quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Proposta reativa volta a dar certo fora de casa, e Figueirense afunda o Botafogo e encaminha permanência na Série A

Na desesperada luta contra o rebaixamento, o Botafogo recebeu o Figueirense, ainda em risco, no estádio de São Januário. Com problemas na justiça, o clube optou por transferir o jogo, anteriormente agendado para o Maracanã, como uma manobra para não ficar impossibilitado de usufruir da renda da partida.

Com os problemas que o Botafogo teve ao longo da temporada, Vágner Mancini chega ao final do campeonato com um elenco enxuto em mãos, recheado de jovens das categorias de base ainda sem a maturidade para atuar nos profissionais e com atletas desconhecidos que apareceram para aumentar as opções do treinador, que ficou sem seus principais jogadores por conta de intervenções da diretoria no futebol e ações judiciais por atraso nos salários.

Por conta do limitadíssimo leque de opções, Mancini escalou o Botafogo em um 4-3-3 com algumas nuances interessantes. No meio-campo, o triângulo era formado por Marcelo Mattos na primeira função e Gabriel e Bolatti fechando com o camisa 5 na marcação e saindo para encostar nos três homens de frente com a posse de bola botafoguense. No ataque, Murilo e Bruno Correa atuavam pelos lados, enquanto Jóbson era o atacante mais próximo do gol, mas com extrema liberdade de movimentação no terço ofensivo. Quando Jóbson deixava o comando do ataque, Bruno Correa atacava o espaço aberto entre os zagueiros do Figueirense e usava sua força física para brigar entre eles e executar o papel de referência. Murilo permanecia mais preso à ponta-esquerda, onde, com o apoio de Júnior Cesar, eram criadas as principais jogadas ofensivas do Botafogo.

O Figueirense, que atuara no 4-2-3-1 no empate contra o Atlético-MG, teve a importante volta de Marco Antônio, dando a possibilidade a Argel Fucks de voltar a escalar seu time com um losango no meio-campo. No 4-3-1-2 de São Januário, Dener foi o primeiro volante, enquanto Marco Antônio e França formavam as vértices laterais do losango, completado por Felipe, o enganche para Pablo e Marcão, os atacantes que atuavam lado a lado e revezavam a referência. Na defesa, William Cordeiro voltou a ter oportunidade na lateral-direita, substituindo o suspenso Jefferson. Thiago Heleno retornou de suspensão e formou dupla com Nirley, já que Marquinhos deixou o campo contundido logo nos primeiros minutos do jogo.

Botafogo liberava seus três atacantes da marcação, apesar de recomposições esporádicas de Murilo pela esquerda para fechar uma segunda linha de quatro. Do outro lado, Figueirense voltou ao sistema mais utilizado desde a chegada de Argel

Argel adotou um sistema valorização da posse de bola no Figueirense, seja dentro ou fora de casa, o problema é que, no segundo turno, propor o jogo como visitante não vinha trazendo resultados, apesar das apresentações razoáveis. Neste sentido, por isso e pelos vários desfalques que teve, o Figueirense visitou o Atlético-MG de forma mais cautelosa, buscando fechar os espaços e apostar no contragolpe para atacar, conquistando, assim, o primeiro ponto do Furacão do Estreito fora de casa no returno. Contra o Botafogo, apesar da mudança de esquema, o jogo reativo também prevaleceu e o time marcava com a linha de meio-campo próxima da de defesa, além da disposição dos três homens mais avançados, que voltavam até antes do meio-campo para atrapalhar a saída de bola dos zagueiros e dos volantes adversários, de modo a proteger as linhas de marcação.

Frame mostra a proximidade entre as duas principais linhas de marcação do Figueirense, que buscaram dificultar o trabalho ofensivo do Botafogo (Reprodução: SporTV)

Com o Botafogo tomando a iniciativa desde o início, o jogo ficou à feição da proposta do time visitante, já que havia sempre espaço para o contra-ataque. O Figueirense, no entanto, tinha problemas para aproveitar estes espaços pela falta de opções de velocidade do meio pra frente e também por erros individuais no último passe por jogadores que não têm este fundamento como característica, os casos de Marcão e França, que sempre encontrava um corredor imenso nos contragolpes, mas pecava no momento de tomar as decisões.

Quando não era surpreendido pelos contra-ataques e conseguia executar a recomposição defensiva, o Botafogo tinha seus três volantes alinhados à frente da linha de defesa e os jogadores de ataque buscavam pressionar a saída de bola do Figueirense, forçando muitos erros de passe por parte do time catarinense que, ao final do jogo, teve apenas 68% de aproveitamento em seus passes, errando 60 dos 190 tentados, divididos entre campo defensivo e ofensivo, já que errou muito na saída de bola e também na hora da conclusão das jogadas, o que é exemplificado pelos 11 passes errados de Marcão ao longo da peleja.

Botafogo atacava e defendia sem muita organização, e, quando tinha tempo para recompor, os três volantes se aproximavam da última linha, mas havia pouca intensidade na marcação (Reprodução: SporTV)

Se na defesa o Botafogo enfrentava problemas, no ataque a atuação era boa, com a movimentação já citada entre os três atacantes que dificultava a marcação adversária. Quando Jóbson circulava para abrir espaço para si e para os companheiros, o Botafogo levava perigo e o Figueirense precisou contar com algumas boas defesas de Tiago Volpi, que não tem sido mais tão exigido como era no início do campeonato, mas continua mostrando que é um dos bons goleiros desse Brasileirão.

Para a segunda parte, os times não modificaram jogadores e nem disposições táticas ou proposta, e a conjuntura permaneceu a mesma até que o Botafogo teve um pênalti ao seu favor, após Roberto Cereceda cortar cruzamento da direita com o braço. Na cobrança, Jóbson chutou por cima e desperdiçou a chance de abrir o placar. Logo na sequência, o Botafogo sentiu o gol e o Figueirense aproveitou o momento para pressionar e, após criar duas oportunidades, conseguiu o gol com o volante França, em jogada aérea que contou com falha defensiva inadmissível da defesa botafoguense.

Marco Antônio cobrou escanteio e, após a defesa afastar, a bola sobrou novamente para o Figueirense e os defensores botafoguenses abandonaram a marcação de forma inexplicável, dando a possibilidade de Felipe cruzar de trivela para três jogadores livres do time visitante. França cabeceou no canto direito de Jefferson e abriu o marcador em São Januário (Reprodução: SporTV)

Após o gol sofrido, o Botafogo foi ainda mais pra cima e cedeu mais espaços do que já cedia para o contra-ataque do Figueirense, que, por pura incompetência, não conseguiu matar o jogo, ao desperdiçar inúmeras possibilidades em que teve superioridade numérica no ataque contra os poucos botafoguenses que permaneciam atentos à marcação.

Argel manteve o Figueirense na mesma conjuntura tática, trocando apenas Cereceda por Marquinhos Pedroso e França por Yago. Com a vitória, mas a pobre partida que o time de Florianópolis fez quando tinha a bola no pé, os destaques ficaram por conta de jogadores de defesa, com o jovem Dener realizando mais uma ótima partida no meio-campo, sendo um dos poucos que não erravam passes na saída de bola e marcando muito bem o ataque adversário, com 5 desarmes durante o jogo. No quesito, o volante alvinegro só foi superado por William Cordeiro, a quem Argel deu nova chance na lateral-direita, dessa vez fora de casa e longe da pressão da torcida, que não tem muita paciência com o garoto. William conseguiu 7 desarmes durante o jogo e, apesar de alguns erros de passe, fez partida muito consistente na marcação e foi bem nas poucas vezes que subiu ao ataque.

Vágner Mancini, na ânsia de reverter o placar, recorreu a Gegê, Yuri Mamute e Zeballos para os lugares de Bolatti, Murilo e Jóbson, fazendo o Botafogo sair do 4-3-3 para um 4-2-3-1, onde Bruno Correa passou de vez a executar a função de referência. Com a marcação do Figueirense acertada e a extrema dificuldade técnica dos jogadores botafoguenses, o time catarinense conseguiu segurar o placar mínimo e alcançar a primeira vitória fora de casa no returno, praticamente assegurando a permanência na Série A para 2015, algo que parecia improvável após o péssimo início que o clube teve na competição.

Botafogo foi pra cima num 4-2-3-1 bastante desorganizado, enquanto o Figueira se segurou no mesmo esquema, mas com fôlego novo

Com o trabalho no Figueirense, Argel Fucks finalmente deve conseguir se firmar no cenário nacional e, a partir de agora, merece ser tratado com mais carinho e respeito, já que conseguiu demonstrar, além da questão motivacional que lhe é característica, um ótimo conhecimento tático aplicado durante as partidas, nas variações de esquema de acordo com o adversário ou com a necessidade do jogo ou a limitação de suas opções para determinada partida.

O Botafogo agrava sua situação desesperadora e, apesar de ainda não estar matematicamente rebaixado, precisará de um milagre para permanecer na primeira divisão. Após a gestão desastrosa que, além de deixar os problemas administrativos influenciarem no futebol, ainda interferiu diretamente na condução do elenco, a iminente volta à Série B pode ser uma forma de retomar devagar o caminho das vitórias que a história do Glorioso merece.

*Dados estatísticos retirados do Footstats

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)