domingo, 5 de outubro de 2014

Em duelo de invictos, Valencia consegue fazer o dever de casa

Pela sexta rodada de La Liga, Valencia e Atlético Madrid se enfrentaram no Mestalla brigando no topo da tabela. Ambas as equipes chegaram à rodada #6 entre os únicos ainda invictos da liga espanhola, ao lado do líder Barcelona e da surpresa Celta de Vigo.

O time mandante, como já alertado aqui antes de a temporada se iniciar, tem um grupo jovem e bastante talentoso comandado por Nuno Espírito Santo, técnico português da nova geração que chegou à Espanha trás grande trabalho à frente do Rio Ave. Já os visitantes vêm de grande temporada sob o a batuta de Diego Simeone, um dos técnicos mais badalados (com muita justiça) da atualidade.

O Valencia foi a campo com o que Nuno acredita ter de melhor para o momento, pelo menos é o que indicam suas escalações desde que a temporada se iniciou. A linha defensiva foi formada por Barragán, Mustafi, Otamendi e Gayà, mais um promissor lateral-esquerdo da ótima cantera che, que recentemente revelou Jordi Alba e Juan Bernat, titulares de Barcelona e Bayern de Munique, respectivamente. Javi Fuego novamente se posicionou entre as compactas linhas de quatro do Valencia, que também tinha o ótimo Paco Alcácer como homem mais avançado.

Simeone escalou pela primeira vez um Atlético bem próximo que se imaginava após o fim do mercado de transferências, com exceção de Juanfran, que, poupado, deu lugar a Jesús Gámez na lateral-direita. No Mestalla, o Atléti iniciou a partida em um 4-2-3-1 um pouco diferente do tradicional 4-4-2 de Cholo, mas com dinâmicas parecidas, principalmente na fase defensiva.

Valencia postado no 4-1-4-1 que vem sendo padrão sob o comando de Nuno e Atlético no 4-2-3-1, com Griezmann no centro da linha de três meias

Na fase defensiva, o Atléti formava duas linhas de quatro extremamente compactas como sempre tem feito desde que Simeone assumiu. Koke e Arda Turan fechavam os lados do meio-campo e Griezmann voltava à frente da segunda linha de quatro para combater as trocas de passes do meio-campo rival e ajudar a preencher espaços. Além da compactação, a marcação colchonera apresentava algumas de suas características peculiares, como posicionamento em bloco baixo, agressividade ao portador da bola e transição defensiva veloz.

Atléti se defendendo à sua maneira, com compactação assustadora

O Valencia, por sua vez, postava-se em um 4-1-4-1, que tinha o brasileiro/espanhol Rodrigo Moreno – recém-convocado pela primeira vez por Vicente Del Bosque – e o argentino Pablo Piatti como wingers, que viravam atacantes quando a posse da bola era do time da casa. O capitão Dani Parejo e o excelente português André Gomes posicionavam-se no centro da segunda linha de quatro para marcar e eram os responsáveis pela rápida transição meio-ataque valencianista, que é uma das marcas já perceptíveis do time de Nuno Espírito Santo.

As linhas che se posicionavam um pouco mais à frente do que as do adversário, mas eram quase tão compactas quanto

Inesperadamente, o Valencia conseguiu o primeiro gol em uma falha da defesa rival logo nos primeiros minutos. Após lançamento de Barragán da defesa, Miranda e Moyà bateram cabeça na entrada da grande área e o brasileiro, que não percebeu o goleiro no lance, desviou a bola de cabeça na direção do gol vazio. O bizarro gol contra desestabilizou o Atlético e deu moral ao Valencia, que passou a ter mais intensidade quando tinha a bola no pé e, logo em seguida, anotou o segundo, em jogada individual de André Gomes, que passou com facilidade por Miranda e Godín e finalizou na saída de Moyà. As duas improváveis falhas da dupla de zaga colchonera deram a liderança do placar para o time da casa, que chegou ao terceiro gol em jogada de bola parada, ainda aos treze minutos do primeiro tempo. O gol de Otamendi chamou a atenção pelo posicionamento dos atletas che dentro da área antes da cobrança do escanteio. Mustafi, Rodrigo e Otamendi formaram fila na entrada da grande área e Parejo se posicionou na meia-lua. O camisa 10 entrou de surpresa no primeiro pau e os três jogadores da fila saíram juntos cada um para um lado, confundindo totalmente os marcadores que aguardavam a sua movimentação sem saber especificamente em quem encostariam após a cobrança. Otamendi saiu pelo lado direito e cabeceou dentro da pequena área. Apesar da interessante iniciativa para atrapalhar os marcadores individuais do Atlético na bola parada, é espantoso o vacilo dos homens posicionados de forma zonal para cortar um cruzamento que foi bastante fechado. Tanto o goleiro, quanto o homem do primeiro pau, o atleta à frente do gol e o defensor postado na entrada lateral da pequena área tinham condições de cortar o escanteio antes de Otamendi alcançar a bola.

‘Trenzinho’ valencianista confundiu os defensores rojiblancos, que não sabiam quem marcar após a movimentação

Com uma vantagem considerável construída em menos de 15 minutos, o Valencia passou a adotar proposta um pouco mais reativa, fixando seu 4-1-4-1 em bloco médio e buscando principalmente nos contragolpes uma forma de ampliar o placar. Simeone manteve seu time na mesma estrutura por mais alguns minutos e, desta forma, conseguiu diminuir com gol de Mandzukic. Logo após seu gol, o Atlético passou a atuar também em um 4-1-4-1, com Gabi posicionado entre as duas linhas de quatro para iniciar a transição ofensiva. A ideia do sistema parecia, prioritariamente, utilizar Griezmann pela ponta, onde se sente mais à vontade, deslocando Koke para trabalhar pelo centro, em sua posição de origem e onde tem atuado na seleção espanhola.

Atléti passa a trabalhar no mesmo sistema tático do adversário, buscando melhorar o passe no meio-campo e aumentar a agressividade pelos flancos

Na nova formação, o time colchonero conseguiu um pênalti ainda no fim do primeiro tempo, que, se convertido, seria importantíssimo para dar esperanças a uma possível virada na segunda parte. O brasileiro Guilherme Siqueira, especialista em penalidades, principalmente em seus tempos de Granada, foi para a cobrança e parou em outro brasileiro, Diego Alves, também perito no assunto, porém pelo outro lado da moeda. Diego atingiu a marca da lenda valencianista, Santiago Cañizares, tornando-se o goleiro a pegar mais pênaltis na história de La Liga, com treze defesas.

Para o segundo tempo, o panorama permaneceu semelhante ao dos últimos minutos da etapa inicial, com o Atlético Madrid buscando o ataque e o Valencia se defendendo com tranquilidade. A grande diferença passou a ser no clima, que dava a impressão de uma partida de Libertadores, com muita catimba por parte dos atletas do Valencia e irritação equivalente pelo lado rojiblanco, que sentiu na pele sua estratégia de esquentar o jogo por meio de provocações e marcação agressiva que tanto deu certo na última Champions League.

Antes dos vinte e cinco minutos da etapa complementar, os dois times já haviam executado todas as alterações possíveis, mas permaneceram no 4-1-4-1. Pelo lado do Valencia, Nuno promoveu Lucas Orban para atuar como um lateral-esquerdo mais contido, adiantando Gayà para a ponta, além de dar mais velocidade para os contra-ataques com Feghouli pela ponta-direita e reforçar a marcação no meio-campo com a entrada do brasileiro Felipe Augusto. Simeone, por seu turno, buscou em Alessio Cerci a agressividade que Arda Turan foi incapaz de impor em seus minutos dentro de campo. Raúl Jiménez entrou na ponta-esquerda para centralizar quando a bola estivesse com o Atlético e dar opção dentro da área, proporcionando o corredor para Guilherme Siqueira apoiar. No meio-campo, Raúl García substituiu Tiago e voltou a atuar em sua posição de origem depois de algum tempo.

No segundo tempo, times mudam as peças de acordo com suas aspirações, mas mantêm a estrutura tática que terminou a etapa inicial

Com o jogo truncado e a marcação pesada do Valencia, o resultado do primeiro tempo se manteve e o time da casa continuou na vice-liderança da liga espanhola, atrás apenas do Barcelona, premiando o belo trabalho de Nuno Espírito Santo, que chegou a Valencia para recuperar um grande time que vinha de campanhas ruins, como fez Simeone com o Atlético há três temporadas. Mesmo com a nova administração dando mais liberdade para contratar do que ultimamente tem ocorrido no Mestalla, Nuno preferiu manter alguns nomes do elenco e trazer jogadores jovens, mas já experimentados para um projeto de longo prazo em Valencia. Os frutos já estão sendo colhidos e, em um ano sem compromissos continentais, o foco dos che no futebol doméstico tem tudo para levar o time de volta à Champions League e talvez a uma campanha destacada na Copa del Rey. O Atlético Madrid, por sua vez, teve um tropeço aceitável contra um adversário forte e fora de casa, mas precisa corrigir os erros defensivos que permitiram ao Valencia vencer o jogo em apenas treze minutos, que deram margens para que se critique uma das defesas mais sólidas do futebol europeu.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)