Na última segunda-feira o Manchester United foi campeão da
Guinness Cup, torneio preparatório para temporada europeia, com vitória sobre o
grande rival Liverpool. Quem conhece o futebol inglês sabe que não se pode
chamar uma partida entre United e Liverpool de “amistosa”, pelo menos sem usar
as aspas, e o clássico de segunda já deu a medida de que teremos uma grande
Premier League em 2014-15.
Os dois times vermelhos foram a campo com escalações bem parecidas com as que devem ser utilizadas no início da campanha da liga inglesa, que já bate na porta. Brendan Rodgers precisa fazer com que seu time melhore ainda mais o padrão de jogo que apresentou no último ano, já que sem Luís Suárez e nenhum substituto à altura anunciado até então, a organização do time vai ser o principal diferencial para que mais uma boa campanha seja feita.
Em campo, o primeiro tempo foi dominado pelo Liverpool, que
encaixou uma estratégia interessante de compactação na marcação e saída em
velocidade, expressões da moda que conceituam o futebol moderno, tão raro no
Brasil. Rodgers escalou o time no mesmo 4-1-4-1 sem a bola da última temporada,
com Gerrard organizando o time a partir de trás e Phillippe Coutinho e Sterling
dando a velocidade e profundidade que o time precisa para agredir o adversário.
Os dois jovens jogadores combinam características diferentes que se completam e
caem como uma luva no esquema de Rodgers. Ambos não se incomodam em trabalhar
para o time sem a bola, fechando os lados na recomposição defensiva. Com a
bola, entretanto, Coutinho centraliza e vira o meia do último passe, tendo o
drible e a velocidade como armas para abrir a defesa adversária. Já Sterling é
um atacante nato, que se aproximava mais de Rickie Lambert e maximizava as
opções nas jogadas de ataque dos Reds, além de apostar muito na jogada
individual quando tem a posse de bola um pouco mais atrás. Os dois foram os
melhores nomes do Liverpool na partida, principalmente no primeiro tempo. Devem
crescer com a ausência de Suárez e se tornarem protagonistas.
Manchester United no já usual 3-4-1-2. Diferente da partida contra o Real Madrid, Mata não voltava para fazer a marcação junto dos volantes. No clássico, a única variação foi para um 5-2-3, nos momentos de pressing na saída de bola adversária. Liverpool postado em
um 4-1-4-1 na recomposição defensiva. Com a posse de bola, Coutinho
centralizava e o time passava para um 3-4-1-2, com Gerrard fazendo a distribuição
do jogo entre os zagueiros e os laterais subindo para a segunda linha.
O Manchester United de van Gaal, sensação da pré-temporada
europeia, encontrou pela primeira vez um adversário à altura nos EUA. Não desqualificando
os oponentes anteriores, mas o Liverpool foi o único que entrou em campo contra
o United com um time mais próximo do ideal, sem remendos e num sistema de jogo
definido, além de ter a maioria dos principais jogadores à disposição. Do meio
pra frente, por exemplo, devem entrar apenas Lallana e Sturrigde nos lugares de
Allen e Lambert, sem alteração tática. Neste sentido, pode-se dizer que os Red
Devils foram testados pra valer, sobretudo na sua principal deficiência: os
zagueiros. A opção de van Gaal de usar os três zagueiros no United, mais do que
por ter alcançado sucesso com a Holanda na Copa do Mundo, é para proteger um
sistema defensivo deficiente justamente pela falta de técnica e velocidade dos
seus defensores. O pressing que o time de Rodgers fez na saída de bola de
Jones, Smalling e Evans foi primordial para que o Liverpool saísse com o
resultado positivo ao fim do primeiro tempo.
Liverpool bem postado com duas linhas de quatro compactas e Gerrard entre elas. Posicionamento que
dificultou muito os ataques do United no primeiro tempo, como nesta situação em
que Sterling recupera a posse de bola para os Reds após Fletcher, com poucas
opções, errar passe no meio-campo.
Marcação pressão dos
dois homens do lado direito do meio-campo do Liverpool, Coutinho e Henderson,
acompanhados do centroavante Lambert, provocando a limitação do espaço para a
defesa do United fazer a saída de bola. Apertado por Lambert, De Gea se viu obrigado a tocar a bola para Evans que, encurralado, cedeu lateral
de graça para os Reds. Poucos segundos após a cobrança do manual e algumas
trocas de passes, Sterling receberia de Glen Johnson em profundidade e sofreria
pênalti convertido por Gerrard.
Como Ander Herrera e Fletcher, destaques do United no
torneio, não faziam boa partida, a dificuldade em trocar passes e abrir espaços
dos Red Devils persistiu durante todo o primeiro tempo. No intervalo, van Gaal sacou
Evans e Fletcher por Blackett (jovem zagueiro/lateral-esquerdo com boa saída de
bola) e Cleverley. O volante inglês, que nunca foi um primor técnico, tem se
mostrado diferente nesta pré-temporada, arriscando mais e participando bem dos
jogos, certamente por influência do novo comandante. A princípio as mudanças
não surtiram muito efeito, com o Liverpool continuando a marcar em bloco alto e
criando várias chances a partir de roubadas de bola durante os primeiros
minutos da segunda parte. Atento, van Gaal sentiu que precisava fazer algo mais
e respondeu Rodgers na mesma moeda, passando a marcar forte a saída de bola do
Liverpool. Resultado instantâneo. Os dois primeiros gols do United tiveram a
marca de van Gaal. O de empate surgiu após saída errada de Mignolet, que se viu
obrigado a dar um chutão pro meio-campo devido à marcação alta dos atacantes
rivais. A bola até chegou aos pés de Allen, mas o galês, pressionado por
Cleverley, não conseguiu o domínio e, na sequência da recuperação de bola,
Chicharito encontrou Rooney na área para empatar. No gol da virada, o United
utilizou algo que tem sido recorrente nesta pré-temporada: a inversão de jogo como
alternativa para abrir espaço na defesa adversária. Após recuperar a posse de
bola depois de outra saída pressionada de Mignolet, os Red Devils trocaram
passes de um lado pro outro durante quase um minuto, até que Cleverley observou
bem a lenta recomposição de Coutinho e encontrou Luke Shaw na ponta esquerda. O
ex-Southampton rapidamente viu Mata na entrada da área, posicionado como
centroavante para finalizar e alcançar o 2x1.
Mesmo compacta, defesa
do Liverpool foi surpreendida pela inversão de Cleverley e pela infiltração de
Mata na área junto dos atacantes. Recomposição do Liverpool sentiu falta de Coutinho,
desatento à fuga de Shaw. Evidência de que, diante de um adversário alerta às
oportunidades, a distração de um homem pode comprometer todo um sistema defensivo.
Após a virada do Manchester United, o jogo foi morno até o final,
com um Liverpool não muito disposto a buscar o resultado, sobretudo após as
inúmeras substituições que desestruturaram o time. Os Red Devils, satisfeitos com
o resultado, cadenciaram o jogo e chegaram ao terceiro gol perto do fim, com o
bom e versátil Lingard. Van Gaal modificou o time, assim como Rodgers, a
diferença é que a estrutura tática permaneceu a mesma até o fim, mantendo,
portanto, o controle do jogo com o time de Manchester.
A pré-temporada está chegando ao fim e tanto Liverpool como
Manchester United podem se dar por satisfeitos com o que foi apresentado na
preparação até aqui. Ambos, que ainda devem se reforçar, chegam como postulantes
ao titulo da Premier League que, assim como na última temporada, deve ser
disputadíssima, com cinco times favoritos e Tottenham e Everton prometendo
surpreender. O Manchester United, que vem de temporada pífia, parece estar se
reestruturando nas mãos de van Gaal, com um sistema tático consistente e com os
principais jogadores em boas fases, além de poder usar a não participação em
competições europeias como trunfo para se concentrar na liga nacional. Deve
estar atento, no entanto, aos problemas da defesa, graças à lentidão e falta de
técnica já mencionadas dos defensores para a saída de bola. Durante essa
semana, o time de Old Trafford deve negociar alguns jogadores e contratar
outros. É fundamental que chegue mais um ou dois zagueiros para serem
titulares. Quanto ao Liverpool, o trabalho magnífico que Brendan Rodgers
realizou na última temporada tende a evoluir nesta, também com um sistema
tático eficiente. Phillippe Coutinho não costuma comprometer na recomposição
defensiva, como aconteceu no gol de Mata. Desta forma, isto não deve ser preocupação
para a temporada. A situação só não pode passar em branco, para que não volte a
acontecer. Os Reds também devem se reforçar ainda mais e, agora, com um elenco
mais maduro e com opções, promete uma temporada mais consistente, na volta à
Champions League.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)