quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Imagina na Premier League...


Na última segunda-feira o Manchester United foi campeão da Guinness Cup, torneio preparatório para temporada europeia, com vitória sobre o grande rival Liverpool. Quem conhece o futebol inglês sabe que não se pode chamar uma partida entre United e Liverpool de “amistosa”, pelo menos sem usar as aspas, e o clássico de segunda já deu a medida de que teremos uma grande Premier League em 2014-15.

Os dois times vermelhos foram a campo com escalações bem parecidas com as que devem ser utilizadas no início da campanha da liga inglesa, que já bate na porta. Brendan Rodgers precisa fazer com que seu time melhore ainda mais o padrão de jogo que apresentou no último ano, já que sem Luís Suárez e nenhum substituto à altura anunciado até então, a organização do time vai ser o principal diferencial para que mais uma boa campanha seja feita.

Em campo, o primeiro tempo foi dominado pelo Liverpool, que encaixou uma estratégia interessante de compactação na marcação e saída em velocidade, expressões da moda que conceituam o futebol moderno, tão raro no Brasil. Rodgers escalou o time no mesmo 4-1-4-1 sem a bola da última temporada, com Gerrard organizando o time a partir de trás e Phillippe Coutinho e Sterling dando a velocidade e profundidade que o time precisa para agredir o adversário. Os dois jovens jogadores combinam características diferentes que se completam e caem como uma luva no esquema de Rodgers. Ambos não se incomodam em trabalhar para o time sem a bola, fechando os lados na recomposição defensiva. Com a bola, entretanto, Coutinho centraliza e vira o meia do último passe, tendo o drible e a velocidade como armas para abrir a defesa adversária. Já Sterling é um atacante nato, que se aproximava mais de Rickie Lambert e maximizava as opções nas jogadas de ataque dos Reds, além de apostar muito na jogada individual quando tem a posse de bola um pouco mais atrás. Os dois foram os melhores nomes do Liverpool na partida, principalmente no primeiro tempo. Devem crescer com a ausência de Suárez e se tornarem protagonistas.

Manchester United no já usual 3-4-1-2. Diferente da partida contra o Real Madrid, Mata não voltava para fazer a marcação junto dos volantes. No clássico, a única variação foi para um 5-2-3, nos momentos de pressing na saída de bola adversária. Liverpool postado em um 4-1-4-1 na recomposição defensiva. Com a posse de bola, Coutinho centralizava e o time passava para um 3-4-1-2, com Gerrard fazendo a distribuição do jogo entre os zagueiros e os laterais subindo para a segunda linha.

O Manchester United de van Gaal, sensação da pré-temporada europeia, encontrou pela primeira vez um adversário à altura nos EUA. Não desqualificando os oponentes anteriores, mas o Liverpool foi o único que entrou em campo contra o United com um time mais próximo do ideal, sem remendos e num sistema de jogo definido, além de ter a maioria dos principais jogadores à disposição. Do meio pra frente, por exemplo, devem entrar apenas Lallana e Sturrigde nos lugares de Allen e Lambert, sem alteração tática. Neste sentido, pode-se dizer que os Red Devils foram testados pra valer, sobretudo na sua principal deficiência: os zagueiros. A opção de van Gaal de usar os três zagueiros no United, mais do que por ter alcançado sucesso com a Holanda na Copa do Mundo, é para proteger um sistema defensivo deficiente justamente pela falta de técnica e velocidade dos seus defensores. O pressing que o time de Rodgers fez na saída de bola de Jones, Smalling e Evans foi primordial para que o Liverpool saísse com o resultado positivo ao fim do primeiro tempo.

Liverpool bem postado com duas linhas de quatro compactas e Gerrard entre elas. Posicionamento que dificultou muito os ataques do United no primeiro tempo, como nesta situação em que Sterling recupera a posse de bola para os Reds após Fletcher, com poucas opções, errar passe no meio-campo.

Marcação pressão dos dois homens do lado direito do meio-campo do Liverpool, Coutinho e Henderson, acompanhados do centroavante Lambert, provocando a limitação do espaço para a defesa do United fazer a saída de bola. Apertado por Lambert, De Gea se viu obrigado a tocar a bola para Evans que, encurralado, cedeu lateral de graça para os Reds. Poucos segundos após a cobrança do manual e algumas trocas de passes, Sterling receberia de Glen Johnson em profundidade e sofreria pênalti convertido por Gerrard.

Como Ander Herrera e Fletcher, destaques do United no torneio, não faziam boa partida, a dificuldade em trocar passes e abrir espaços dos Red Devils persistiu durante todo o primeiro tempo. No intervalo, van Gaal sacou Evans e Fletcher por Blackett (jovem zagueiro/lateral-esquerdo com boa saída de bola) e Cleverley. O volante inglês, que nunca foi um primor técnico, tem se mostrado diferente nesta pré-temporada, arriscando mais e participando bem dos jogos, certamente por influência do novo comandante. A princípio as mudanças não surtiram muito efeito, com o Liverpool continuando a marcar em bloco alto e criando várias chances a partir de roubadas de bola durante os primeiros minutos da segunda parte. Atento, van Gaal sentiu que precisava fazer algo mais e respondeu Rodgers na mesma moeda, passando a marcar forte a saída de bola do Liverpool. Resultado instantâneo. Os dois primeiros gols do United tiveram a marca de van Gaal. O de empate surgiu após saída errada de Mignolet, que se viu obrigado a dar um chutão pro meio-campo devido à marcação alta dos atacantes rivais. A bola até chegou aos pés de Allen, mas o galês, pressionado por Cleverley, não conseguiu o domínio e, na sequência da recuperação de bola, Chicharito encontrou Rooney na área para empatar. No gol da virada, o United utilizou algo que tem sido recorrente nesta pré-temporada: a inversão de jogo como alternativa para abrir espaço na defesa adversária. Após recuperar a posse de bola depois de outra saída pressionada de Mignolet, os Red Devils trocaram passes de um lado pro outro durante quase um minuto, até que Cleverley observou bem a lenta recomposição de Coutinho e encontrou Luke Shaw na ponta esquerda. O ex-Southampton rapidamente viu Mata na entrada da área, posicionado como centroavante para finalizar e alcançar o 2x1.

Mesmo compacta, defesa do Liverpool foi surpreendida pela inversão de Cleverley e pela infiltração de Mata na área junto dos atacantes. Recomposição do Liverpool sentiu falta de Coutinho, desatento à fuga de Shaw. Evidência de que, diante de um adversário alerta às oportunidades, a distração de um homem pode comprometer todo um sistema defensivo.

Após a virada do Manchester United, o jogo foi morno até o final, com um Liverpool não muito disposto a buscar o resultado, sobretudo após as inúmeras substituições que desestruturaram o time. Os Red Devils, satisfeitos com o resultado, cadenciaram o jogo e chegaram ao terceiro gol perto do fim, com o bom e versátil Lingard. Van Gaal modificou o time, assim como Rodgers, a diferença é que a estrutura tática permaneceu a mesma até o fim, mantendo, portanto, o controle do jogo com o time de Manchester.


A pré-temporada está chegando ao fim e tanto Liverpool como Manchester United podem se dar por satisfeitos com o que foi apresentado na preparação até aqui. Ambos, que ainda devem se reforçar, chegam como postulantes ao titulo da Premier League que, assim como na última temporada, deve ser disputadíssima, com cinco times favoritos e Tottenham e Everton prometendo surpreender. O Manchester United, que vem de temporada pífia, parece estar se reestruturando nas mãos de van Gaal, com um sistema tático consistente e com os principais jogadores em boas fases, além de poder usar a não participação em competições europeias como trunfo para se concentrar na liga nacional. Deve estar atento, no entanto, aos problemas da defesa, graças à lentidão e falta de técnica já mencionadas dos defensores para a saída de bola. Durante essa semana, o time de Old Trafford deve negociar alguns jogadores e contratar outros. É fundamental que chegue mais um ou dois zagueiros para serem titulares. Quanto ao Liverpool, o trabalho magnífico que Brendan Rodgers realizou na última temporada tende a evoluir nesta, também com um sistema tático eficiente. Phillippe Coutinho não costuma comprometer na recomposição defensiva, como aconteceu no gol de Mata. Desta forma, isto não deve ser preocupação para a temporada. A situação só não pode passar em branco, para que não volte a acontecer. Os Reds também devem se reforçar ainda mais e, agora, com um elenco mais maduro e com opções, promete uma temporada mais consistente, na volta à Champions League.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)