 28 trabalhe como ponta-de-lança, modificando um pouco a forma
de jogar do time mineiro.
Figueirense retorna ao 4-4-2, com Mazola ganhando a
vaga de Clayton no ataque, e Cruzeiro no que prefiro chamar de 4-4-1-1, apesar
de a maioria definir como 4-2-3-1
Resguardando Mayke e Lucas Silva para a semifinal
da Copa do Brasil, Marcelo Oliveira perdeu um pouco da organização do
meio-campo, já que Nilton e Henrique não têm estas características. Neste
sentido, no primeiro tempo, Everton Ribeiro recuava constantemente entre os
volantes para pensar o jogo a partir do terço central, enquanto Ricardo
Goulart, Marquinhos e Marcelo Moreno movimentavam-se para dar opções à frente.
A primeira etapa foi morna em Florianópolis. Sem nenhum dos dois times
assumindo o jogo, a posse de bola esteve bastante equilibrada, mas o Cruzeiro
conseguia criar as melhores chances, principalmente com a movimentação de
Marquinhos à frente, o cruzeirense mais agudo da etapa inicial.
Diferente das últimas partidas, o Cruzeiro não
abusou tanto da bola aérea, o que causou certa surpresa, sobretudo pela volta
de Ricardo Goulart, fortíssimo neste expediente. Foram apenas 10 bolas alçadas
à área do Figueirense, todas sem sucesso. Considerando que a média de
cruzamentos cruzeirenses por partida é de 4,9 certos e 16,4 errados, conclui-se que o time utilizou menos do fundamento contra o Figueirense.
Apesar de usar pouco a bola aérea, o Cruzeiro também
não levava tanto perigo com ela no chão, tendo inclusive um pouco menos de posse de
bola que o adversário. No Brasileirão, o Cruzeiro troca, em média, 419,2
passes, com aproveitamento de 91%. Contra o Figueirense, o time celeste trocou
apenas 335 passes, errando 55, o que dá uma média de 84% de acerto, baixíssima
para os padrões cruzeirenses. Os 280 passes certos do time de Marcelo Oliveira
no sábado são superiores apenas aos 263 do empate fora de casa contra o
Fluminense, outro time que valoriza bastante a posse de bola no campeonato, e
aos 193 do clássico contra o Atlético-MG, com vitória e mando do Galo.
Estes dados valorizam a forma como o Figueirense se
comportou, em seu campo, contra o líder do campeonato que havia humilhado o
time catarinense sob seus domínios há alguns meses, ao impedir que o time
visitante pudesse propor e controlar o jogo como lhe é peculiar, dentro ou fora
de casa. O Figueirense de Argel Fucks, que também tem na posse de bola uma de
suas virtudes, trocou 395 passes contra o Cruzeiro, com razoáveis 89% de aproveitamento.
Apesar dos números, o Cruzeiro conseguiu abrir o
placar ainda no primeiro tempo em lance inusitado. Após lateral perigoso pela
direita, Ceará lançou a bola com força à área do Figueirense e, além do
problema do sempre instável vento de Florianópolis, o miolo de zaga do
Figueira, em conjunto com o goleiro Tiago Volpi, não conseguiram definir quem
cortaria a bola e Marquinhos, como um raio, partiu da ponta esquerda com
direção à pequena área e completou para o gol, abrindo os trabalhos no Orlando
Scarpelli.
Após sofrer o gol, o Figueirense sentiu claramente
o abatimento e passou a ter dificuldades na manutenção da posse de bola,
sobretudo pelo distanciamento entre os setores, já que, com Giovanni Augusto e
Marco Antônio abertos em lados opostos, os dois jogadores mais criativos do
time não conseguem trabalhar juntos para armar o Furacão do Estreito. Além
disso, os volantes pouco participavam no terço ofensivo e, quando a bola se
situava na intermediária ofensiva, os atacantes não se aproximavam para buscar a
tabela, de modo que quebrasse o sistema defensivo cruzeirense, fazendo, pois,
que Giovanni e Marco Antônio tivessem apenas os laterais para trocar passes
estéreis em seus respectivos lados.
Para a segunda parte, Argel veio logo com uma mudança
tática, que foi a entrada do meio-campista Leo Lisboa na vaga do volante
França, fazendo com que Marco Antônio recuasse para trabalhar ao lado de Paulo
Roberto a partir de trás e, à frente dos dois, se formasse uma linha de três
homens, que contava com Mazola pela direita, Giovanni Augusto pelo centro e Leo
pela esquerda.
Desde o primeiro momento da etapa complementar, o
Figueirense demonstrou ânsia de buscar o empate e passou a dominar as ações,
contra um Cruzeiro preguiçoso e preocupado apenas em manter o resultado. Neste
sentido, Marcelo Oliveira logo lançou Willian Farias na vaga de Henrique,
formando uma dupla de volantes mais consistente ao lado de Nilton, para
compensar a falta de recomposição dos extremos, sobretudo por Everton Ribeiro, que pouco
participa da fase defensiva.
Com Giovanni Augusto ainda fora de rotação e sem
conseguir levar perigo apesar do domínio territorial, Argel agiu rapidamente
como lhe é peculiar e colocou Clayton no lugar do camisa 10 alvinegro, trazendo
Leo Lisboa para o centro e abrindo os dois atacantes agressivos pelos lados
para aproveitar o vazio pelos flancos causado pela já citada falha recomposição
defensiva mineira. Desta forma, embora o Figueirense não conseguisse criar
grandes chances, o time da casa passou a ter mais possibilidades originadas pela
agressividade dos pontas, como escanteios e faltas laterais e intermediárias.
A busca pelo empate por parte do Figueira deixava
espaços atrás, sobretudo em contra-ataques, que surgiram à feição para o Cruzeiro
em pelo menos três oportunidades desperdiçadas displicentemente pelo por vezes soberbo
campeão brasileiro. Com a necessária renovação do fôlego pelo forte calor de
Florianópolis, Marcelo Oliveira poupou Everton Ribeiro e Ricardo Goulart de
aproximadamente metade da segunda etapa, lançando Willian para atuar na
ponta-direita e Lucas Silva para formar um trio de volantes, em proposta clara
de igualar a disputa no meio-campo, assumida pelo comandante cruzeirense na
coletiva pós-jogo.
Também buscando novo fôlego, Argel Fucks trocou
Marcão, menos efetivo do que nas últimas partidas, por Pablo, que originalmente
é um atacante de lado de campo, mas integra o grupo de jogadores do Figueira
que cumprem várias funções no ataque, entrando para atuar como atacante mais
centralizado, mas que buscasse um pouco mais de movimentação para abrir espaço
aos homens de trás e buscar tabelas mais rápidas para tentar invadir o miolo de
zaga formado por Leo e Dedé, de partida extremamente segura.
Figueirense
atuou quase todo o segundo tempo em um 4-2-3-1, que tinha os jogadores de lado
apenas com funções ofensivas. O Cruzeiro, por sua vez, passou a se posicionar
em um 4-1-4-1, com maior preenchimento do meio-campo
Em uma destas jogadas, o atacante se movimentou e
possibilitou que Mazola acertasse, de fora da área, o travessão do goleiro
Fábio, quase igualando o placar no Scarpelli. E, quando poucas esperanças
restavam, em contragolpe bem armado, Pablo saiu da referência e, em boa
triangulação com Leo Lisboa e Cereceda, que chegou de surpresa no meio-campo,
recebeu com possibilidades de finalizar e acertou, de perna esquerda, lindo
chute alto no canto, sem chances para o goleiro Fábio.
O gol, já nos acréscimos, premia a coragem do
Figueirense de, precisando do resultado, partir pra cima do time mais temido do
futebol nacional desde o último ano. Mesmo sem fazer grande partida, o Figueira
soma ponto importante que o mantém na frente da disputa particular com
Chapecoense e Criciúma pelo "título" simbólico de melhor catarinense na Série A, mas,
principalmente, faz com que a distância para a zona do rebaixamento permaneça
estável, agora em três pontos, após rodada em que times da parte de baixo da
tabela conseguiram triunfos importantes, como são os casos de Vitória e
Botafogo. Já o Cruzeiro, mesmo com segundo turno bastante abaixo da média,
consegue caminhar a passos largos rumo ao bicampeonato nacional e, sabendo que
jogou pouquíssimo do que é capaz contra o Figueirense, vai torcer contra o São
Paulo, o perseguidor mais próximo, que enfrenta o Goiás em jogo que complementa
a rodada na próxima segunda-feira.
*Dados estatísticos retirados do Footstats.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)