quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Em duelo de times desfalcados, imperaram as experimentações táticas e a emoção

Vindo de sete partidas invictas, o Figueirense recebeu o Fluminense no Orlando Scarpelli para se afastar ainda mais da zona de rebaixamento e tentar vislumbrar algo maior no campeonato brasileiro. O time carioca, por sua vez, precisava se recuperar para não perder contato com o G-4, após dois empates consecutivos.

Com uma série de desfalques, Argel Fucks se viu obrigado a modificar o sistema tático que deu muito certo desde sua chegada ao time catarinense. O 4-3-1-2 deu lugar a um 4-2-3-1 mais móvel e criativo. A trinca de volantes foi substituída por uma dupla, formada por Paulo Roberto, o cão-de-guarda, e Marco Antônio, meia de origem, mas que no Figueirense tem atuado chegando um pouco mais de trás. O jogador que brilhou na Portuguesa qualifica o passe na transição ofensiva e também se junta aos meias para participar da criação mais próximo da área adversária. Marco Antônio não foi bem sob o comando de Guto Ferreira, logo que chegou ao Figueirense, mas, com Argel, reencontrou o bom futebol e tem sido fundamental para a recuperação do clube de Florianópolis.

Giovanni Augusto, que geralmente é o enganche, atuou pelo lado direito do 4-2-3-1, que também tinha Felipe pela faixa central e a joia da base Clayton pela esquerda. Nos ataques do Figueira, Clayton dava opção mais perto da área para a entrada em diagonal e apresentação para tabela com o centroavante Everaldo por dentro. A atitude de Clayton, somada às características de centralização e armação de Giovanni Augusto e Felipe, davam a impressão de um 4-2-2-2 com a bola. Durante o primeiro tempo, a conjuntura do trio de meias era geralmente Giovanni Augusto pela direita, Felipe por dentro e Clayton pela esquerda, mas a movimentação entre os três era intensa, com constantes trocas de posições com a bola e que se mantinham na recomposição defensiva. Um fator de desequilíbrio a favor do Figueirense era a boa circulação do centroavante Everaldo. O artilheiro do time catarinense no Brasileirão caía pela direita para dar espaço a Clayton no lado oposto e também recuava para ajudar a puxar os contra-ataques. Como opção de profundidade pela ponta direita, Everaldo conseguiu marcar o gol que colocou o Furacão do Estreito em vantagem no primeiro tempo.

Estrutura tática do Figueirense no primeiro tempo: 4-2-3-1 compacto e transição ofensiva altamente veloz (Reprodução: SporTV)

O Fluminense também estava desfalcado da defesa ao ataque e Cristovão Borges encontrou problemas para escalar o time. O técnico não alterou o esquema tático que vem utilizando e o Flu foi a campo no já tradicional 4-2-3-1. Com as ausências de Fred, Walter e Rafael Sóbis, Cícero foi a alternativa para atuar na referência, com o deslocamento do jovem Kenedy para a ponta direita. A ideia de utilizar Cícero como centroavante se justifica pela sua estatura e força física para brigar entre os zagueiros, mas, sobretudo, pela característica goleadora do meio-campista tricolor, que curiosamente teve passagem destacada pelo Figueira, assim como o lateral Bruno. O motivo pelo qual o Fluminense acabou encontrando dificuldades para levar perigo ao adversário chega a ser irônico. Apesar de ir contra o que muita gente tem falado no Brasil, sobretudo durante a Copa do Mundo, era clara a falta que Fred fazia, pois o capitão tricolor, no pós-Copa, tem se caracterizado por sair da área para participar do jogo de toque de bola do Fluminense, seja para fazer o pivô – uma de suas principais qualidades – ou apenas para carregar o marcador e abrir espaço para infiltração dos homens-surpresa. Cícero, apesar de ter dado trabalho à defesa catarinense dentro da área, esteve muito fixo durante toda a partida, apresentando pouquíssima mobilidade e quase nenhuma participação na peleja fora do último quarto do relvado. Isto, somado à falta de inspiração de Conca e Wágner e à compactação da marcação em bloco médio/baixo do Figueirense, dificultava muito os trabalhos ofensivos dos cariocas. É sintomático, mas totalmente aceitável que Cícero não execute a função de centroavante com excelência, já que não se sente confortável na posição e está acostumado a ser o homem que infiltra e não o que abre espaço para a infiltração.

Comparação entre os mapas de movimentação de Fred, contra o Cruzeiro, e Cícero, contra o Figueirense. Na mesma função, o camisa 9 se movimenta por mais setores do campo do que o camisa 5 (Reprodução/Footstats)

Times de Argel e Cristovão em sistema espelhado. A principal virtude dos catarinenses no primeiro tempo foi a mobilidade de seu ataque, muito maior em comparação com o rival carioca

Para o segundo tempo, Cristovão Borges colocou Biro-Biro no lugar do zagueiro Elivélton, que havia batido a cabeça no fim da primeira parte e precisou ser encaminhado a um hospital. Motivada pela necessidade de correr atrás do placar, a mudança fez com que Diguinho fosse recuado para formar dupla de zaga com Marlon e Wágner passasse a atuar como volante, armando o Fluminense a partir de trás, na companhia de Jean.

Para o Figueirense, nada mudaria, não fosse a expulsão do lateral-direito Leandro Silva, que recebeu o segundo cartão amarelo após chegar atrasado em Biro-Biro, aos cinco minutos da segunda etapa. Imediatamente, Argel sacou o atacante Clayton e mandou a campo o volante Jefferson, que foi improvisado na lateral. Com a inferioridade numérica, o Figueirense fechou-se em duas linhas de quatro e entregou a bola ao Fluminense, aguardando o time carioca e tentando sair no contra-ataque em velocidade com Giovanni Augusto, Felipe e Everaldo. Com onze contra dez, o Flu passou a usar ainda mais os lados do campo, com forte apoio dos laterais.

Figueirense compactou-se em bloco baixo para minimizar a inferioridade numérica e aguardou o Fluminense no seu campo

Durante quase meia hora, o Figueirense apenas se defendeu e o Fluminense buscou o ataque incessantemente, mas esbarrava na falta de inspiração e, claro, na barreira montada por Argel. Isto motivou muitos cruzamentos na área buscando Cícero e algumas finalizações de longa distância. Foram trinta e oito cruzamentos, sendo somente sete certos. Chiquinho, por exemplo, cruzou onze bolas na área do Figueira, acertando apenas uma. O Fluminense de Cristovão tem como característica a valorização da posse de bola, mas a postura do Figueirense acentuou ainda mais esta peculiaridade, fazendo o tricolor atingir quase 65% de posse no final da partida. Estes e outros números do confronto e do Brasileirão podem ser encontrados no Footstats.

Após a expulsão de Leandro Silva, Figueira compactou-se em duas linhas de quatro, com seus nove jogadores de linha se posicionando atrás do portador da bola (Reprodução/SporTV)

Perto dos trinta minutos, a expulsão rigorosíssima do lateral Bruno fez com que os dois times voltassem a ter o mesmo número de jogadores em campo. Apesar disso, a conjuntura do jogo não se alterou e o Fluminense continuou dominando as ações, estruturado em um 4-4-1 parecido com o do rival, mas com seus homens de lado muito mais próximos da área adversária. Assim o Fluminense atingiu o empate, na base do abafa, com o oportunista Cícero aproveitando rebote da trave, após finalização longa de Kenedy. Mesmo com o empate, o Fluminense continuou atacando e acabou dando espaços ao time catarinense no contra-ataque, mais qualificado após a entrada de outra joia da base do Figueira, Leo Lisboa, criador da jogada que quase deu a vitória aos catarinenses, mas Marco Antônio caprichou demais na finalização e acabou errando por centímetros a meta de Diego Cavalieri.

10 contra 10: Figueirense ainda bem postado defensivamente e Fluminense atacando no vamo-que-vamo, sem volantes e com Conca e Wágner acumulando funções no meio-campo

Dentro das circunstâncias do cotejo, o resultado acabou sendo satisfatório para os dois times e o segundo tempo emocionante foi muito bem recebido pelos fãs do futebol. No entanto, o Fluminense é quem tem maior prejuízo às suas pretensões no campeonato, já que chega ao terceiro empate consecutivo – apesar da sequência difícil – e se afasta um pouco mais da zona da Libertadores e, principalmente, da disputa pelo título. O Figueirense, no entanto, consegue manter a invencibilidade mesmo com os muitos desfalques, atingindo o oitavo jogo sem derrota, com um time bem estruturado por Argel Fucks e que agora também vem apresentando interessantes variações táticas, conseguindo manter distância segura da zona de rebaixamento e se assegurar como melhor catarinense na Série A até aqui.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)