segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Contra Palmeiras superior na maior parte do tempo, Figueirense precisa de 15 minutos e da ousadia de seu técnico para vencer em casa

O Figueirense recebeu, no Orlando Scarpelli, o último time de uma sequência de três adversários paulistas que mediram forças com o Furacão do Estreito. O Palmeiras, vindo de vitória, buscava no duelo contra o Figueira iniciar a tão sonhada regularidade para fugir da famigerada “zona da confusão”.

A chuva que tem caído sobre a Grande Florianópolis nos últimos dias era um fator que atrapalhava os dois times, já que o Palmeiras tem na velocidade pelos lados sua principal característica e o Figueirense é um time que mantém a posse de bola e gosta de trocar passes no meio-campo enquanto aguarda pelo momento certo de acelerar o jogo com os laterais e os atacantes.

Para o confronto contra o Palmeiras, Argel Fucks manteve a coerência que lhe é peculiar e repetiu a estrutura do time que venceu bem o Corinthians, em um 4-4-2 com a armação sendo feita a partir dos extremos. A ausência de França, impedido por motivos contratuais de atuar contra o Verdão, detentor de seu passe, fez com que Argel cogitasse a volta ao 4-2-3-1, mas o técnico acabou preferindo a entrada do volante Jefferson, garoto da base, para executar função parecida com a de França no meio-campo.

Dorival Junior mais uma vez não conseguiu repetir o time, mas manteve a conjuntura tática e contou com a importante volta de Marcelo Oliveira ao meio-campo. O volante/zagueiro/lateral é um dos poucos pilares do desestruturado Palmeiras da temporada de 2014 e forma boa dupla com o jovem Renato. O 4-2-3-1 palestrino tinha Valdívia dando o ritmo no meio-campo e Cristaldo e Diogo trabalhando pelas pontas. Nesta via, a movimentação de Henrique era fundamental para carregar a marcação e abrir espaços para a entrada em diagonal dos atacantes de lado, que, por sua vez, abriam o corredor para os promissores laterais João Pedro e Victor Luís buscarem a linha de fundo.

Figueirense armado em um 4-4-2 que valorizava a posse da bola e Palmeiras usando Valdívia como uma espécie de “mestre de bateria”. Era o “Mago” quem decidia a hora de acelerar ou controlar a bola

O Figueirense teve ótima atuação defensiva no meio de semana contra o Corinthians, com destaques individuais que foram possíveis graças à compactação que impedia o adversário de romper as linhas de marcação. Contra o Palmeiras, no entanto, o comprometimento tático que se viu de Marco Antônio e Giovanni Augusto na quarta-feira não se repetiu, principalmente da parte do camisa 10, que voltava apenas esporadicamente e deixava Marquinhos Pedroso exposto com frequência, obrigando os volantes ou zagueiros a deixarem suas posições para executarem a cobertura enquanto o lateral era forçado ao combate. Isto evidencia que, para um sistema defensivo obter sucesso, é necessário que todos os que fazem parte dele executem sua função com correção, caso contrário, todos os outros jogadores precisam compensar essa ausência, o que desestrutura totalmente o plano inicial.

Palmeiras cobra lateral pela esquerda e as linhas de defesa e meio-campo do Figueirense balançam para o lado da bola, com exceção de Giovanni Augusto, que se limita a marcar o lateral-direito João Pedro e compromete a compactação defensiva da equipe (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)

Os jogadores de Dorival Junior tinham funções definidas dentro de campo nas fases ofensiva e defensiva, quando os pontas voltavam para fechar uma linha de quatro com os volantes e Valdívia e Henrique permaneciam mais avançados. Vez ou outra era possível observar um dos dois voltando até a intermediária defensiva para ocupar espaços, mas, em geral, ambos permaneciam com o cargo de dar o primeiro combate na saída de bola do Figueirense, que perde um pouco de qualidade quando Marco Antônio atua mais à frente.

4-2-3-1 palestrino em transição para o 4-4-2 da fase defensiva, quando Cristaldo e Diogo se alinhavam aos volantes e Valdívia, ao centroavante (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)

Durante o primeiro tempo, o Figueirense não conseguia criar e o Palmeiras era objetivo quando tinha a bola no pé. O time de Dorival mantém menos posse do que seus adversários e foi assim contra o Figueirense e até no triunfo em casa contra o Vitória. Neste sentido, a figura de Valdívia em campo é de extrema importância para que as poucas jogadas de ataque do time alviverde não sejam desperdiçadas, já que o chileno tem uma visão diferenciada do jogo e o organiza como poucos no futebol brasileiro atualmente. Mesmo quando não tem grande atuação, o capitão palestrino é importante, sobretudo pela forma de jogo que Dorival elegeu para trabalhar no Palmeiras.

O Palestra não sofreu sustos na primeira etapa e conseguiu abrir o placar após jogada de linha de fundo executada por Diogo, em um dos poucos momentos de brilho do camisa 17, que encontrou Cristaldo para marcar. O argentino é centroavante de origem e se posiciona muito bem para dar opção tanto em profundidade quanto dentro da área para as jogadas de lado. Seu deslocamento da pequena área para a marca do pênalti confundiu Marquinhos Pedroso, que o perdeu de vista e permitiu ao camisa 9 finalizar livre.

O gol abalou o Figueirense e fez com que o time catarinense se perdesse ainda mais na partida. Argel percebeu o momento e, como fez contra o Internacional no Beira Rio, mudou o time no finzinho do primeiro tempo, promovendo Marcão para que o centroavante esquentasse e o time já fosse se acostumando com uma formação diferente. O escolhido para sair foi o jovem Jefferson, que não fazia má partida, mas era a opção mais viável para que o Figueira voltasse ao 4-2-3-1. Desta forma, Marco Antônio voltou a atuar como volante ao lado de Paulo Roberto, Giovanni Augusto saiu da ponta-esquerda e passou a ser o meia central de uma linha de três, que era completada pelos atacantes Pablo e Everaldo, fazendo o alvinegro se estruturar de maneira parecida com o adversário, que também tinha dois atacantes agressivos pelos extremos do campo.

Figueirense no 4-2-3-1, com Giovanni Augusto de volta ao centro do meio-campo e Marco Antônio voltando a trabalhar como volante (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)

As mudanças não surtiram efeito inicialmente e o Palmeiras continuou com a partida sob controle durante a primeira metade do segundo tempo, chegando inclusive a desperdiçar duas chances claríssimas de matar o jogo. Uma em contra-ataque puxado por Valdívia, que encontrou Cristaldo em progressão pela direita, mas o argentino parou no goleiro Tiago Volpi. A outra grande oportunidade foi o momento mais emblemático do confronto, quando Marcelo Oliveira chegou ao ataque e fez bela triangulação com Cristaldo e Valdivia, e o chileno, na cara de Volpi, preferiu não chutar e tocou de lado buscando Henrique, mas Marquinhos Pedroso estava na jogada e efetuou o corte. O lance tem sido tratado como displicente e irresponsável da parte de Valdívia, que assumiu e se desculpou pelo vacilo ao final do jogo, mas o mais importante para entender o contexto da partida, é que a jogada marcou o ponto de ruptura na péssima atuação do Figueirense, que passou a colocar a bola no chão e buscar o ataque com maior efetividade a partir daí.

Argel, que já havia colocado Clayton no lugar de Pablo, substituiu Everaldo pelo estreante Mazola, que chegou ao Figueira durante a Copa do Mundo, mas não havia entrado em campo ainda principalmente por dificuldades de entrar em forma fisicamente. Clayton e Mazola jogam mais com a bola no pé do que Pablo e Everaldo e partem pra cima dos adversários sempre que podem. A agressividade que o time passou a ter coincidiu com a maior efetividade de Giovanni Augusto, que vinha tendo atuação bastante irregular até o momento, mas liderou mais uma virada sensacional do Figueira.

Em cinco minutos, o time catarinense fez três gols em jogadas de bola aérea muito bem trabalhadas pelos lados do campo. O empate até pode ser considerado fortuito, já que o time ainda não havia ensaiado uma pressão e Marquinhos Pedroso encontrou grande cruzamento na cabeça de Clayton. O gol serviu pra acordar a torcida, que empurrou demais a equipe na sequência e criou uma atmosfera espetacular no Orlando Scarpelli, impulsionando o time à virada. Giovanni Augusto fez boa trama pela esquerda e deu a assistência para o segundo gol de Clayton. O camisa 10 ainda fez linda jogada pela direita, aplicando um chapéu no defensor palmeirense para depois encontrar Leandro Silva em progressão para a linha de fundo. O lateral cruzou e Marcão, de cabeça, sepultou o resultado.

Dorival ainda tentou frear a reação do Figueira com as entradas de Allione e Bernardo, mas o abalo emocional do alviverde era evidente

Mesmo após os três gols, o Figueirense continuou atacando e o rival sequer ensaiou qualquer reação. O Verdão dominou quase toda a partida, mas os 15 minutos de excelente futebol que o Figueira apresentou no Scarpelli foram suficientes para bater um Palmeiras que está se especializando em decepcionar seu torcedor de todas as maneiras possíveis neste Brasileirão. O time catarinense chega à décima colocação e abre sete pontos para o próprio Palmeiras, primeiro clube na zona do rebaixamento.

A vitória catarinense se deve à ousadia de Argel Fucks, que observou bem a dificuldade que seus comandados estavam enfrentando em campo e modificou esquema e peças com inteligência. O treinador merece ser melhor observado dentro do futebol brasileiro que tanto clama por uma renovação, inclusive no aspecto tático. O Figueirense, que tem time limitado, varia e muito nas mãos de Argel, transitando por sistemas diferentes, mas sem perder sua cara e as características de seu jogo.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)