segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Doriva mexe bem e Vasco passa facilmente pelo Fluminense. 1 x 0 foi pouco!

No primeiro clássico carioca do ano, o Vasco foi amplamente superior e venceu o Fluminense com gol de Luan, de pênalti. A equipe comandada por Cristóvão Borges jogou muito mal e, com a derrota, caiu para quinto lugar na tabela de classificação. Já a equipe cruzmaltina terminou a rodada em quarto.

Digamos que tenha sido a primeira GRANDE atuação cruzmaltina no ano em um jogo válido para se dizer como teste. Desde o início, o Vasco controlou as ações do jogo, dominando territorialmente e estrategicamente o adversário. Explicaremos como ocorreu esse domínio abaixo:

Desenho das equipes. Critério de posicionamento para auxiliar a compreensão do texto

O Fluminense veio a campo no tradicional 4-2-3-1 com a bola, com Jean e Édson na contenção da zaga, tentando organizar a saída de bola tricolor. A linha de três meias era formada por Vinícius centralizado, Marlone pelo lado esquerdo e Lucas Gomes pelo flanco direito. Fred era a referência no ataque. Sem a pelota, a equipe tricolor se organizava no 4-1-4-1, com Édson no entre-linhas, dando cobertura para a zaga. Jean se juntava a linha de meias que formaria com Vinícius, Marlone e Lucas Gomes. O Flu marcava em blocos baixos, era desorganizado e dava muitos espaços.

O Vasco veio notavelmente diferente dos jogos anteriores. Inicialmente estruturado no já visto 4-2-3-1, Doriva mudou um pouco o estilo da equipe. Sem Bernardo e Montoya, que desde o inicio da temporada vinham sendo escolhidos para serem os meias pelos lados, Doriva optou por um mais cadenciado Julio dos Santos pela direita e um mais agudo Rafael Silva na esquerda. E foram essas escolhas que ajudaram e muito no resultado positivo do jogo.

Um dos grandes problemas que a equipe mostrava nos jogos anteriores era a falta de criatividade e fluência nos momentos de organização ofensiva. A escolha por dois volantes pouco criativos e muito contidos (Serginho e Guinazu), somado a uma linha de 3 (Bernardo-Marcinho-Montoya) que possuía uma interação fraca (muito estática, com muitos erros na hora de decidir por passe/condução) e um atacante que pouco conseguia prender a linha defensiva (Rafael Silva) atrapalhava o jogo cruzmaltino. So que com os desfalques a coisa mudou.

A escolha por posicionar o paraguaio Julio dos Santos aberto a direita fez-se questionar o que o treinador queria com isso, já que era um jogador de "teórica" pouca dinâmica para a função. Provou-se totalmente o contrário. Inicialmente aberto, recuava para receber livre, confundia Giovani, que não sabia se o perseguia ou se ficava fixo a linha defensiva e abria espaços para que Madson viesse de trás ou então Marcinho pudesse aprofundar por ali, acionando-os na ultrapassagem. Condicionou o jogo vascaíno, temporizando as ações, alternando passes curtos com bolas longas nas costas do lateral esquerdo tricolor. Foi o jogador vascaíno que mais tempo ficou com a posse além dos zagueiros. Vejamos:

Quatro flagrantes de movimentação do Julio mais recuado abrindo vácuo para apoio de Madson

Ja nesse frame, um flagrante melhor. Julio dominando a saída pela direita, Madson aprofundando como ponta e Marcinho interior. Entrada de Julio facilitou o jogo de ataque ao espaço de Marcinho

Ja nos heatmaps acima, observe como Julio conseguiu condicionar o jogo de sua equipe. Compare o mapa de calor coletivo da equipe cruzmaltina (a esquerda) com o individual de Julio dos Santos (a direita). Bola circulando muito mais pelo seu setor. 

Já Rafael Silva á esquerda mais agudo foi uma outra boa cartada de Doriva. Sabendo que Yago, teórico substituto, possui notáveis dificuldades de recomposição, o treinador apostou em seu pupilo dos tempos de Ituano para aprofundar as ações por ali, encostar em Gilberto e Marcinho e perseguir individualmente/prender o apoio de Wellington Silva, lateral direito tricolor que vinha se destacando por ser bem agudo no ataque. Com isso, mais um ponto positivo para Doriva: Julio posicionado mais recuado a direita facilitava as transições defensivas quando alguém perdia a bola pelo lado esquerdo, já que com isso a linha de meio conseguia bascular forte para o lado da bola sem expor o lado oposto. Observe abaixo:

Julio bem contido a direita próximo aos volantes vascaínos . Ja Rafael, circulado, colado em Wellington Silva vigiando sua movimentação 


No campinho a direita, bola perdida no lado esquerdo, momento de transição defensiva. Linha de meio pendula (bascula) intensamente para o lado, com Guinazu fazendo o combate pela esquerda e Julio fecha junto com os volantes, muito devido a seu posicionamento mais recuado por ali. Observe no heatmap de Guinazu (direita) também o quanto ele participou pelo lado esquerdo!

Não podemos nos esquecer do estreante Gilberto, que entrou na frente exatamente no lugar que Rafael deixou, muito bem. Sabendo reter o central do lado que a pelota se encontrava, descaindo mais pela direita quando saía da área (natural pelo vácuo deixado por Julio dos Santos), acertando no pivô acionando bem quem vinha de trás e atacando as costas da defesa com desmarcações de ruptura. Foi inclusive num lance de movimentação assim que o juiz não marcou pênalti claro de Cavalieri em cima dele no primeiro tempo.

Mudanças a parte, o jogo se desenrolou com o Flu buscando o contragolpe e o Vasco partindo pra cima, propondo o jogo com qualidade. Até os 30’ da primeira etapa, o Vasco criou mais, teve mais posse de bola (52% a 48%), mais objetividade e intensidade. O Flu tinha dificuldades para sair jogando, tentando sair em contra-ataques. A marcação era muito frouxa, com muitos espaços para circulação livre do sistema ofensivo vascaíno.  Após a parada técnica e até os 30’, o Flu começou a sair um pouco, com muita lentidão e apoio dos laterais, um pouco com as ultrapassagens de Wellington Silva (muito mal no jogo) e Giovanni (também muito mal na partida). O Flu errava muitos passes na saída de bola e era muito desorganizado na fase defensiva. A transição ofensiva era lenta. O Vasco acertou 216 passes, enquanto o Flu só 197, com 43 erros. Os cruzmaltinos erraram 25.

O domínio da posse de bola também pode se explicar por números alem da porcentagem. Com Julio mais recuado e participando ativamente das ações centrais do jogo vascaíno, o Vasco ganhava o meio com uma superioridade de 4 (Julio, Serginho, Guinazu e Marcinho) x 3 (Edson, Jean e Vinicius). Os pontas tricolores tiveram pouca percepção de quando centralizar para ajudar a preencher o meio campo. Na esquerda, Giovani-Vinicius-Marlone no primeiro tempo ficaram perdidos defensivamente, já que a movimentação Julio abrindo espaço-Madson aprofundando como ponta foi difícil de ser entendida.

Flagrante de 3 x 2 na zona de criação do meio campo

Nos minutos finais da etapa inicial, o duelo ficou quente. Muitas faltas duras e entradas ríspidas. O juiz Luiz Antonio dos Santos ficou confuso e perdeu o controle da partida. O primeiro tempo acabou com um Fluminense sem profundidade nenhuma nas ações ofensivas e muito acuado pela equipe do Vasco. O pouco apoio dos laterais Wellington Silva e Giovani e o sumiço dos pontas Marlone e Lucas Gomes ajudou e muito para que o Vasco conseguisse ficar bem equilibrado defensivamente, nas suas já tão vistas duas linhas de quatro. Até por isso, Cristóvão logo tirou o segundo no intervalo para a entrada do garoto Gerson.


Linhas de quatro bem definidas, com Julio pela direita e Rafael pela esquerda

Já no segundo tempo, a equipe vascaína voltou ainda mais pilhada. Marcando mais forte a frente, buscava sufocar o tricolor ainda mais fundo no seu campo, o que era de certa forma bom e ajudou ainda mais no domínio com muitas roubadas de bola, mas gerava espaços. Wellington Silva até conseguiu encontrar alguma coisa no inicinho, mas foi pouquíssimo efetivo quando encontrou espaço. O Flu, que tinha como arma o apoio dos laterais, em péssima noite, não acertou nenhum cruzamento. A entrada de Kenedy no lugar de Marlone foi para tentar explorar as costas de Madson no apoio agudo por ali, porém elas estavam muito bem ocupadas por Serginho e Luan.

Heatmap de Madson mostrando a incisividade de seu apoio no lado direito. Durante a semana foi testado como ponta, enquanto Serginho se deslocava para a lateral direita e Julio virava o volante por ali. Estaria Doriva já pensando nesse movimento?

Heatmap de Luan (a esquerda) e Serginho (a direita), mostram como as costas do lateral/ponta direito Madson foram bem ocupadas

O jogo começou a ficar mais pegado do que já estava. O Fluminense apostava em lançamentos, mas teve pouco índice de acerto (16 certos para 22 erros, 42% de aproveitamento) As duas bolas na trave, vindas de bola parada, eram reflexo do numero volumoso de faltas do tricolor e consequência do bom trabalho ofensivo vascaíno. A mesma pegada possuía o Vasco, que correu risco de perder Guinazu expulso. Numa dividida com Wellington Silva, o lateral se deu mal e teve que sair para a entrada de Rafinha. Jean foi deslocado para ao seu posto

Vendo isso, Doriva logo colocou o veloz e arisco Yago no lugar de Rafael Silva para incomodar ainda mais o improvisado volante tricolor por ali. E deu certo. O jogo do Vasco passou a ser pelo lado esquerdo no final do jogo. Para reforçar ainda mais o jogo por ali, colocou John Cley no lugar de Marcinho, e instigou passes nas costas de Jean. Foi inclusive numa bola dessas que saiu a sequencia de escanteios que originou o penalti, que Luan converteu e deu a vitória pro cruzmaltino.

Insistencia em aprofundar em Yago na esquerda deu jogo!

Após o gol, Vasco baixou as linhas e buscou os contragolpes com o trio da base. Flu tentou empatar no abafa, mas não surtiu efeito. Com apenas duas finalizações no gol, o Flu não incomodou o Vasco no primeiro clássico do ano. Ficou barato. O Vasco finalizou 5 vezes certas e aproveitou bem os espaços deixados pela equipe tricolor. Méritos do planejamento de Doriva, que ganhou em Julio dos Santos talvez, a peça que faltava para encaixar o meio até então pouco produtivo.

Fontes dos heatmaps e dos dados estatisticos: Footstats

Por Gabriel Daiha e Daniel Barud