quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Em duelo tático típico de terras brasileiras, Cruzeiro saiu com vantagem

No primeiro jogo da semifinal da Copa do Brasil de 2014, Cruzeiro venceu por 1 x0 o Santos, no Mineirão. Para conseguir esta vantagem, estes dois times jogaram no 4-2-3-1, de maneira espaçada no terço defensivo, com os wingers não balançando defensivamente para o lado da bola e ofensivamente pedindo freqüentemente as ultrapassagens dos laterais. Características mais brasileiras dos 4-2-3-1 brasileiros seriam impossíveis.

Cruzeiro e Santos no 4-2-3-1.

Do início do jogo até os 20 minutos do primeiro tempo, o Cruzeiro ditou o ritmo do jogo. O time mineiro pressionava desde a saída de bola adversária, jogava com linha alta, com rápida troca de ação de jogo e com alta intensidade ofensiva e defensiva com e sem bola. Tanto que a Raposa desarmou 33 vezes, sendo a maioria na primeira etapa, com destaques para Éverton Ribeiro com seis roubadas, e Ricardo Goulart e William com quatro desarmes. Era pressão azul-celeste.

Com a pressão desde a saída de bola do Santos e com rápida troca de ação de jogo, o Cruzeiro não deixava o Santos sair do seu campo defensivo. No flagrante acima, a consequência dos dois aspectos sem bola do time mineiro: superioridade numérica no setor da bola ainda em campo ofensivo. Na imagem, Robinho está cercado por jogadores da Raposa enquanto que as suas opções de passes curtas estão marcadas (Reprodução: ESPN Brasil).

Neste período da partida, o 4-2-3-1 do Santos se posicionava defensivamente no 4-4-1-1 ou 4-4-2, procurava a compactação entre sua intermediária defensiva e próxima do meio do campo, realizava lenta troca de ação de jogo e com o sistema defensivo passivo em relação ao ofensivo do Cruzeiro. Já que o Peixe realizou, no jogo todo, somente 13 roubadas de bola. Ou seja, a retomada era difícil e o contra-ataque, neste período jogo, ainda mais.

No flagrante acima, imagem do posicionamento defensivo do Santos no 4-4-2, compactado em curto espaço e entre a sua intermediária defensiva e o próximo ao meio do campo (Reprodução: ESPN Brasil).

Já após o gol de William, aos 10, e os 20 minutos iniciais, o Cruzeiro diminuiu o ímpeto na partida. A partir daqui, o jogo ficou equilibrado para as duas equipes.

Com a desvantagem no placar, o Santos começou a conseguir chegar a seu campo ofensivo. Para tal, quem dava o passe que realmente transitava ofensivamente o time era Lucas Lima. Este meia começou a explorar os espaços entre os laterais e os meias abertos do Cruzeiro, já que Éverton Ribeiro e William só marcavam os laterais do Peixe. Deste modo, o camisa 20 do time paulista apresentou o seguinte heatmap:

Com Lucas Lima explorando tanto os espaços entre os laterais e os wingers do Cruzeiro, este jogador apresentou o heatmap acima. Perceba o alto índice de presença pelos lados do terço central além da faixa central do campo. Percepção ótima para fazer o seu time chegar ao terço ofensivo.

Nesta imagem, nota-se o que a percepção de Lucas Lima e a movimentação ofensiva do Santos geraram para o time em ação ofensiva. Com o camisa 20 entre Egídio e Henrique, com Rildo atraindo a marcação do lateral-esquerdo do Cruzeiro e William tendo a consquência do seu mal posicionamento defensivo, Cicinho recebeu a bola completamente livre pelo lado direito do Santos (Reprodução: ESPN Brasil).

Para neutralizar o Santos, o Cruzeiro posicionava defensivamente no 4-4-1-1 ou 4-4-2, com baixa intensidade defensiva –nesta altura do jogo-, com os wingers marcando somente os laterais adversários e descompactando a equipe no terço defensivo. Todos estes aspectos defensivos, o Peixe também realizou –assim como foi demonstrado anteriormente. Além deste time paulista, em terras brasileiras, foi muito comum em 2014 as equipes realizarem estes aspectos em ação defensiva: wingers não balançando e espaçamento no terço defensivo.

Com a bola na direita do campo defensivo do Cruzeiro, William sequer aparece na imagem, pois este está marcando somente Cicinho –que não avançou neste momento do jogo. Deste modo, a Raposa passou a se defender no 4-3-1-2 em vez do 4-4-1-1 ou 4-4-2 tradicional para o esquema. Ainda no mesmo flagrante, percebe-se Lucas Lima aberto na meia esquerda e aproveitando o espaço entre Mayke e Éverton Ribeiro (Reprodução: ESPN Brasil).

Agora pelo lado do Santos, a falta de balanço defensivo do winger oposto do lado da bola também aconteceu. Enquanto a bola está pelo lado esquerdo da sua equipe, Rildo continuou marcando somente Egídio e esqueceu-se de marcar o seu setor. Desta maneira, Lucas Silva ficou disponível para o passe e sem marcação adversária (Reprodução: ESPN Brasil).

Voltando ainda a destacar Lucas Lima, este jogador apresentou, além de uma ótima percepção ofensiva, também uma ótima defensiva. Como o Cruzeiro freqüentemente atacava pela direita e como Robinho só marcava Mayke e de vez em quando retornava até o fim da jogada marcando-o, o camisa 20 do Santos invariavelmente trocava de posição com o “Rei das pedaladas”. No flagrante adiante, eis a consequência da falta do balanço defensivo do winger e como é difícil deste acompanhar a subida do lateral adversário sem estar bem posicionado:

Na imagem, percebe-se Robinho sem estar bem posicionado defensivamente. Pois ele não está em uma possível linha de passe de Júlio Baptista, não está vendo onde Mayke está em campo, não balançou defensivamente e sofreu o lançamento na suas costas com a ultrapassagem do lateral-direito do Cruzeiro. Percebendo que seu companheiro marcava mal, Lucas Lima trocava de posição com o camisa 7 santista para equilibrar o sistema defensivo alvinegro. Ainda no mesmo flagrante, nota-se o que a movimentação e troca de posição do quarteto ofensivo da Raposa causaram: com Júlio Baptista trocando de posição com Ricardo Goulart durante a ação ofensiva, Arouca não sabia quem marcava e deixou um tempo suficiente para o camisa 10 azul celeste fazer o lançamento para William, e este começar a jogada do gol da partida (Reprodução: ESPN Brasil).

No intervalo, Enderson Moreira, ao perceber os espaços em que Lucas Lima estava aproveitando ofensivamente, alterou a sua equipe para o 4-3-3. Neste esquema tático, o Santos passou a ter o camisa 20 e mais Arouca para usufruir dos espaços defensivos que o sistema defensivo do Cruzeiro não conseguia marcar. Além disso, Robinho passou a ser a referência do ataque enquanto o seu time se defendia e Gabriel passou marcar o setor esquerdo do meio-de-campo alvinegro. O Peixe queria o gol de empate.

No intervalo do jogo, o Santos passou a jogar no 4-3-3 e com Robinho na referência do ataque em ação defensiva. Com estas mudanças, o Peixe usufruiu ainda mais dos espaços entre os laterais e os wingers do Cruzeiro e melhorou defensivamente pelo o seu lado esquerdo.

Mesmo com a melhora tática em campo e pressionando ainda mais o time mineiro, o 1 x 0 ainda se mantinha no placar. Deste modo, os técnicos começaram a alterar as suas equipes. Pelo Cruzeiro, entrou Dagoberto no lugar de William –fazendo com que Éverton Ribeiro passasse a jogar pela direita e Dago pela esquerda. Já pelo Santos, Serginho entrou no lugar de Gabriel. Com esta última substituição, o sistema ofensivo do Peixe alterou. Com Gabigol, o time paulista tinha um “9 móvel”, já com Robinho na referência do ataque em todas as ações do jogo, o Santos passou a ter um “falso 9”.

Com Gabriel, o Santos tinha um jogador na referência que se movimentava para os lados para achar espaço para receber a bola, assim como mostra o flagrante acima. Na imagem, Gabigol se movimentou nas costas de Dedé que estava com a sua atenção voltada em Robinho e o camisa 10 alvinegro recebeu a bola para continuar o ataque santista (Reprodução: ESPN Brasil).

Agora com Robinho na referência, o Peixe passou a ter um “falso 9”. Nesta função, o jogador mais avançado da equipe empurra a linha defensiva adversária e retorna para aproveitar o espaço entre a linha defensiva e a do meio-de-campo adversárias, assim como onde o camisa 7 do Santos está posicionado no flagrante acima (Reprodução: ESPN Brasil).

Ao mesmo tempo em que Enderson Moreira procurava melhorar o seu sistema ofensivo, Marcelo Oliveira procurava melhorar o seu defensivo. Para tal, o técnico do Cruzeiro colocou Marlone no lugar de Éverton Ribeiro. Já que com Dagoberto e Marlone, a linha de 4 do meio-de-campo azul-celeste se posicionava mais próxima da defensiva e passou a balançar defesnivamente. Porém, ofensivamente, com a entrada de Marcelo Moreno, a Raposa perdeu a troca de posição que Júlio Baptista fazia com Ricardo Goulart.

Com as substituições realizadas, o sistema ofensivo do Cruzeiro ganhou em profundidade através de Marcelo Moreno e amplitude com Dagoberto e Marlone, assim como mostra o flagrante anterior. Com isso, Ricardo Goulart passou a ter mais espaços para dar continuidade aos contra-ataques da Raposa que passaram a ser freqüentes neste momento da partida (Reprodução: ESPN Brasil).

Já pelo lado do Santos, Enderson Moreira colocou Jorge Eduardo e Leandro Damião nos lugares de Rildo e Robinho, respectivamente. Com Jorge Eduardo, o time ganhou mais incisividade e com Damião mais profundidade. Porém com um centroavante no time, o sistema ofensivo não conseguiu mais criar tantas oportunidades ofensivas, e o Santos passou a utilizar o cruzamento como principal forma de ataque. Com o Cruzeiro, o mesmo aconteceu no fim da partida. Mesmo com as substituições, a Raposa não conseguia criar oportunidades com a bola no chão e passou a utilizar do cruzamento como principal via ofensiva.

Entretanto vale aqui uma observação: os dois times, por quase toda a partida, procuraram o passe curto como via ofensiva. Tanto que Cruzeiro e Santos realizaram, respectivamente, 340 e 318 passes certos. Quando começaram a realizar cruzamentos, as duas equipes pouco acertaram este fundamento e, assim, poucos ameaçaram o goleiro adversário. Já que os dois times acertaram somente uma bola alçada cada enquanto que a Raposa errou 14 e o Peixe 12.  Deste modo, assim como os aspectos defensivos, estas duas equipes apresentaram ofensivamente aspectos de jogo bem brasileiros. 

Fim de partida: Cruzeiro no 4-2-3-1 inicial e Santos no 4-3-3.

Por Caio Gondo (@CaioGondo)