O duelo entre Coritiba e Flamengo, há algumas
semanas pelo Brasileirão, foi um das piores partidas para se assistir dentro de
um campeonato cheio de partidas ruins. Foi um Irã x Nigéria sem a grife de ser pelo
menos um jogo de Copa do Mundo.
O sorteio que recolocou os times frente a
frente pela Copa do Brasil desanimou os amantes do bom futebol, mas as
previsões de mais um confronto sem sal não se confirmaram e o duelo do Couto
Pereira foi interessante de se assistir, sobretudo do ponto de vista tático.
Isso aconteceu graças a um nome: Marquinhos Santos.
O treinador mais jovem da elite do futebol
brasileiro foi uma mudança extrema de estilo com relação ao antecessor, Celso
Roth. Independente de preferências, essa troca de água por vinho evidencia a gestão
confusa do nosso futebol, que escolhe técnicos sem levar em conta a
compatibilidade de estilo entre treinador e clube/time. Logo a diretoria coxa branca,
que deu exemplo do contrário durante um bom tempo.
Marquinhos volta ao Coxa dez meses após ser mandado
embora do Alto da Glória. Demissão, à época, justificável apenas pela pressão por
resultados que os dirigentes não conseguem conter. O Coritiba deu exemplo no
futebol brasileiro ao dar chances a Marcelo Oliveira, em um trabalho de longo
prazo que rendeu duas finais de Copa do Brasil consecutivas, um bi estadual e
campanhas sólidas no Brasileirão. A saída de Marcelo era até compreensível pela
pressão por títulos mais expressivos, já que os dois vices da Copa do Brasil
podem ser considerados grandes resultados, mas as derrotas em finais pesam demais
para o torcedor. A substituição de Marcelo por Marquinhos foi coerente com a
manutenção de um estilo de trabalho. Com um time menos talentoso que o do
antecessor, o jovem técnico conseguiu o tri estadual, mas as campanhas no
Brasileirão caíram de nível e o treinador foi demitido após um ano à frente do
clube. Os nomes seguintes foram Péricles Chamusca e Dado Cavalcanti, nenhuma
mudança brusca de estilo, mas já demonstrando a impaciência típica dos cartolas
brasileiros, tiveram pouquíssimo tempo para mostrar trabalho e logo chegou o
técnico-bombeiro, que sempre é lembrado na hora de apagar incêndios. Celso Roth
tem perfil totalmente diferente dos antecessores, destaca-se por ser um técnico
brasileiro à moda antiga, motivador, disciplinador e conhecido por armar
sistemas defensivos muito sólidos. Não foi diferente no Coritiba. Roth tentou
implantar o seu estilo, mas não foi bem sucedido, apesar de ter méritos em
algumas partidas. A volta da diretoria do clube paranaense a Marquinhos Santos
é um claro mea culpa, e oxalá que o
imediatismo seja abandonado de vez pelo Coxa.
Na estreia contra o Flamengo, Marquinhos fez
mudanças com relação ao time do antecessor, sem alterar muito a estrutura, mas modificando
os sistemas de movimentação e dando mais dinâmica ao time, seja com ou sem a
bola. O 4-4-2 de Marquinhos tinha Martinuccio no centro do ataque, mas às vezes
voltando para buscar o jogo por dentro, abrindo espaço para a infiltração de Zé
Love na diagonal. Zé Eduardo não é craque, mas tem seu valor – foi importante
na maior conquista recente do Santos. Jogando à frente, precisa de companhia e
liberdade de movimentação. Sem isso, nunca renderá e continuará apenas motivando
piadas.
O sistema de Marquinhos também contava com a subida
constante dos laterais e participação dos volantes na construção. O Flamengo de
Luxemburgo, muito modificado, estava montado num 4-2-3-1, mas, diferente do
adversário, faltava dinâmica ao time carioca, que com Luiz Antônio e Samir
improvisados nas laterais, sentia a falta do apoio pelos lados, que
simplesmente não acontecia. Os volantes Amaral e Marcio Araújo preocupavam-se
apenas com a marcação e não participavam da organização do jogo. Hoje em dia,
sem o suporte de pelo menos um volante e dos laterais nas jogadas ofensivas,
fica impossível quebrar um sistema de marcação minimamente organizado, como era
o do Coritiba. Os atacantes sempre estarão em desvantagem numérica e muito
longe um do outro para conseguir a infiltração entrelinhas através de troca de
passes. Desta forma, sem falha defensiva do rival ou genialidade individual de
um homem de frente, é muito difícil conseguir atravessar as linhas adversárias.
As setas são para elucidar a movimentação de cada
atleta. A falta de setas nos laterais e volantes do Flamengo é proposital para
demonstrar a falta de mobilidade dos mesmos durante a partida
Marquinhos Santos implantou uma movimentação
interessante no ataque do Coritiba, entre Martinuccio, Zé Love e Robinho,
claramente tentando aproveitar as principais características dos respectivos
atletas com a bola, mas sem comprometer a recomposição defensiva sem ela. Em
jogadas de ataque, era clara a troca de posição entre os jogadores citados, com
Robinho, que recompunha pela esquerda, centralizando para aproveitar sua qualidade
no último passe, Martinuccio infiltrando como referência e Zé Love abrindo pelo
lado esquerdo para receber a bola de frente para o gol. A movimentação
confundia a marcação adversária e fazia com que fosse possível aproveitar
melhor as poucas qualidades de Zé Love, que são muito mais a velocidade e o
drible do que a finalização e a força pra atrapalhar os zagueiros. Foi assim
que o Coxa criou as melhores jogadas durante toda a partida, sobretudo a partir
da segunda metade do primeiro tempo.
Homens de frente do Coxa com posicionamento invertido,
que quebrou a marcação de Luiz Antonio na direita e possibilitou a finalização
de Zé Love no travessão de Paulo Victor (Reprodução/Rede Globo)
Mapa de movimentação de Zé Love, o melhor homem em
campo. Saída constante do meio para a esquerda quebrava a marcação do Flamengo
e aproveitava as melhores características do atacante, que rende mais de frente
pro gol do que de costas (Reprodução/Footstats)
O Flamengo, mesmo com os problemas citados, era
organizado taticamente dentro de campo. Aliás, isso é algo que não se pode
reclamar com relação ao trabalho de Luxemburgo até aqui. O time tinha linhas claramente
postadas, mas sofria com os laterais improvisados que não conseguiam acompanhar
a dinâmica do ataque adversário e com a imobilidade dos homens de frente. As mudanças
durante o segundo tempo não deram conta de corrigir este defeito, já que
Vanderlei apenas se preocupou em trocar peças do meio pra frente para buscar o
resultado. Neste sentido, a entrada de Canteros para melhorar a chegada de
trás, de Paulinho para se aproximar de Eduardo da Silva e de Gabriel para dar
agressividade ao setor direito não surtiram efeito na organizada defesa coxa branca
e o sistema defensivo continuou remendado e sofrendo com o ataque veloz e
dinâmico armado por Marquinhos, que conseguiu construir um resultado elástico
na primeira partida das oitavas da Copa do Brasil, dando tranquilidade para o
jogo da volta. Marquinhos trocou Martinuccio por Élber e Zé Love passou a ser o
único homem de frente, mas, sem se comportar como referência, continuava
abrindo pelo lado esquerdo e obrigava os zagueiros flamenguistas a saírem da
área, bagunçando o sistema defensivo de Luxemburgo e possibilitando a
infiltração dos elementos surpresa.
Menos organizado, Flamengo tentou atacar no segundo
tempo, mas posse de bola estéril e Everton desconfortável pelo centro do
meio-campo não deram a intensidade necessária para que o time de Luxa pudesse equilibrar
as ações na partida
Marquinhos inicia o trabalho com um grande
resultado pela Copa do Brasil, mas a sequência precisa ser mantida no
Brasileirão, campeonato em que o time está em situação difícil e que deve ser priorizado neste momento. A torcida coxa branca também está de parabéns, pois mesmo com o
momento ruim, apoiou o time durante os 90 minutos. Uma derrota para o Coritiba
não afeta o bom trabalho de Vanderlei Luxemburgo no Flamengo, mas, da forma
como foi, não pode ser encarada com naturalidade pelo torcedor e dentro do
clube. Não prejudica o trabalho do ‘profexô’, mas serve pra que se ligue um
alerta na Gávea de que nem tudo são flores na gestão Luxemburgo. Essa pressão é
importante para que o lendário treinador não se acomode, como tem acontecido em
seus trabalhos recentes.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)