Após confirmar o título do Brasileirão no último
fim de semana, o Cruzeiro voltou a encarar o principal rival na disputa pela
Copa do Brasil. Com o placar favorável construído no Independência, o
Atlético-MG buscava, no Mineirão, não sofrer com o próprio veneno e manter a
vantagem para comemorar o título inédito na Copa do Brasil.
O Cruzeiro, que passara por momentos difíceis na
temporada, voltou a recuperar o bom futebol nos últimos jogos e conseguiu
conquistar o bicampeonato brasileiro e tentava usar o bom momento para reverter
o 2 a 0 sofrido há duas semanas. Marcelo Oliveira teve o desfalque de Mayke,
mas contou com Ceará, que também era dúvida, para substituir o titular da
lateral-direita. Com isso, o treinador do time mandante conseguiu escalar o que tinha de
melhor em mãos, no sistema que tem caracterizado o Cruzeiro desde o ano
passado: um 4-2-3-1 espaçado na marcação, mas que tem nos toques rápidos que
envolvem o adversário a principal característica.
O Atlético, que se reencontrou nas mãos de Levir
Culpi após o período difícil que passou desde a saída de Cuca, tem apresentado
o melhor futebol do Brasil há alguns meses, com um sistema bastante dinâmico
tanto na fase ofensiva quanto na defensiva. Diferente do rival, o 4-2-3-1 do
Galo é compacto na fase defensiva e conta com uma intensa movimentação entre o
trio de ataque, formado por Luan, Diego Tardelli e Carlos.
Rivais mineiros foram a campo com sistemas espelhados,
mas com estilo de jogo bastante diferente
A defesa atleticana não iniciou o jogo com a compactação
costumeira e marcava através de pressão na frente e de perseguições no
meio-campo, oferecendo, assim, a possibilidade de
o Cruzeiro chegar à frente com seus toques rápidos, como conseguiu em boa chance desperdiçada por
Ricardo Goulart. Após os primeiros minutos, o Galo conseguiu estabelecer seu
sistema defensivo com as duas linhas de quatro bastante próximas e Diego
Tardelli e Dátolo marcando a troca de passes do meio-campo e da defesa
cruzeirense mais à frente. Sem Lucas Silva, que não vem em grande fase e ficou
no banco de reservas, o time celeste tinha dificuldades de furar o bloqueio
atleticano, apesar de ter mais posse de bola, já que seus volantes chegavam
pouco no terço ofensivo e os três jogadores que jogam alinhados atrás de
Marcelo Moreno pouco se movimentavam. Willian estava preso na marcação de Luan
e Marcos Rocha na direita e Everton Ribeiro voltava muitas vezes até o
meio-campo para buscar a bola e qualificar a transição cruzeirense. Desta
forma, Ricardo Goulart era quem imprimia uma maior movimentação pelo centro,
mas mesmo assim não conseguiu grandes oportunidades devido à forte marcação de
Leandro Donizete e Rafael Carioca por dentro e à falta de espaço no
entrelinhas, já que as duas linhas de marcação atleticanas eram bastante
próximas uma da outra.
Dátolo e Tardelli combatem Henrique e Nilton, enquanto
Everton Ribeiro já aparece voltando para buscar a bola. A linha de meio-campo
atleticana tem Donizete e Rafael Carioca limitando os espaços a Ricardo Goulart
por dentro, e Carlos e Luan observando a subida dos laterais adversários
(Reprodução: Rede Globo)
No ataque, o Atlético jogava como lhe é peculiar e
encontrava muitos espaços, sobretudo nos contra-ataques, já que a transição
defensiva cruzeirense é tradicionalmente lenta. Desta forma, os ataques
atleticanos encontravam, geralmente, apenas a linha de defesa e os dois
volantes celestes, o que facilitava as movimentações para criar espaços. O
Cruzeiro, salvo partidas específicas, não tem como característica a compactação
na fase defensiva, já que os jogadores de lado de campo não voltam para marcar
com tanta assiduidade, facilitando, sobretudo o apoio dos laterais rivais.
Cruzeiro marca no mesmo 4-2-3-1 que ataca,
dificilmente utilizando Willian e Everton Ribeiro para fecharem os extremos e
formarem uma segunda linha alinhados a Nilton e Henrique (Reprodução: Rede
Globo)
O primeiro tempo foi de posse de bola dividida,
embora o Cruzeiro tivesse ligeira vantagem na porcentagem, mas de domínio
territorial atleticano, já que o Galo era extremamente intenso em seus ataques e marcava com muito empenho para esterilizar a posse de bola
cruzeirense. O time alvinegro ainda passou pelo perrengue de perder novamente
Luan, o destaque do Galo na campanha da Copa do Brasil, que sentiu o joelho
ainda no primeiro tempo, e saiu para a entrada de Maicosuel. Neste sentido,
após algumas chances criadas, o Atlético conseguiu abrir o placar nos minutos
finais da primeira etapa. Dátolo cobrou escanteio da direita e Ricardo Goulart
afastou. No rebote, o argentino conseguiu novo cruzamento que encontrou Diego
Tardelli livre para cabecear e abrir o marcador. A falha é dupla no gol
atleticano: primeiro de Ricardo Goulart, que demorou para se recuperar após o
corte e deu condições para Tardelli finalizar livre de impedimento e depois de
Henrique, que era o atleta mais próximo do camisa 9 do Galo e ficou observando
a bola ser alçada na área, ao invés de disputá-la com Tardelli.
Sentindo na pele o mesmo que o grande rival sentiu
nas batalhas épicas contra Corinthians e Flamengo, a Raposa precisava de quatro
gols para reverter a conjuntura da grande final e repetir a Tríplice Coroa de
2003. Marcelo Oliveira permaneceu sereno e fez apenas uma mudança no intervalo:
a entrada de Willian Farias no lugar de Henrique, que saiu para o intervalo
carregado após sentir contusão. A modificação não alterou a estrutura do jogo e
o Cruzeiro ainda perdeu o volante que chegava com mais qualidade no terço ofensivo.
Levir Culpi manteve o Atlético atuando da mesma forma e a segunda etapa
continuou favorável ao Galo, até que o treinador trocou Rafael Carioca, que
ganhou a vaga para substituir o suspenso Josué pelas boas partidas que realizou
com o time reserva contra Figueirense e Palmeiras, após ter ficado longo
período fora de combate por lesão. Contra o Cruzeiro, o jogador participou
menos no ataque do que de costume, provavelmente a pedido do técnico. Rafael
deu lugar a Pierre, que dava mais consistência à pegada no meio-campo, que
passou a ser mais utilizado pelos ataques cruzeirenses a partir das
substituições de Marcelo Oliveira na metade final da etapa complementar.
Marcelo mandou a campo Júlio Baptista e Dagoberto,
sacando Ceará e Willian. Com isso, Willian Farias passou a trabalhar na
lateral-direita e o Cruzeiro foi em um 4-3-3 para buscar os improváveis quatro
gols. Ricardo Goulart foi atuar na ponta-direita, enquanto Dagoberto trabalhava
no flanco oposto e Júlio Baptista e Everton Ribeiro eram os meio-campistas pelo
centro responsáveis por armar o jogo cruzeirense. Marcelo Moreno continuou como
a referência de ataque e Nilton passou a ser o único volante responsável pela
marcação no meio-campo e pela saída de bola.
Time celeste foi para o desespero e o alvinegro
continuou fazendo seu jogo
As mudanças fizeram o Cruzeiro ter ainda mais a
bola, o que era previsível e estava nos planos do Atlético, que continuava se
compactando defensivamente e saindo em velocidade na transição, ao utilizar
contra-ataques e lançamentos longos a partir da defesa: foram 49 lançamentos ao
longo do jogo, apenas 12 certos. Mesmo com o Cruzeiro altamente ofensivo, a
compactação atleticana negava espaços para a infiltração cruzeirense e o
campeão brasileiro não conseguiu furar o bloqueio, porém mostrou determinação
por não deixar de tentar em nenhum momento, mesmo sabendo da impossibilidade de
chegar ao resultado necessário. A dificuldade em criar oportunidades por parte
do Cruzeiro também passa por Everton Ribeiro, que, atrapalhado, é claro, pela
marcação atleticana, foi quem mais errou passes na partida, 9 vezes, o que é
interessante, já que é sabido que os jogadores que mais erram passes em um jogo
geralmente são os volantes ou os laterais, os que mais vezes pegam na bola, e
não o jogador responsável pelo último passe.
A emocionante Copa do Brasil de 2014 foi
conquistada pelo time do momento no futebol brasileiro, mas que também é o que
teve a campanha mais espetacular ao longo da competição, eliminando o Palmeiras
de forma categórica nas oitavas-de-final, e o Corinthians e o Flamengo em
viradas antológicas nas quartas e nas semifinais. O maior barato da final
contra o Cruzeiro é que o gol que será lembrado como o do título foi anotado
por Diego Tardelli, a grande referência técnica do Galo que, curiosamente, não
marcara ainda na competição e, apesar de vir sendo importante na campanha, ainda
não conseguira ser decisivo e pôde presentear os atleticanos no Mineirão, que
não é mais a casa mas é o “salão de festas” do Galo, segundo as palavras do próprio
Tardelli.
Ao final do jogo, de maneira justíssima, as duas
torcidas comemoravam no Mineirão: os cruzeirenses, o título do Brasileirão que
mal tiveram tempo de celebrar por causa da final e os atleticanos, o da Copa do
Brasil, uma conquista que coroa o grande trabalho de Levir Culpi, que voltou ao
Brasil com muita desconfiança da torcida e da crítica e hoje é unanimidade não
só em Minas Gerais, apontado por muitos como o melhor técnico do ano, ao lado
de Marcelo Oliveira, que faz trabalho magnífico no Cruzeiro desde 2013 e terá
outras chances de conquistar um torneio de tiro curto como a Copa do Brasil.
As competições nacionais premiaram de forma justa
os dois principais times do futebol brasileiro em 2014, que, não por
coincidência, vêm do mesmo estado, o mais vitorioso do Brasil nos últimos dois
anos, com dois Brasileiros do Cruzeiro e uma Libertadores e uma Copa do Brasil
do Atlético. Em que pese os problemas causados pelas diretorias, em conjunto
com a Polícia Militar e com a Minas Arena com relação à forma como levaram a
venda de ingressos para os dois jogos, que não tiveram estádios cheios, as
diretorias da Raposa e do Galo estão de parabéns pelo planejamento que
conseguem executar dentro dos clubes nos últimos anos, dando tempo e respaldo
para os técnicos executarem seus projetos, com elencos qualificados e condições
de trabalho para que se consiga formar times vencedores, como, de fato, são
este Atlético e este Cruzeiro.
*Dados estatísticos retirados do Footstats
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)