A segunda rodada da fase de grupos da Champions
League foi aberta com o confronto entre CSKA Moscou e Bayern de Munique, na
Rússia. O jogo não era dos mais esperados e também não foi boa pedida para quem
gosta de emoção, mas, taticamente, foi disparado o mais interessante da
terça-feira. Como está virando rotina, o CSKA recebeu o Bayern, na Arena
Khimki, com portões parcialmente fechados, por conta de mais uma punição da
UEFA por injúrias raciais proferidas por integrantes da torcida do time russo.
Contra o CSKA, Guardiola escalou um time
extremamente ofensivo no papel, mas, como já é sabido, os atletas do Bayern têm
extrema facilidade em desempenhar as mais diferentes funções dentro de campo, o
que transforma “escalação ofensiva” em um conceito demasiado subjetivo.
No Bayern, Guardiola continua desafiando as teorias
do futebol, inclusive revolucionando a própria revolução que promoveu quando comandava
o Barcelona. Desta forma, esqueçamos o 4-3-3, o 4-2-3-1, o 4-4-2, o 3-4-3... e
tentemos observar a função de cada atleta dentro do sistema de jogo de
Guardiola, independente do setor do campo em que se posicionasse
majoritariamente.
O
Bayern tinha Benatia e Dante como zagueiros, Lahm e Alaba como laterais, Xabi
Alonso como volante, Götze e Müller como atacantes, Bernat e Robben como pontas
e Lewandowski como centroavante. Detalhes mais à frente. O CSKA, por sua vez,
foi montado por Leonid Slutsky em um sistema que priorizava a defesa e tinha
uma linha de cinco jogadores postada atrás e outra de quatro à sua frente. Ambas
extremamente próximas uma da outra e rígidas, em uma tentativa clara de armar
uma barreira que permitisse ao Bayern trocar passes do meio-campo até a
intermediária rival, mas impedisse, pelo menos enquanto fosse possível, o
advento da bola na área russa.
CSKA no 5-4-1 e Bayern no que parece ser um 4-1-4-1,
mas não é. Imagem é meramente ilustrativa. A atenção tem de ser dada aos frames
e parágrafos na sequência que explicam as funções de cada jogador nos
diferentes momentos do jogo
O
time de Slutksy havia tomado goleada acachapante da Roma na primeira rodada e,
portanto, precisava mudar de atitude caso ainda vislumbrasse pelo menos uma
participação digna no grupo da morte da Champions League. Neste sentido, a
equipe foi a campo marcando em bloco baixo e com as duas linhas de defesa já
citadas. A bola era um objeto pouco desejado pelos russos, que claramente
assumiam que não podiam competir neste quesito com o time que melhor troca
passes no mundo. Quando por algum milagre a bola ficava no domínio de algum
jogador do CSKA, a intenção era buscar a velocidade de Musa e Tosic para os
contra-ataques e a tentativa de finalizar o mais rápido possível, antes que o
Bayern conseguisse se compactar no mesmo 5-4-1 do time da casa.
Tônica de 73% dos 90 minutos na Arena Khimki: Bayern
trocando passes e linhas do CSKA encurtando os espaços na entrada da área
O Bayern de Munique apresentava dinâmicas muito
interessantes, tanto na fase defensiva quanto na ofensiva. Antes de compreender
a defesa, entretanto, é necessário que se tome conhecimento da forma como o
Bayern atacava o CSKA. Benatia e Dante iniciavam a saída de bola, mas era no
meio-campo onde ela mais permanecia. Lahm e Alaba eram laterais que muito
raramente serviam como opção pelos extremos. Em geral, centralizavam para
trabalhar com Xabi Alonso no meio e, junto com o espanhol, serem os responsáveis
pela valorização da posse da bola enquanto a movimentação dos homens mais
avançados se esforçava para abrir espaços na defesa do CSKA. O Bayern trocou
incríveis 769 passes no jogo, acertando 91%, muito por culpa de Lahm, Alaba e,
especialmente, Alonso. A valorização da bola, além de permitir que seja
aguardado o momento certo para arriscar, também é uma forma de defesa, uma vez
que, quanto mais a bola está na sua posse, menos você vai precisar se defender
e, consequentemente, correr riscos. Lahm e Alaba participavam da organização,
mas era Alonso quem dava o ritmo ao meio-campo e tomava as decisões,
evidenciando a cada jogo que é a contratação mais importante da Era Guardiola
no sentido de aplicar a forma de jogo do treinador alemão na Baviera. Robben e
Bernat se posicionavam como pontas para dar amplitude pelos lados e Lewandowski
era o centroavante, que buscava a movimentação com Götze e Müller para
confundir a marcação russa.
Paciência no meio-campo, profundidade nos extremos e
movimentação no ataque: foi assim que o Bayern tentou, com pouco sucesso,
quebrar a retranca russa
Robben, Müller, Lewandowski, Götze e Bernat posicionavam-se entre as duas linhas do rival que, como eram muito compactas, impediam que fosse possível trabalhar com a bola no entrelinhas. No entanto, tal posicionamento obrigava que os cinco homens da primeira linha russa efetuassem encaixe individual nos cinco da última linha alemã. Neste sentido, a saída que o Bayern encontrava eventualmente era o afastamento de Götze, Müller ou Lewandoski do entrelinhas para buscar a bola na intermediária e puxar um marcador adversário, tirando, assim, a referência de posicionamento dos homens mais próximos do defensor que se deslocou. Em uma dessas ocasiões, Lewandowski saiu de seu posicionamento original e carregou consigo Ignashevich, o zagueiro que teoricamente seria o da sobra, caso o Bayern não atuasse com cinco homens alinhados no ataque na maioria do tempo. O giro de Lewandowksi pra cima de Iganshevich, após receber passe de Xabi Alonso, rompeu a compactação russa e bagunçou as duas linhas, proporcionando a Götze receber em condições de avançar e sofrer pênalti na entrada da área. O brasileiro Mario Fernandes, que era o lateral-direito, acabou cometendo a penalidade quando se viu obrigado a sair de seu setor para dar o combate em Götze na meia lua de sua área. Thomas Müller converteu a cobrança e marcou o único gol do jogo.
De maneira geral, o Bayern marcava a saída de bola adversária com pressão nos últimos metros do campo para forçar os russos ao erro, porém, nas poucas vezes que isso não acontecia e que o CSKA tinha a bola e tentava agredir sem ser em contragolpes, Alaba posicionava-se como zagueiro e Bernat fechava a linha de cinco homens pelo lado esquerdo, enquanto Robben, Götze e Müller voltavam para compor uma segunda linha de quatro com Xabi Alonso, ocupando os espaços mais próximos de onde estavam quando da perda da posse da bola.
Lance que originou o pênalti para o Bayern:
Lewandowski é perseguido por Ignashevich e abre espaço para a infiltração de
Götze pelo centro (Reprodução: ESPN Brasil)
De maneira geral, o Bayern marcava a saída de bola adversária com pressão nos últimos metros do campo para forçar os russos ao erro, porém, nas poucas vezes que isso não acontecia e que o CSKA tinha a bola e tentava agredir sem ser em contragolpes, Alaba posicionava-se como zagueiro e Bernat fechava a linha de cinco homens pelo lado esquerdo, enquanto Robben, Götze e Müller voltavam para compor uma segunda linha de quatro com Xabi Alonso, ocupando os espaços mais próximos de onde estavam quando da perda da posse da bola.
Bayern também tinha seus momentos de ônibus
estacionado e, embora suas linhas fossem menos rígidas, eram tão compactas
quanto às do rival
Para a segunda etapa, o jogo permaneceu no mesmo
panorama, embora a intensidade fosse menor por parte das duas equipes. Enquanto
o Bayern buscava ampliar o resultado com a mesma proposta do primeiro tempo, o
CSKA tentava, com as mexidas de Slutsky, levar um pouco mais de perigo no contra-ataque.
Doumbia entrou no lugar de Natcho para dar mais força na briga entre os
zagueiros, enquanto Musa recuou para atuar na ponta-esquerda e Milanov passou a
trabalhar por dentro para dar velocidade à transição ofensiva. Na
ponta-direita, Efremov substituiu Tosic, visando mais fôlego ao setor.
O Bayern, por sua vez, manteve o sistema, apesar de
algumas mudanças na estrutura. Götze deu lugar a Shaqiri e Robben, a Rafinha. A
entrada de Rafinha talvez reflita alguma preocupação de Guardiola com a
agressividade de Musa pela ponta-esquerda, já que Benatia tinha cartão amarelo
e era importante que o marroquino ficasse o menos exposto possível para não ser
forçado ao combate. O lateral brasileiro dava opção de profundidade pela
direita como Robben, mas voltava para fechar a primeira linha de defesa, da
mesma forma que Bernat pelo flanco oposto. Lahm passou a atuar de vez no
meio-campo e Alaba transitava entre a linha de cinco para defender e o meio
para executar a mesma função de participação na organização ofensiva da
primeira etapa.
Times com algumas mudanças, mas as mesmas propostas do
primeiro tempo
A partida foi levada em banho-maria até o seu fim e
o Bayern conseguiu confirmar vitória magra, mas importante na busca pela
primeira colocação do grupo mais difícil desta edição da Champions League. O
CSKA Moscou, que teria time para brigar por uma segunda vaga em qualquer grupo
da competição, caiu na chave mais complicada possível e tenta apenas não ser o
saco de pancadas, também para que uma desastrosa participação na Champions
League não desmotive o time na luta pelo bicampeonato russo.
Desde que saiu do Barcelona, Guardiola tenta
encontrar um equilíbrio entre a valorização da bola e a verticalidade nos
ataques, já que sofreu muitas críticas que dão conta de que seu Barcelona era
pouco objetivo e acabou não alargando a era de domínio na Europa pelo fato de
ter seu jogo já decifrado pelos grandes rivais. O Bayern é o time certo pra
isso, já que, quando campeão de tudo sob o comando de Jupp Heinckes, era
implacável ofensivamente e também garantia boa posse de bola, combinando com
maestria a técnica de seus jogadores de defesa e meio-campo com a agressividade
dos homens de frente. Pep também busca aprimorar ainda mais o estilo alemão que
encantou o mundo em 2012-13 e, mais recentemente, na Copa do Mundo, levando as
principais características do treinador mais revolucionário do século XXI para
que o time da Baviera se torne ainda mais relevante para a história do futebol
do que foi o Barcelona de 2008 a 2012.
* Dados estatísticos retirados do UEFA.com
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)