Na desesperada luta contra o rebaixamento, o
Botafogo recebeu o Figueirense, ainda em risco, no estádio de São Januário. Com
problemas na justiça, o clube optou por transferir o jogo, anteriormente
agendado para o Maracanã, como uma manobra para não ficar impossibilitado de
usufruir da renda da partida.
Com os problemas que o Botafogo teve ao longo da
temporada, Vágner Mancini chega ao final do campeonato com um elenco enxuto em
mãos, recheado de jovens das categorias de base ainda sem a maturidade para
atuar nos profissionais e com atletas desconhecidos que apareceram para
aumentar as opções do treinador, que ficou sem seus principais jogadores por
conta de intervenções da diretoria no futebol e ações judiciais por atraso nos
salários.
Por conta do limitadíssimo leque de opções, Mancini
escalou o Botafogo em um 4-3-3 com algumas nuances interessantes. No
meio-campo, o triângulo era formado por Marcelo Mattos na primeira função e
Gabriel e Bolatti fechando com o camisa 5 na marcação e saindo para encostar
nos três homens de frente com a posse de bola botafoguense. No ataque, Murilo e
Bruno Correa atuavam pelos lados, enquanto Jóbson era o atacante mais próximo
do gol, mas com extrema liberdade de movimentação no terço ofensivo. Quando
Jóbson deixava o comando do ataque, Bruno Correa atacava o espaço aberto entre
os zagueiros do Figueirense e usava sua força física para brigar entre eles e
executar o papel de referência. Murilo permanecia mais preso à ponta-esquerda,
onde, com o apoio de Júnior Cesar, eram criadas as principais jogadas ofensivas
do Botafogo.
O Figueirense, que atuara no 4-2-3-1 no empate contra o Atlético-MG, teve a importante volta de Marco Antônio, dando a
possibilidade a Argel Fucks de voltar a escalar seu time com um losango no
meio-campo. No 4-3-1-2 de São Januário, Dener foi o primeiro volante, enquanto
Marco Antônio e França formavam as vértices laterais do losango, completado por Felipe, o enganche para Pablo e Marcão, os atacantes que atuavam lado a
lado e revezavam a referência. Na defesa, William Cordeiro voltou a ter
oportunidade na lateral-direita, substituindo o suspenso Jefferson. Thiago
Heleno retornou de suspensão e formou dupla com Nirley, já que Marquinhos
deixou o campo contundido logo nos primeiros minutos do jogo.
Botafogo liberava seus três atacantes da marcação,
apesar de recomposições esporádicas de Murilo pela esquerda para fechar uma
segunda linha de quatro. Do outro lado, Figueirense voltou ao sistema mais
utilizado desde a chegada de Argel
Argel adotou um sistema valorização da posse de
bola no Figueirense, seja dentro ou fora de casa, o problema é que, no segundo
turno, propor o jogo como visitante não vinha trazendo resultados, apesar das
apresentações razoáveis. Neste sentido, por isso e pelos vários desfalques que
teve, o Figueirense visitou o Atlético-MG de forma mais cautelosa, buscando
fechar os espaços e apostar no contragolpe para atacar, conquistando, assim, o
primeiro ponto do Furacão do Estreito fora de casa no returno. Contra o
Botafogo, apesar da mudança de esquema, o jogo reativo também prevaleceu e o
time marcava com a linha de meio-campo próxima da de defesa, além da disposição
dos três homens mais avançados, que voltavam até antes do meio-campo para
atrapalhar a saída de bola dos zagueiros e dos volantes adversários, de modo a
proteger as linhas de marcação.
Frame mostra a proximidade entre as duas principais
linhas de marcação do Figueirense, que buscaram dificultar o trabalho ofensivo
do Botafogo (Reprodução: SporTV)
Com o Botafogo tomando a iniciativa desde o início,
o jogo ficou à feição da proposta do time visitante, já que havia sempre espaço
para o contra-ataque. O Figueirense, no entanto, tinha problemas para
aproveitar estes espaços pela falta de opções de velocidade do meio pra frente
e também por erros individuais no último passe por jogadores que não têm este
fundamento como característica, os casos de Marcão e França, que sempre
encontrava um corredor imenso nos contragolpes, mas pecava no momento de tomar
as decisões.
Quando não era surpreendido pelos contra-ataques e
conseguia executar a recomposição defensiva, o Botafogo tinha seus três
volantes alinhados à frente da linha de defesa e os jogadores de ataque
buscavam pressionar a saída de bola do Figueirense, forçando muitos erros de
passe por parte do time catarinense que, ao final do jogo, teve apenas 68% de
aproveitamento em seus passes, errando 60 dos 190 tentados, divididos entre
campo defensivo e ofensivo, já que errou muito na saída de bola e também na
hora da conclusão das jogadas, o que é exemplificado pelos 11 passes errados de
Marcão ao longo da peleja.
Botafogo atacava e defendia sem muita organização, e,
quando tinha tempo para recompor, os três volantes se aproximavam da última
linha, mas havia pouca intensidade na marcação (Reprodução: SporTV)
Se na defesa o Botafogo enfrentava problemas, no
ataque a atuação era boa, com a movimentação já citada entre os três atacantes
que dificultava a marcação adversária. Quando Jóbson circulava para abrir
espaço para si e para os companheiros, o Botafogo levava perigo e o Figueirense
precisou contar com algumas boas defesas de Tiago Volpi, que não tem sido mais
tão exigido como era no início do campeonato, mas continua mostrando que é um
dos bons goleiros desse Brasileirão.
Para a segunda parte, os times não modificaram
jogadores e nem disposições táticas ou proposta, e a conjuntura permaneceu a
mesma até que o Botafogo teve um pênalti ao seu favor, após Roberto Cereceda
cortar cruzamento da direita com o braço. Na cobrança, Jóbson chutou por cima e
desperdiçou a chance de abrir o placar. Logo na sequência, o Botafogo sentiu o
gol e o Figueirense aproveitou o momento para pressionar e, após criar duas
oportunidades, conseguiu o gol com o volante França, em jogada aérea que contou
com falha defensiva inadmissível da defesa botafoguense.
Marco Antônio cobrou escanteio e, após a defesa
afastar, a bola sobrou novamente para o Figueirense e os defensores
botafoguenses abandonaram a marcação de forma inexplicável, dando a
possibilidade de Felipe cruzar de trivela para três jogadores livres do time
visitante. França cabeceou no canto direito de Jefferson e abriu o marcador em
São Januário (Reprodução: SporTV)
Após o gol sofrido, o Botafogo foi ainda mais pra
cima e cedeu mais espaços do que já cedia para o contra-ataque do Figueirense,
que, por pura incompetência, não conseguiu matar o jogo, ao desperdiçar
inúmeras possibilidades em que teve superioridade numérica no ataque contra os
poucos botafoguenses que permaneciam atentos à marcação.
Argel manteve o Figueirense na mesma conjuntura
tática, trocando apenas Cereceda por Marquinhos Pedroso e França por Yago. Com
a vitória, mas a pobre partida que o time de Florianópolis fez quando tinha a
bola no pé, os destaques ficaram por conta de jogadores de defesa, com o jovem
Dener realizando mais uma ótima partida no meio-campo, sendo um dos poucos que
não erravam passes na saída de bola e marcando muito bem o ataque adversário, com
5 desarmes durante o jogo. No quesito, o volante alvinegro só foi superado por
William Cordeiro, a quem Argel deu nova chance na lateral-direita, dessa vez
fora de casa e longe da pressão da torcida, que não tem muita paciência com o
garoto. William conseguiu 7 desarmes durante o jogo e, apesar de alguns erros
de passe, fez partida muito consistente na marcação e foi bem nas poucas vezes
que subiu ao ataque.
Vágner Mancini, na ânsia de reverter o placar,
recorreu a Gegê, Yuri Mamute e Zeballos para os lugares de Bolatti, Murilo e
Jóbson, fazendo o Botafogo sair do 4-3-3 para um 4-2-3-1, onde Bruno Correa
passou de vez a executar a função de referência. Com a marcação do Figueirense
acertada e a extrema dificuldade técnica dos jogadores botafoguenses, o time
catarinense conseguiu segurar o placar mínimo e alcançar a primeira vitória
fora de casa no returno, praticamente assegurando a permanência na Série A para
2015, algo que parecia improvável após o péssimo início que o clube teve na
competição.
Botafogo foi pra cima num 4-2-3-1 bastante
desorganizado, enquanto o Figueira se segurou no mesmo esquema, mas com fôlego
novo
Com o trabalho no Figueirense, Argel Fucks
finalmente deve conseguir se firmar no cenário nacional e, a partir de agora,
merece ser tratado com mais carinho e respeito, já que conseguiu demonstrar,
além da questão motivacional que lhe é característica, um ótimo conhecimento
tático aplicado durante as partidas, nas variações de esquema de acordo com o
adversário ou com a necessidade do jogo ou a limitação de suas opções para
determinada partida.
O Botafogo agrava sua situação desesperadora e,
apesar de ainda não estar matematicamente rebaixado, precisará de um milagre
para permanecer na primeira divisão. Após a gestão desastrosa que, além de deixar
os problemas administrativos influenciarem no futebol, ainda interferiu
diretamente na condução do elenco, a iminente volta à Série B pode ser uma
forma de retomar devagar o caminho das vitórias que a história do Glorioso
merece.
*Dados
estatísticos retirados do Footstats
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)