quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Na final da Sul-Americana, um grande duelo tático foi travado entre dois dos principais treinadores da América do Sul em 2014

A Copa Sul-Americana chega à sua decisão em uma das edições mais destacadas da história da jovem competição. Atletico Nacional de Medellín e River Plate, que eliminaram, respectivamente, os não menos gigantes continentais São Paulo e Boca Juniors nas semifinais, chegaram à grande final como atuais campeões nacionais de seus países, mostrando estarem no topo do futebol colombiano e argentino, os mais bem vistos dentro da América do Sul em 2014.

O maior barato da Copa Sul-Americana de 2014 foi o fato de as grandes equipes que chegaram às fases mais agudas terem priorizado a competição em detrimento dos campeonatos nacionais, dando mais brilho ao segundo torneio em importância da América do Sul, e não pela vaga na Libertadores que a Sul-Americana reserva ao seu campeão, já que os quatro semifinalistas já conquistaram este direito por meio das competições que disputam domesticamente, mas pela taça que pode ser levantada, outrora tão menosprezada pelos grandes times do continente, sobretudo em terras tupiniquins.

O Nacional de Medellín, que fez boa campanha na Libertadores durante o primeiro semestre, chegou com toda a força para disputar a Sul-Americana, ao eliminar o poderoso São Paulo de Kaká, Ganso, Luís Fabiano e Rogério Ceni em pleno Morumbi. O técnico Juan Carlos Osorio, ídolo da torcida verdolaga, já afirmou que não deixa o Nacional enquanto não levar o clube de volta a uma conquista internacional, que não vem desde a década de 1990. Para tanto, será necessário derrotar o River Plate de Marcelo Gallardo, que tampouco conquista um título continental desde os anos 1990.

A sede por vitórias além das fronteiras nacionais levou as duas equipes a priorizarem a Sul-Americana em detrimento dos seus campeonatos nacionais, mas, mesmo assim, ambas continuam com possibilidades de conquistarem dois títulos neste fim de semestre. O River mantém as esperanças do bicampeonato nacional, já que conseguiu o adiamento da última rodada do Torneo Transición, que será disputada apenas após as finais da Sul-Americana, o que minimiza um pouco as críticas da imprensa argentina a “Muñeco” Gallardo, por ter arriscado ao abrir mão do que pode ter sido o jogo do título contra o Racing no Cilindro de Avellaneda, quando ainda liderava o campeonato. Em terras cafeteras, “El Recreacionista” Osorio utilizou times alternativos no campeonato nacional durante as fases semifinais da Sul-Americana, mas teve mais sorte e continua com boas possibilidades de chegar à final da Liga Postobón, que decide o campeonato colombiano deste semestre, contra o rival Independiente de Medellín, e conquistar o tricampeonato colombiano.

No primeiro jogo da final, o pulsante Atanasio Girardot recebeu os finalistas com uma festa digna da tradição do futebol sul-americano que ainda persiste em alguns lugares do continente, embora esteja sendo aos poucos removida do futebol brasileiro no processo de elitização que vêm sofrendo nossos estádios.

Com algumas mudanças em comparação ao time que eliminou o São Paulo, o Atletico Nacional entrou em campo novamente sem Sherman Cárdenas, que foi o grande destaque do time na campanha da Libertadores, mas tem perdido espaço nesta fase final do segundo semestre de 2014. Com isso, apenas o talentoso Edwin Cardona tinha a responsabilidade de orquestrar os verdes de Medellín, que foram armados por Juan Carlos Osorio em um 3-3-1-3 um pouco diferente do 4-2-3-1 e do 3-4-2-1 que foi mais comum na trajetória da Sul-Americana. O sistema é parecido com o que Marcelo Bielsa, grande influência da maioria dos técnicos emergentes do futebol sul-americano, quase sempre utilizou ao longo de sua carreira. Osorio é um treinador estudioso, com formação teórica e prática no futebol inglês, onde foi auxiliar do Manchester City, e carreira de destaque na Major League Soccer antes de alcançar sucesso no futebol de seu país. Daniel Bocanegra, outro destaque do Nacional na Libertadores, deixou de ser lateral, passando a compor o trio de defensores pela direita, ao lado de Alexis Henríquez e Oscar Murillo. No meio-campo, Alejandro Bernal e Farid Díaz fechavam os flancos, com o capitão Alexander Mejía entre os dois para fazer a saída de bola verdolaga. Mais à frente, Cardona executava o papel de enganche para o trio de ataque, formado por Orlando Berio e Jonathan Copete pelas pontas e Luis Carlos Ruiz como a referência.

Gallardo, por sua vez, manteve o River Plate no losango habitual, com a ótima trinca de volantes formada por Leonardo Ponzio na primeira função e Ariel Rojas e o uruguaio Carlos Sánchez como internos, enquanto o ótimo Leonardo Pisculichi executa o papel de enganche, que muitas vezes foi de Gallardo, para o colombiano Teo Gutiérrez e o uruguaio Rodrigo Mora, os homens mais avançados do conjunto Millonario. A única mudança significativa aconteceu na lateral-direita, com o promissor Emanuel Mammana substituindo o titular Gabriel Mercado, suspenso.

A formação já tradicional de Gallardo encontrou a também tradicional variação tática de Osorio, que novamente modificou seu time contra um adversário diferente

O primeiro tempo foi de inteiro domínio do time da casa, que, empurrado pela hinchada verdolaga, criou as melhores oportunidades. Ao alargar o jogo com as subidas de Bernal e Díaz pelos extremos e a amplitude que era dada pelas pontas por Berrio e Copete, o conjunto verde obrigava ao River que trabalhasse com seus volantes muito distantes na segunda linha de marcação, dando espaço para que Cardona conduzisse a bola e tivesse oportunidade para finalizar, mas, principalmente, para encontrar o passe em profundidade para os três atacantes. De vários passes de Cardona nas costas dos laterais millonarios surgiram situações perigosas à meta de Barovero, inclusive o gol verdolaga¸ que saiu na metade final da etapa inicial, quando Berrio recebeu em profundidade às costas de Leonel Vangioni e finalizou cruzado cara a cara com o capitão dos Millos.

Trinca de volantes do River trabalhou bastante espaçada no primeiro tempo para marcar as subidas dos alas, oferecendo, pois, muitos espaços para os passes em profundidade de Cardona (Reprodução: Fox Sports)

Na fase defensiva do Atletico Nacional, os pontas voltavam para trabalhar alinhados a Cardona no meio-campo e, dependendo da movimentação do River no terço ofensivo, fechar uma segunda linha de quatro à frente da defesa. Quando os visitantes atacavam pela direita, Murillo fazia o time balançar na direção da bola, enquanto Bernal se juntava aos defensores para fechar a primeira linha com Bocanegra, Henríquez e Murillo, e os pontas recuavam e se juntavam a Mejía e Díaz na segunda linha de quatro. Quando o River atacava pelo lado oposto, Bocanegra era quem balançava e levava os outros defensores, ao passo que Díaz fechava o flanco esquerdo da linha defensiva e Bernal se juntava a Mejía por dentro para completar a segunda linha com Berrio e Copete nos extremos.

Quando o River tinha a bola no meio-campo, Díaz, Mejía e Bernal se compactavam para dificultar a infiltração, obrigando aos Millonarios buscarem o jogo pelas laterais, quando os atacantes de lado do Nacional voltavam para fechar as linhas de quatro citadas no parágrafo acima (Reprodução: Fox Sports)

A execução da proposta de Osorio foi perfeita na primeira parte, e o time da casa foi para o intervalo sem ser assustado pelo adversário, dominando completamente o jogo quando tinha a bola e negando os espaços quando o River tentava executar suas jogadas de ataque. Nem mesmo a troca forçada de Bernal, lesionado, por Alejandro Guerra nos minutos finais, fez com que o campeão colombiano abrandasse seu ímpeto ofensivo e defensivo.

As equipes voltaram para a segunda etapa sem modificações de peças ou mesmo táticas, mas a postura dos visitantes foi diferente desde o primeiro dos 45 minutos finais. Com Pisculichi se movimentando mais para buscar se desvencilhar da ótima marcação de Mejía, o Nacional passou a ter mais dificuldades, já que o River também tinha em Sánchez e Rojas dois homens mais agudos pelo meio-campo, que ainda contavam com o apoio dos laterais para executar as jogadas de lado, sobretudo Vangioni pela esquerda. Com isso, o River empurrou o time da casa para seu campo e passou a criar oportunidades com os deslocamentos de Teo Gutiérrez e Mora, que se movimentavam para abrir espaço um ao outro e também para os homens que chegavam de trás, como aconteceu em boa infiltração de Sánchez na diagonal do meio para a esquerda, com o uruguaio conseguindo finalizar para boa defesa do ótimo Franco Armani, argentino assumidamente hincha millonario¸ que faz boa temporada com a camisa do Nacional de Medellín.

Sentindo a dificuldade de segurar o ímpeto do novo River que voltou para o segundo tempo, Osorio colocou Sebastián Pérez na vaga de um inoperante Copete. Neste sentido, Guerra saiu da função de ala/volante, que desempenhava desde que entrou na vaga de Bernal, e passou a atuar como atacante pela esquerda no 3-3-1-3 verdolaga. Gallardo também mexeu em seu time e promoveu Augusto Solari à vaga de Mammana na lateral-direita. Solari, meio-campista de origem, era cotado para iniciar a partida, mas a ideia de ter um atleta mais contido na função fez “Muñeco” começar com o jovem Mammana.

Mesmo com a mudança de Osorio, o River continuou dominando e chegou ao gol de empate com Pisculichi, que, percebendo a falta de espaço para um passe ou uma infiltração na compacta defesa verde, finalizou forte de longe antes que a marcação apertasse e venceu Armani, que chegou a tocar na bola. Após o gol, Fernando Cavenaghi, ainda voltando à melhor forma após período lesionado, entrou na vaga de Mora pelo lado millonario e Berrio, que não rendeu no segundo tempo o que rendera no primeiro, saiu para dar lugar a Wilder Guisao no Nacional de Medellín.

O time da casa passou a pressionar e ter ainda mais a bola, com um River satisfeito com o empate fora de casa, resultado extremamente difícil para qualquer equipe que visita o Atanasio Girardot. Após alguns minutos de pressão verdolaga¸ Gallardo promoveu o jovem volante Matías Kranevitter, que vem de contusão, sacando um desgastado Pisculichi. Neste sentido, o losango de meio-campo foi mantido, mas Ponzio, outrora primeiro volante, deixou a função com Kranevitter e foi atuar mais adiantado, no espaço que era ocupado por Pisculichi. Ponzio não mudou de posição para armar o River, e, sim, para apertar individualmente a saída de bola do Nacional que era feita por Mejía, um dos principais nomes do time cafetero na partida e na temporada. Com Ponzio marcando mais adiantado, o time mandante não conseguia assustar, já que tinha sua transição ofensiva prejudicada.

Osorio fez mudança,s mas manteve o Nacional na mesma estrutura tática durante os 90 minutos, enquanto o River trocou apenas a função do homem que trabalha atrás dos atacantes, que deixou de ser um enganche para ser um volante mais adiantado

Flagrante do losango do River, agora com um viés mais defensivo pela presença de Ponzio no espaço que era ocupado por Pisculichi, visando atrapalhar a saída de bola de Mejía, o jogador que mais acertou passes no decorrer da partida (Reprodução: Fox Sports)

O cotejo foi levado desta forma até o apito derradeiro do brasileiro Ricardo Marques Ribeiro, que teve arbitragem tranquila ao lado de seus auxiliares, colaborada pelo jogo limpo que praticaram River Plate e Atletico Nacional. O River, que joga o melhor futebol da Argentina na temporada, conquistou resultado importante fora de casa, que fez a hinchada millonaria que se deslocou até Medellín celebrar e aumentar ainda mais as suas esperanças de voltar a conquistar um título continental após tanto tempo.

Juan Carlos Osorio escalou seu time de maneira ofensiva e não ficou nada feliz em não conseguir o resultado em casa, o que provavelmente o fará poupar novamente alguns de seus principais jogadores na rodada de fim de semana da Liga Postobón, crucial se o conjunto verdolaga ainda mantém esperanças do tricampeonato colombiano. Mesmo com o resultado ruim, a falta do gol qualificado no regulamento da final da Copa Sul-Americana faz com que qualquer empate leve a decisão para os pênaltis, onde o Nacional já mostrou seu valor ao eliminar o São Paulo no Morumbi. A vitória no Monumental de Nuñez, todavia, não é um resultado impossível, já que os comandados de Osorio também atuam bem fora de casa, deixando a final da próxima semana totalmente aberta.

*Dados estatísticos retirados do Footstats

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)