O Manchester United chamou muita atenção durante a
pré-temporada e continua nessa toada desde que a Premier League iniciou, só que
não mais pelo lado positivo. O time de Louis van Gaal apresentou-se muito bem no tour pelos Estados Unidos e empolgou o torcedor e os amantes do bom futebol,
mas já não consegue repetir as mesmas atuações, apesar de mantida a estrutura
tática e melhorado o material humano.
A grande sacada do treinador holandês na preparação
foi conseguir adaptar em Old Trafford o mesmo esquema tático que utilizou com a
Holanda durante a Copa do Mundo, mas com alterações importantes no estilo de
jogo. O 3-4-1-2 de uma Holanda que jogava retraída, abusando da ligação direta
e aproveitando-se o máximo possível da individualidade de seus homens de frente
não era visto no United, que alternava entre marcação pressão e compactação
defensiva e chamava atenção pelas trocas de passe e agressividade no ataque,
proporcionadas por um meio-campo extremamente técnico somado a alas incisivos e
a Mata e Rooney com muita liberdade de movimentação.
A participação na Copa do Mundo atrasou a
apresentação de LVG no United e sua opção por observar o elenco antes de
contratar e decidir quais seriam os atletas dispensáveis acabou por contribuir
para este atraso que hoje faz os Red
Devils contratarem sem um critério muito claro e encontrarem extremas
dificuldades em negociar as peças descartáveis.
A principal aquisição foi Ángel Di María, e sua esperada
estreia já aconteceu e chamou a atenção em vários aspectos até mais importantes
do que a performance individual. A grande indagação desde que a contratação foi
anunciada dava conta do encaixe do argentino no sistema peculiar de van Gaal. A
versatilidade do jogador e a tendência que LVG tem apresentado de adaptar
atletas a diferentes funções abriam o questionamento se o argentino entraria como
ala, meio-campista ou se o sistema de jogo seria alterado para seu encaixe. Quem
assinalou a última opção, acertou, pelo menos em princípio.
Embora a mudança tática aparentemente seja pequena,
ela influenciou e muito para que o United mantivesse a desconfortável sequência
ruim após o confronto com o Burnley. As lesões de Carrick e Ander Herrera e a
falta de confiança que van Gaal aparenta ter em Cleverley, Anderson e Fellaini
fizeram com que o holandês encaixasse Di María no lugar de um dos volantes e
alterasse o 3-4-1-2 para um 3-5-2, com uma trinca de meio-campo formada por
Fletcher no centro e Juan Mata e Di María saindo pelos lados, em detrimento à
dupla de volantes e ao meia-atacante que encostava nos homens de frente.
Mudança de van Gaal para encaixar Di María não pareceu
uma alternativa interessante a princípio. Pelo menos não com Mata na trinca de
meio-campo
A posição não é estranha para o argentino, que
atuou muitas vezes no mais alto nível com papel semelhante durante a última
campanha pelo Real Madrid. O problema é que, na Espanha, o outro lado do
meio-campo era formado por Modric, Illarramendi ou Khedira, com muito mais
noção de recomposição defensiva do que Mata, que se sentiu muito desconfortável
na nova função. Além disso, o time de Carlo Ancelotti atuava com uma linha de
quatro atrás e com Gareth Bale voltando pelo lado direito para fechar outra
linha de quatro no meio.
No sistema que van Gaal utilizou para o jogo contra
o Burnley, a volta dos alas para compor a última linha com os zagueiros e a
lenta transição defensiva de Mata e Di María faziam com que Fletcher ficasse frequentemente
sobrecarregado no meio-campo e propiciava muito mais possibilidades de
infiltração para o ataque adversário que, além de ser veloz e objetivo, geralmente
encontrava apenas uma linha para furar.
Imagens
da mesma jogada. Na primeira, linha de defesa completa e Fletcher isolado na
proteção. Na segunda, Di María e Mata finalmente aparecem para a recomposição,
já com o Burnley dentro da área com a bola
Mapas de movimentação de Mata e Di María. Ambos
executaram a mesma função em lados opostos enquanto estiveram juntos em campo
(Reprodução/MatchZone Daily Mail)
O primeiro tempo foi muito difícil para os
visitantes no Turf Moor. Além da dificuldade de ganhar o meio-campo pelos
motivos já citados, a defesa continuava a apresentar a já conhecida dificuldade
em sair jogando com a bola contra adversários que executam marcação pressão,
como foi o caso do Burnley de Sean Dyche na primeira parte. A falta de
aproximação dos jogadores de meio-campo também contribuiu para isso e o
Manchester United, que tinha paciência para escolher as melhores jogadas, agora
se parece cada vez mais com a Holanda da Copa e abusa das ligações diretas e
dos cruzamentos na área. A Laranja tinha a desculpa da falta de qualidade de
organização de seus meio-campistas mais recuados e da pouca agressividade de
seus alas, mas essa justificativa não se aplica aos Red Devils. Dos 554 passes que o Manchester United tentou no jogo,
18,8% foram lançamentos longos. São mais de 100 passes longos durante os 90
minutos, em grande parte chutões a partir da defesa. Quanto a cruzamentos, o
time vermelho jogou 30 bolas na área, acertando apenas 3. Valencia, por
exemplo, cruzou 12 bolas e não acertou nenhuma.
Com o cansaço muscular de Di María, que teve lesão
durante a Copa e atuou pouco enquanto ainda estava no Real Madrid, van Gaal
tentou corrigir o problema do meio-campo, ao colocar Anderson na vaga do
argentino para fazer companhia a Fletcher e liberar Mata para atuar mais
próximo dos atacantes. A modificação deu um pouco mais de dinâmica ao jogo do
United, que passou a criar mais perigo ao Burnley que, satisfeito com o empate,
comportava-se de forma mais pragmática, sem a pressão na saída de bola, e com duas
linhas de quatro bastante compactas e rígidas. Perto do fim, Dyche ainda sacou
o bom atacante Ings e colocou Steven Reid para atuar entre as duas linhas e
proteger melhor seu sistema defensivo. Apesar de estar mais bem postado em
campo, a pressão nas costas dos atletas do United era evidenciada nos momentos
mais importantes, como o último passe, o cruzamento e a finalização.
Volta ao 3-4-1-2 melhorou um pouco o United, mas nada
que empolgasse
Louis van Gaal já está pressionado em seu novo
trabalho e parece bastante convencido a não mudar o esquema tático. Muitas
teorias começam a ser formadas quanto ao encaixe das recentes contratações de
atletas de bom nível e versatilidade. Aparentemente, Marcos Rojo chega para
atuar prioritariamente como zagueiro e Daley Blind como volante, mas é difícil
apontar com maior certeza, especialmente em se tratando de van Gaal. Algum
reforço para a defesa deve chegar até segunda-feira, mas no deadline day não se pode esperar algo
muito espetacular, sobretudo entre as poucas opções deste fim de mercado. A grande
questão é que, se o treinador holandês realmente insistir com os três
zagueiros, jogadores continuarão a atuar fora de suas posições de origem. É
conservadorismo e má vontade demais condenar esta prática, que já se mostrou satisfatória
com o próprio LVG na Copa do Mundo, mas o alerta já está ligado em Old Trafford
e o péssimo início de van Gaal em competições oficiais não dá muita margem para
experiências. O time ainda não venceu em três rodadas de Premier League e já
está eliminado da Copa da Liga, portanto, uma das poucas possibilidades de
título para os Red Devils nesta temporada
já está descartada e, apesar de nós, apaixonados por futebol e tática,
adorarmos novidades, a torcida Red Devil,
acostumada a vencer, não parece estar no clima para ver seu time servir de cobaia
para as experiências do professor van Gaal.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)