domingo, 31 de agosto de 2014

Início ruim do United alerta para problemas não vistos na pré-temporada

O Manchester United chamou muita atenção durante a pré-temporada e continua nessa toada desde que a Premier League iniciou, só que não mais pelo lado positivo. O time de Louis van Gaal apresentou-se muito bem no tour pelos Estados Unidos e empolgou o torcedor e os amantes do bom futebol, mas já não consegue repetir as mesmas atuações, apesar de mantida a estrutura tática e melhorado o material humano.

A grande sacada do treinador holandês na preparação foi conseguir adaptar em Old Trafford o mesmo esquema tático que utilizou com a Holanda durante a Copa do Mundo, mas com alterações importantes no estilo de jogo. O 3-4-1-2 de uma Holanda que jogava retraída, abusando da ligação direta e aproveitando-se o máximo possível da individualidade de seus homens de frente não era visto no United, que alternava entre marcação pressão e compactação defensiva e chamava atenção pelas trocas de passe e agressividade no ataque, proporcionadas por um meio-campo extremamente técnico somado a alas incisivos e a Mata e Rooney com muita liberdade de movimentação.

A participação na Copa do Mundo atrasou a apresentação de LVG no United e sua opção por observar o elenco antes de contratar e decidir quais seriam os atletas dispensáveis acabou por contribuir para este atraso que hoje faz os Red Devils contratarem sem um critério muito claro e encontrarem extremas dificuldades em negociar as peças descartáveis.

A principal aquisição foi Ángel Di María, e sua esperada estreia já aconteceu e chamou a atenção em vários aspectos até mais importantes do que a performance individual. A grande indagação desde que a contratação foi anunciada dava conta do encaixe do argentino no sistema peculiar de van Gaal. A versatilidade do jogador e a tendência que LVG tem apresentado de adaptar atletas a diferentes funções abriam o questionamento se o argentino entraria como ala, meio-campista ou se o sistema de jogo seria alterado para seu encaixe. Quem assinalou a última opção, acertou, pelo menos em princípio.

Embora a mudança tática aparentemente seja pequena, ela influenciou e muito para que o United mantivesse a desconfortável sequência ruim após o confronto com o Burnley. As lesões de Carrick e Ander Herrera e a falta de confiança que van Gaal aparenta ter em Cleverley, Anderson e Fellaini fizeram com que o holandês encaixasse Di María no lugar de um dos volantes e alterasse o 3-4-1-2 para um 3-5-2, com uma trinca de meio-campo formada por Fletcher no centro e Juan Mata e Di María saindo pelos lados, em detrimento à dupla de volantes e ao meia-atacante que encostava nos homens de frente.

Mudança de van Gaal para encaixar Di María não pareceu uma alternativa interessante a princípio. Pelo menos não com Mata na trinca de meio-campo

A posição não é estranha para o argentino, que atuou muitas vezes no mais alto nível com papel semelhante durante a última campanha pelo Real Madrid. O problema é que, na Espanha, o outro lado do meio-campo era formado por Modric, Illarramendi ou Khedira, com muito mais noção de recomposição defensiva do que Mata, que se sentiu muito desconfortável na nova função. Além disso, o time de Carlo Ancelotti atuava com uma linha de quatro atrás e com Gareth Bale voltando pelo lado direito para fechar outra linha de quatro no meio.

No sistema que van Gaal utilizou para o jogo contra o Burnley, a volta dos alas para compor a última linha com os zagueiros e a lenta transição defensiva de Mata e Di María faziam com que Fletcher ficasse frequentemente sobrecarregado no meio-campo e propiciava muito mais possibilidades de infiltração para o ataque adversário que, além de ser veloz e objetivo, geralmente encontrava apenas uma linha para furar.

Imagens da mesma jogada. Na primeira, linha de defesa completa e Fletcher isolado na proteção. Na segunda, Di María e Mata finalmente aparecem para a recomposição, já com o Burnley dentro da área com a bola

Mapas de movimentação de Mata e Di María. Ambos executaram a mesma função em lados opostos enquanto estiveram juntos em campo (Reprodução/MatchZone Daily Mail)

O primeiro tempo foi muito difícil para os visitantes no Turf Moor. Além da dificuldade de ganhar o meio-campo pelos motivos já citados, a defesa continuava a apresentar a já conhecida dificuldade em sair jogando com a bola contra adversários que executam marcação pressão, como foi o caso do Burnley de Sean Dyche na primeira parte. A falta de aproximação dos jogadores de meio-campo também contribuiu para isso e o Manchester United, que tinha paciência para escolher as melhores jogadas, agora se parece cada vez mais com a Holanda da Copa e abusa das ligações diretas e dos cruzamentos na área. A Laranja tinha a desculpa da falta de qualidade de organização de seus meio-campistas mais recuados e da pouca agressividade de seus alas, mas essa justificativa não se aplica aos Red Devils. Dos 554 passes que o Manchester United tentou no jogo, 18,8% foram lançamentos longos. São mais de 100 passes longos durante os 90 minutos, em grande parte chutões a partir da defesa. Quanto a cruzamentos, o time vermelho jogou 30 bolas na área, acertando apenas 3. Valencia, por exemplo, cruzou 12 bolas e não acertou nenhuma.

Com o cansaço muscular de Di María, que teve lesão durante a Copa e atuou pouco enquanto ainda estava no Real Madrid, van Gaal tentou corrigir o problema do meio-campo, ao colocar Anderson na vaga do argentino para fazer companhia a Fletcher e liberar Mata para atuar mais próximo dos atacantes. A modificação deu um pouco mais de dinâmica ao jogo do United, que passou a criar mais perigo ao Burnley que, satisfeito com o empate, comportava-se de forma mais pragmática, sem a pressão na saída de bola, e com duas linhas de quatro bastante compactas e rígidas. Perto do fim, Dyche ainda sacou o bom atacante Ings e colocou Steven Reid para atuar entre as duas linhas e proteger melhor seu sistema defensivo. Apesar de estar mais bem postado em campo, a pressão nas costas dos atletas do United era evidenciada nos momentos mais importantes, como o último passe, o cruzamento e a finalização.

Volta ao 3-4-1-2 melhorou um pouco o United, mas nada que empolgasse

Louis van Gaal já está pressionado em seu novo trabalho e parece bastante convencido a não mudar o esquema tático. Muitas teorias começam a ser formadas quanto ao encaixe das recentes contratações de atletas de bom nível e versatilidade. Aparentemente, Marcos Rojo chega para atuar prioritariamente como zagueiro e Daley Blind como volante, mas é difícil apontar com maior certeza, especialmente em se tratando de van Gaal. Algum reforço para a defesa deve chegar até segunda-feira, mas no deadline day não se pode esperar algo muito espetacular, sobretudo entre as poucas opções deste fim de mercado. A grande questão é que, se o treinador holandês realmente insistir com os três zagueiros, jogadores continuarão a atuar fora de suas posições de origem. É conservadorismo e má vontade demais condenar esta prática, que já se mostrou satisfatória com o próprio LVG na Copa do Mundo, mas o alerta já está ligado em Old Trafford e o péssimo início de van Gaal em competições oficiais não dá muita margem para experiências. O time ainda não venceu em três rodadas de Premier League e já está eliminado da Copa da Liga, portanto, uma das poucas possibilidades de título para os Red Devils nesta temporada já está descartada e, apesar de nós, apaixonados por futebol e tática, adorarmos novidades, a torcida Red Devil, acostumada a vencer, não parece estar no clima para ver seu time servir de cobaia para as experiências do professor van Gaal.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)