Vindo de sete partidas invictas, o Figueirense
recebeu o Fluminense no Orlando Scarpelli para se afastar ainda mais da zona de
rebaixamento e tentar vislumbrar algo maior no campeonato brasileiro. O time
carioca, por sua vez, precisava se recuperar para não perder contato com o G-4,
após dois empates consecutivos.
Com uma série de desfalques, Argel Fucks se viu
obrigado a modificar o sistema tático que deu muito certo desde sua chegada ao time
catarinense. O 4-3-1-2 deu lugar a um 4-2-3-1 mais móvel e criativo. A trinca
de volantes foi substituída por uma dupla, formada por Paulo Roberto, o cão-de-guarda,
e Marco Antônio, meia de origem, mas que no Figueirense tem atuado chegando um
pouco mais de trás. O jogador que brilhou na Portuguesa qualifica o passe na
transição ofensiva e também se junta aos meias para participar da criação mais
próximo da área adversária. Marco Antônio não foi bem sob o comando de Guto
Ferreira, logo que chegou ao Figueirense, mas, com Argel, reencontrou o bom
futebol e tem sido fundamental para a recuperação do clube de Florianópolis.
Giovanni Augusto, que geralmente é o enganche,
atuou pelo lado direito do 4-2-3-1, que também tinha Felipe pela faixa central
e a joia da base Clayton pela esquerda. Nos ataques do Figueira, Clayton dava
opção mais perto da área para a entrada em diagonal e apresentação para tabela
com o centroavante Everaldo por dentro. A atitude de Clayton, somada às características
de centralização e armação de Giovanni Augusto e Felipe, davam a impressão de
um 4-2-2-2 com a bola. Durante o primeiro tempo, a conjuntura do trio de meias
era geralmente Giovanni Augusto pela direita, Felipe por dentro e Clayton pela
esquerda, mas a movimentação entre os três era intensa, com constantes trocas
de posições com a bola e que se mantinham na recomposição defensiva. Um fator
de desequilíbrio a favor do Figueirense era a boa circulação do centroavante
Everaldo. O artilheiro do time catarinense no Brasileirão caía pela direita
para dar espaço a Clayton no lado oposto e também recuava para ajudar a puxar
os contra-ataques. Como opção de profundidade pela ponta direita, Everaldo
conseguiu marcar o gol que colocou o Furacão do Estreito em vantagem no
primeiro tempo.
Estrutura tática do Figueirense no primeiro tempo:
4-2-3-1 compacto e transição ofensiva altamente veloz (Reprodução: SporTV)
O Fluminense também estava desfalcado da defesa ao
ataque e Cristovão Borges encontrou problemas para escalar o time. O técnico
não alterou o esquema tático que vem utilizando e o Flu foi a campo no já
tradicional 4-2-3-1. Com as ausências de Fred, Walter e Rafael Sóbis, Cícero
foi a alternativa para atuar na referência, com o deslocamento do jovem Kenedy
para a ponta direita. A ideia de utilizar Cícero como centroavante se justifica
pela sua estatura e força física para brigar entre os zagueiros, mas,
sobretudo, pela característica goleadora do meio-campista tricolor, que curiosamente teve
passagem destacada pelo Figueira, assim como o lateral Bruno. O motivo pelo
qual o Fluminense acabou encontrando dificuldades para levar perigo ao
adversário chega a ser irônico. Apesar de ir contra o que muita gente tem
falado no Brasil, sobretudo durante a Copa do Mundo, era clara a falta que Fred
fazia, pois o capitão tricolor, no pós-Copa, tem se caracterizado por sair da
área para participar do jogo de toque de bola do Fluminense, seja para fazer o
pivô – uma de suas principais qualidades – ou apenas para carregar o marcador e
abrir espaço para infiltração dos homens-surpresa. Cícero, apesar de ter dado
trabalho à defesa catarinense dentro da área, esteve muito fixo durante toda a
partida, apresentando pouquíssima mobilidade e quase nenhuma participação na
peleja fora do último quarto do relvado. Isto, somado à falta de inspiração de
Conca e Wágner e à compactação da marcação em bloco médio/baixo do Figueirense,
dificultava muito os trabalhos ofensivos dos cariocas. É sintomático, mas totalmente
aceitável que Cícero não execute a função de centroavante com excelência, já que
não se sente confortável na posição e está acostumado a ser o homem que
infiltra e não o que abre espaço para a infiltração.
Comparação entre os mapas de movimentação de Fred,
contra o Cruzeiro, e Cícero, contra o Figueirense. Na mesma função, o camisa 9
se movimenta por mais setores do campo do que o camisa 5 (Reprodução/Footstats)
Times de Argel e Cristovão em sistema espelhado. A
principal virtude dos catarinenses no primeiro tempo foi a mobilidade de seu
ataque, muito maior em comparação com o rival carioca
Para o segundo tempo, Cristovão Borges colocou
Biro-Biro no lugar do zagueiro Elivélton, que havia batido a cabeça no fim da
primeira parte e precisou ser encaminhado a um hospital. Motivada pela
necessidade de correr atrás do placar, a mudança fez com que Diguinho fosse
recuado para formar dupla de zaga com Marlon e Wágner passasse a atuar como
volante, armando o Fluminense a partir de trás, na companhia de Jean.
Para o Figueirense, nada mudaria, não fosse a
expulsão do lateral-direito Leandro Silva, que recebeu o segundo cartão amarelo
após chegar atrasado em Biro-Biro, aos cinco minutos da segunda etapa. Imediatamente,
Argel sacou o atacante Clayton e mandou a campo o volante Jefferson, que foi
improvisado na lateral. Com a inferioridade numérica, o Figueirense fechou-se
em duas linhas de quatro e entregou a bola ao Fluminense, aguardando o time
carioca e tentando sair no contra-ataque em velocidade com Giovanni Augusto,
Felipe e Everaldo. Com onze contra dez, o Flu passou a usar ainda mais os lados
do campo, com forte apoio dos laterais.
Figueirense compactou-se em bloco baixo para minimizar
a inferioridade numérica e aguardou o Fluminense no seu campo
Durante quase meia hora, o Figueirense apenas se
defendeu e o Fluminense buscou o ataque incessantemente, mas esbarrava na falta
de inspiração e, claro, na barreira montada por Argel. Isto motivou muitos
cruzamentos na área buscando Cícero e algumas finalizações de longa distância. Foram
trinta e oito cruzamentos, sendo somente sete certos. Chiquinho, por exemplo,
cruzou onze bolas na área do Figueira, acertando apenas uma. O Fluminense de
Cristovão tem como característica a valorização da posse de bola, mas a postura
do Figueirense acentuou ainda mais esta peculiaridade, fazendo o tricolor
atingir quase 65% de posse no final da partida. Estes e outros números do confronto e do Brasileirão podem ser encontrados no Footstats.
Após a expulsão de Leandro Silva, Figueira
compactou-se em duas linhas de quatro, com seus nove jogadores de linha se
posicionando atrás do portador da bola (Reprodução/SporTV)
Perto dos trinta minutos, a expulsão rigorosíssima
do lateral Bruno fez com que os dois times voltassem a ter o mesmo número de jogadores
em campo. Apesar disso, a conjuntura do jogo não se alterou e o Fluminense
continuou dominando as ações, estruturado em um 4-4-1 parecido com o do rival,
mas com seus homens de lado muito mais próximos da área adversária. Assim o
Fluminense atingiu o empate, na base do abafa, com o oportunista Cícero
aproveitando rebote da trave, após finalização longa de Kenedy. Mesmo com o
empate, o Fluminense continuou atacando e acabou dando espaços ao time
catarinense no contra-ataque, mais qualificado após a entrada de outra joia da base
do Figueira, Leo Lisboa, criador da jogada que quase deu a vitória aos
catarinenses, mas Marco Antônio caprichou demais na finalização e acabou
errando por centímetros a meta de Diego Cavalieri.
10 contra 10: Figueirense ainda bem postado
defensivamente e Fluminense atacando no vamo-que-vamo, sem volantes e com Conca
e Wágner acumulando funções no meio-campo
Dentro das circunstâncias do cotejo, o resultado
acabou sendo satisfatório para os dois times e o segundo tempo emocionante foi
muito bem recebido pelos fãs do futebol. No entanto, o Fluminense é quem tem
maior prejuízo às suas pretensões no campeonato, já que chega ao terceiro
empate consecutivo – apesar da sequência difícil – e se afasta um pouco mais da
zona da Libertadores e, principalmente, da disputa pelo título. O Figueirense,
no entanto, consegue manter a invencibilidade mesmo com os muitos desfalques,
atingindo o oitavo jogo sem derrota, com um time bem estruturado por Argel Fucks
e que agora também vem apresentando interessantes variações táticas,
conseguindo manter distância segura da zona de rebaixamento e se assegurar como
melhor catarinense na Série A até aqui.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)