A Copa Sul-Americana chega à sua decisão em uma das
edições mais destacadas da história da jovem competição. Atletico Nacional de
Medellín e River Plate, que eliminaram, respectivamente, os não menos gigantes
continentais São Paulo e Boca Juniors nas semifinais, chegaram à grande final
como atuais campeões nacionais de seus países, mostrando estarem no topo do
futebol colombiano e argentino, os mais bem vistos dentro da América do Sul em
2014.
O maior barato da Copa Sul-Americana de 2014 foi o
fato de as grandes equipes que chegaram às fases mais agudas terem priorizado a
competição em detrimento dos campeonatos nacionais, dando mais brilho ao
segundo torneio em importância da América do Sul, e não pela vaga na
Libertadores que a Sul-Americana reserva ao seu campeão, já que os quatro
semifinalistas já conquistaram este direito por meio das competições que
disputam domesticamente, mas pela taça que pode ser levantada, outrora tão
menosprezada pelos grandes times do continente, sobretudo em terras tupiniquins.
O Nacional de Medellín, que fez boa campanha na
Libertadores durante o primeiro semestre, chegou com toda a força para disputar
a Sul-Americana, ao eliminar o poderoso São Paulo de Kaká, Ganso, Luís Fabiano
e Rogério Ceni em pleno Morumbi. O técnico Juan Carlos Osorio, ídolo da torcida
verdolaga, já afirmou que não deixa o
Nacional enquanto não levar o clube de volta a uma conquista internacional, que
não vem desde a década de 1990. Para tanto, será necessário derrotar o River
Plate de Marcelo Gallardo, que tampouco conquista um título continental desde
os anos 1990.
A sede por vitórias além das fronteiras nacionais
levou as duas equipes a priorizarem a Sul-Americana em detrimento dos seus campeonatos
nacionais, mas, mesmo assim, ambas continuam com possibilidades de conquistarem
dois títulos neste fim de semestre. O River mantém as esperanças do
bicampeonato nacional, já que conseguiu o adiamento da última rodada do Torneo Transición, que será disputada
apenas após as finais da Sul-Americana, o que minimiza um pouco as críticas da
imprensa argentina a “Muñeco”
Gallardo, por ter arriscado ao abrir mão do que pode ter sido o jogo do título contra o Racing no
Cilindro de Avellaneda, quando ainda liderava o campeonato. Em terras cafeteras, “El Recreacionista” Osorio utilizou times alternativos no
campeonato nacional durante as fases semifinais da Sul-Americana, mas teve mais
sorte e continua com boas possibilidades de chegar à final da Liga Postobón,
que decide o campeonato colombiano deste semestre, contra o rival Independiente
de Medellín, e conquistar o tricampeonato colombiano.
No primeiro jogo da final, o pulsante Atanasio
Girardot recebeu os finalistas com uma festa digna da tradição do futebol
sul-americano que ainda persiste em alguns lugares do continente, embora esteja
sendo aos poucos removida do futebol brasileiro no processo de elitização que vêm
sofrendo nossos estádios.
Com algumas mudanças em comparação ao time que
eliminou o São Paulo, o Atletico Nacional entrou em campo novamente sem
Sherman Cárdenas, que foi o grande destaque do time na campanha da
Libertadores, mas tem perdido espaço nesta fase final do segundo semestre de
2014. Com isso, apenas o talentoso Edwin Cardona tinha a responsabilidade de orquestrar
os verdes de Medellín, que foram armados por Juan Carlos Osorio em um 3-3-1-3
um pouco diferente do 4-2-3-1 e do 3-4-2-1 que foi mais comum na trajetória da
Sul-Americana. O sistema é parecido com o que Marcelo Bielsa, grande influência
da maioria dos técnicos emergentes do futebol sul-americano, quase sempre
utilizou ao longo de sua carreira. Osorio é um treinador estudioso, com
formação teórica e prática no futebol inglês, onde foi auxiliar do Manchester
City, e carreira de destaque na Major League Soccer antes de alcançar sucesso
no futebol de seu país. Daniel Bocanegra, outro destaque do Nacional na
Libertadores, deixou de ser lateral, passando a compor o trio de defensores
pela direita, ao lado de Alexis Henríquez e Oscar Murillo. No meio-campo,
Alejandro Bernal e Farid Díaz fechavam os flancos, com o capitão Alexander
Mejía entre os dois para fazer a saída de bola verdolaga. Mais à frente, Cardona executava o papel de enganche
para o trio de ataque, formado por Orlando Berio e Jonathan Copete pelas pontas
e Luis Carlos Ruiz como a referência.
Gallardo, por sua vez, manteve o River Plate no
losango habitual, com a ótima trinca de volantes formada por Leonardo Ponzio na
primeira função e Ariel Rojas e o uruguaio Carlos Sánchez como internos, enquanto
o ótimo Leonardo Pisculichi executa o papel de enganche, que muitas vezes foi
de Gallardo, para o colombiano Teo Gutiérrez e o uruguaio Rodrigo Mora, os
homens mais avançados do conjunto Millonario.
A única mudança significativa aconteceu na lateral-direita, com o promissor
Emanuel Mammana substituindo o titular Gabriel Mercado, suspenso.
A formação já tradicional de Gallardo encontrou a
também tradicional variação tática de Osorio, que novamente modificou seu time
contra um adversário diferente
O primeiro tempo foi de inteiro domínio do time da
casa, que, empurrado pela hinchada
verdolaga, criou as melhores oportunidades. Ao alargar o jogo com as
subidas de Bernal e Díaz pelos extremos e a amplitude que era dada pelas pontas
por Berrio e Copete, o conjunto verde obrigava ao River que trabalhasse com
seus volantes muito distantes na segunda linha de marcação, dando espaço para
que Cardona conduzisse a bola e tivesse oportunidade para finalizar, mas,
principalmente, para encontrar o passe em profundidade para os três atacantes.
De vários passes de Cardona nas costas dos laterais millonarios surgiram situações perigosas à meta de Barovero,
inclusive o gol verdolaga¸ que saiu
na metade final da etapa inicial, quando Berrio recebeu em profundidade às
costas de Leonel Vangioni e finalizou cruzado cara a cara com o capitão dos Millos.
Trinca de volantes do River trabalhou bastante
espaçada no primeiro tempo para marcar as subidas dos alas, oferecendo, pois,
muitos espaços para os passes em profundidade de Cardona (Reprodução: Fox
Sports)
Na fase defensiva do Atletico Nacional, os pontas
voltavam para trabalhar alinhados a Cardona no meio-campo e, dependendo da
movimentação do River no terço ofensivo, fechar uma segunda linha de quatro à
frente da defesa. Quando os visitantes atacavam pela direita, Murillo fazia o
time balançar na direção da bola, enquanto Bernal se juntava aos defensores
para fechar a primeira linha com Bocanegra, Henríquez e Murillo, e os pontas
recuavam e se juntavam a Mejía e Díaz na segunda linha de quatro. Quando o
River atacava pelo lado oposto, Bocanegra era quem balançava e levava os outros
defensores, ao passo que Díaz fechava o flanco esquerdo da linha defensiva e
Bernal se juntava a Mejía por dentro para completar a segunda linha com Berrio
e Copete nos extremos.
Quando o River tinha a bola no meio-campo, Díaz, Mejía
e Bernal se compactavam para dificultar a infiltração, obrigando aos Millonarios
buscarem o jogo pelas laterais, quando os atacantes de lado do Nacional
voltavam para fechar as linhas de quatro citadas no parágrafo acima
(Reprodução: Fox Sports)
A execução da proposta de Osorio foi perfeita na
primeira parte, e o time da casa foi para o intervalo sem ser assustado pelo
adversário, dominando completamente o jogo quando tinha a bola e negando os
espaços quando o River tentava executar suas jogadas de ataque. Nem mesmo a
troca forçada de Bernal, lesionado, por Alejandro Guerra nos minutos finais,
fez com que o campeão colombiano abrandasse seu ímpeto ofensivo e defensivo.
As equipes voltaram para a segunda etapa sem
modificações de peças ou mesmo táticas, mas a postura dos visitantes foi
diferente desde o primeiro dos 45 minutos finais. Com Pisculichi se
movimentando mais para buscar se desvencilhar da ótima marcação de Mejía, o
Nacional passou a ter mais dificuldades, já que o River também tinha em Sánchez
e Rojas dois homens mais agudos pelo meio-campo, que ainda contavam com o apoio
dos laterais para executar as jogadas de lado, sobretudo Vangioni pela
esquerda. Com isso, o River empurrou o time da casa para seu campo e passou a
criar oportunidades com os deslocamentos de Teo Gutiérrez e Mora, que se
movimentavam para abrir espaço um ao outro e também para os homens que chegavam
de trás, como aconteceu em boa infiltração de Sánchez na diagonal do meio para
a esquerda, com o uruguaio conseguindo finalizar para boa defesa do ótimo Franco Armani,
argentino assumidamente hincha millonario¸
que faz boa temporada com a camisa do Nacional de Medellín.
Sentindo a dificuldade de segurar o ímpeto do novo
River que voltou para o segundo tempo, Osorio colocou Sebastián Pérez na vaga
de um inoperante Copete. Neste sentido, Guerra saiu da função de ala/volante,
que desempenhava desde que entrou na vaga de Bernal, e passou a atuar como
atacante pela esquerda no 3-3-1-3 verdolaga.
Gallardo também mexeu em seu time e promoveu Augusto Solari à vaga de Mammana
na lateral-direita. Solari, meio-campista de origem, era cotado para iniciar a
partida, mas a ideia de ter um atleta mais contido na função fez “Muñeco” começar com o jovem Mammana.
Mesmo com a mudança de Osorio, o River continuou
dominando e chegou ao gol de empate com Pisculichi, que, percebendo a falta de
espaço para um passe ou uma infiltração na compacta defesa verde, finalizou
forte de longe antes que a marcação apertasse e venceu Armani, que chegou a tocar
na bola. Após o gol, Fernando Cavenaghi, ainda voltando à melhor forma após
período lesionado, entrou na vaga de Mora pelo lado millonario e Berrio, que não rendeu no segundo tempo o que rendera
no primeiro, saiu para dar lugar a Wilder Guisao no Nacional de Medellín.
O time da casa passou a pressionar e ter ainda mais
a bola, com um River satisfeito com o empate fora de casa, resultado
extremamente difícil para qualquer equipe que visita o Atanasio Girardot. Após
alguns minutos de pressão verdolaga¸
Gallardo promoveu o jovem volante Matías Kranevitter, que vem de contusão,
sacando um desgastado Pisculichi. Neste sentido, o losango de meio-campo foi
mantido, mas Ponzio, outrora primeiro volante, deixou a função com Kranevitter
e foi atuar mais adiantado, no espaço que era ocupado por Pisculichi. Ponzio
não mudou de posição para armar o River, e, sim, para apertar individualmente a
saída de bola do Nacional que era feita por Mejía, um dos principais nomes do
time cafetero na partida e na
temporada. Com Ponzio marcando mais adiantado, o time mandante não conseguia
assustar, já que tinha sua transição ofensiva prejudicada.
Osorio fez mudança,s mas manteve o Nacional na mesma
estrutura tática durante os 90 minutos, enquanto o River trocou apenas a função
do homem que trabalha atrás dos atacantes, que deixou de ser um enganche para
ser um volante mais adiantado
Flagrante do losango do River, agora com um viés mais
defensivo pela presença de Ponzio no espaço que era ocupado por Pisculichi,
visando atrapalhar a saída de bola de Mejía, o jogador que mais acertou passes
no decorrer da partida (Reprodução: Fox Sports)
O cotejo foi levado desta forma até o apito
derradeiro do brasileiro Ricardo Marques Ribeiro, que teve arbitragem tranquila
ao lado de seus auxiliares, colaborada pelo jogo limpo que praticaram River Plate
e Atletico Nacional. O River, que joga o melhor futebol da Argentina na
temporada, conquistou resultado importante fora de casa, que fez a hinchada millonaria que se deslocou até Medellín
celebrar e aumentar ainda mais as suas esperanças de voltar a conquistar um
título continental após tanto tempo.
Juan Carlos Osorio escalou seu time de maneira
ofensiva e não ficou nada feliz em não conseguir o resultado em casa, o que
provavelmente o fará poupar novamente alguns de seus principais jogadores na
rodada de fim de semana da Liga Postobón, crucial se o conjunto verdolaga ainda mantém esperanças do
tricampeonato colombiano. Mesmo com o resultado ruim, a falta do gol
qualificado no regulamento da final da Copa Sul-Americana faz com que qualquer
empate leve a decisão para os pênaltis, onde o Nacional já mostrou seu valor ao
eliminar o São Paulo no Morumbi. A vitória no Monumental de Nuñez, todavia, não
é um resultado impossível, já que os comandados de Osorio também atuam bem fora de
casa, deixando a final da próxima semana totalmente aberta.
*Dados estatísticos retirados do Footstats
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)