quarta-feira, 25 de junho de 2014

Resenha Tática na Copa #3 - Sabella e o dilema do gênio

Possuir um grande craque no time, uma referência técnica indiscutível, cria um velho dilema enfrentado pelos treinadores: é melhor o craque ser tratado com igualdade dentro de campo ou o time jogar para o craque? Parece um questionamento óbvio, mas não é. Aliás, muitas vezes, a resposta desse questionamento acaba definindo desenhos táticos e estratégias. Em 1986, Carlos Salvador Bilardo teve dificuldades para fazer Maradona aflorar seu melhor futebol. Acabou preferindo que seu time jogasse para o craque e Maradona decidiu a Copa com gols e passes geniais.

Na primeira fase da Copa de 86, o treinador argentino, dentro de seu estilo cauteloso, e de acordo com Jonathan Wilson, tentou o 4-4-2 difundido na América do Sul e usado pelas seleções favoritas ao título, como Brasil, França e Inglaterra. Assim, postou a seleção de seu país num ortodoxo 4-2-2-2 com Diego Maradona de meia esquerda, Burruchaga de meia direita e dois atacantes. Cabe ressaltar que sem a bola Burruchaga praticamente se tornava um terceiro volante para auxiliar na marcação. Estes foram os jogos e resultados da Argentina na fase inicial da Copa: 3x1 contra a Coréia do Sul, 1x1 contra a Itália e 2x0 contra a Bulgária.
André Rocha explicou com propriedade a mudança feita por Bilardo para a segunda fase da Copa de 86 (“O dia em que o mundo se rendeu a Maradona”, link abaixo): “O técnico Bilardo começou a Copa apostando em uma alternância do 4-2-2-2 com o 3-3-2-2, com Cuciuffo ora como lateral-direito mais defensivo, ora como zagueiro. Maradona iniciou no meio-campo armando a equipe. Como “Dieguito” vinha desequilibrando, o volante Enrique havia entrado bem contra Itália e Bulgária e os atacantes Borghi (que teria passagem pífia pelo Flamengo em 89) e Pasculli não convenceram fazendo dupla com Valdano, o treinador resolveu dar mais solidez à marcação e liberar de vez seu camisa 10 e capitão”.


Com a extinção dos pontas na transição do 4-3-3 para o 4-4-2 que iniciou-se no final da década de 70, não existia mais necessidade de manter os laterais presos à linha defensiva. Teoricamente, não havia quem ser marcado no setor. A partir daí, Bilardo desenvolveu um novo sistema tático, que revolucionou o futebol mundial no final da década de 80 e no início dos anos 90. E a motivação do sistema, além do que foi descrito no início do parágrafo, era uma obsessão quase torturante de otimizar o talento genial de Diego Maradona que Bilardo tinha.

Como bem explicado por Júnior Marques (link abaixo), “o “Bilardismo” consistia em organizar a equipe do meio para trás, atentando-se no sistema defensivo e na marcação “homem a homem”. As equipes de Bilardo eram conhecidas por jogarem no erro adversário, muitas vezes arriscando-se na postura acuada e contra golpista”. Mas, por ter Maradona, Bilardo mudou seus conceitos e sua equipe, deixando Dieguito e Valdano livres para comandar em velocidade a transição ofensiva ao retomar a pelota.

No dilema do gênio, Carlos Bilardo resolveu montar o time para o craque. Como bem descrito por Cecconi (link abaixo), “no 3-5-2 da Argentina, Bilardo se dava ao luxo de manter sete jogadores defendendo, pela presença de Maradona. Em grande fase, o camisa 10 foi utilizado como um segundo atacante livre para se movimentar, ocupar espaços, driblar e levar o time para a frente”. Podemos dizer que nas eliminatórias e no início da Copa, Bilardo tentou tratar Maradona como mais um, mas foi inevitável montar a equipe em sua volta.

Mas, e Sabella? Como sabido, Bilardo foi quem indicou o treinador para a AFA. “El Narigón” (apelido de Bilardo) teve participação incisiva na contratação do atual comandante da Albiceleste. E parece que o novo técnico da seleção nacional, outro estrategista, aprendeu bem a lição tática com o professor Bilardo. Após a Argentina demonstrar fragilidade absurda na defesa nas passagens de Maradona e Batista, além da dificuldade de melhorar o desempenho de Messi, Sabella tratou de pensar numa saída tática.


Não enxergando consistência, se valendo do 4-2-3-1, Sabella passou a utilizar, nos jogos mais difíceis, um 4-4-1-1 consistente defensivamente e que privilegiava o talento descomunal de Messi. Tudo indicava, até pelas boas atuações do craque com o time no referido esquema, que o 4-4-1-1 seria o desenho tático do mundial. Entretanto, as boas atuações de Di Maria como terceiro homem de meio pela esquerda no Real Madrid e a queda técnica de Messi após a última contusão séria foram remodelando a equipe em um híbrido 4-3-1-2/4-3-3, como bem classifica André Rocha. 

Equipe que Sabella escalava com freqüência a Argentina em 2012 até meados de 2013, com Sosa compondo a linha de meio pela esquerda, Di María pela direita, Gago e Mascherano como volantes e Messi solto para circular, tendo Higuaín como referência à sua frente. 
Estreia contra a Bósnia na Copa 2014: excesso de zelo com três zagueiros mais Mascherano, formando um losango defensivo. À frente da defesa, uma linha de quatro, meio de campo vazio e a tentativa frustrada de ativar Messi que, na falta de volume de jogo ofensivo, passou despercebido. A atuação do time foi frustrante na etapa inicial com os três zagueiros.
Na segunda etapa, Sabella reorganizou a equipe no 4-3-1-2/4-3-3, colocando Gago e Higuaín nas vagas de Campagnaro e Rodríguez. O time continuou espaçado e sem compactação, sobrecarregando Di María e fazendo a bola chegar pouco ao pé de Messi. Mas, com a genialidade de sempre, “a pulga”, com posicionamento mais adiantado e a referência de Higuaín para reter a bola, conseguiu crescer no jogo e marcar um golaço. O tento, aliás, saiu de uma parede feita pelo centroavante e aproveitada por Messi, que bateu para o gol com maestria. A Argentina venceu por 2x1 sem apresentar um grande futebol.
Mapa de movimentação de Messi na primeira partida contra a Bósnia (fonte: Olho Tático, ESPN, link abaixo): distante do gol e abaixo da expectativa jogando a primeira etapa como atacante.

Segundo jogo contra o Irã: diante da compactação do 4-1-4-1 iraniano, Sabella iniciou a partida já no 4-3-1-2/4-3-3, com Messi atuando ora como enganche ora como falso nove. Mas, enlatado na marcação, recuou demais para buscar e jogo e caiu em demasia pela direita, visto que Di María dava profundidade no flanco oposto.
Na segunda metade da etapa complementar, o Irã avançou suas linhas e Sabella colocou Lavezzi e Palacio nas vagas de Agüero e Higuaín para alargar a marcação. Bastaram apenas alguns minutos de liberdade para Messi, com nove homens atrás da linha bola, limpar e dar chute letal da entrada da área que acabou decidindo a partida. O adiantamento do seu posicionamento também foi fundamental para o êxito.

Mapa de movimentação de Messi na segunda partida contra o Irã (fonte: Olho Tático, ESPN, link abaixo): na primeira etapa, Messi saiu demais para buscar jogo entre os volantes e caiu pela direita para tentar equilibrar as ações ofensivas, visto que Di María buscava romper por espaço do outro lado.
O time argentino se mostra frágil e com pouca capacidade de fazer volume de jogo ofensivo. Com laterais limitados, volantes mais afeitos à marcação e homens de frente que gostam de jogar na área como Agüero e Higuaín, a seleção argentina vem pecando pela falta de opções e de profundidade. Quando Messi e Di María ficam sem espaço, o jogo argentino trava e a equipe passa a depender de lançamentos imprecisos. Parece que a opção de montar a equipe em torno da genialidade não é uma faculdade, mas talvez a única saída de Sabella para colocar seu time entre os melhores.

Abaixo, uma sugestão da A Prancheta Tática para o comandante argentino: a volta do 4-4-1-1 com Di María a Lavezzi abertos pelas beiradas e Messi solto para circular mais e receber a bola mais perto do gol. Além de aproximar o craque de todos os setores e equilibrar as ações ofensivas, as linhas de quatro agrupadas podem dar mais segurança ao miolo defensivo que costuma oferecer muito espaço. Abraço!




Por Victor Oliveira (@vlamhaoliveira)