quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Retrospectiva Brasileirão 2014: Figueirense

Campeão estadual no primeiro semestre e melhor time de Santa Catarina na colocação final do Brasileirão, o Figueirense, em 2014, foi o principal clube do estado que mais cresce no cenário nacional, além do Joinville, campeão da Série B. Isto só confirma o destaque que o Furacão do Estreito tem alcançado no futebol brasileiro ao longo das duas últimas décadas, fazendo uma final de Copa do Brasil, em 2007, e participando de dez das últimas treze edições do Campeonato Brasileiro da Série A.

O sofrido acesso conquistado pelos comandados de Vinícius Eutrópio em 2013, com campanha de recuperação após arrancada nas últimas rodadas da Série B, culminou com a volta do Figueirense à Série A apenas uma temporada após o rebaixamento. O grande trabalho de Eutrópio foi premiado com a manutenção do técnico para 2014, quando o Figueira alcançou o título estadual ao bater o Joinville. Tanto na Série B quanto no catarinense, o Figueirense atuava em um 4-2-3-1 compacto na fase defensiva e que tinha na agressividade dos jogadores de lado de campo a principal característica, além da bola parada de Marcos Assunção, que não fez parte da campanha do acesso, mas foi fundamental na conquista do catarinense.

Escalação mais comum do Figueirense no primeiro semestre de 2014, incluindo a final do catarinense contra o Joinville e a estreia no Brasileirão contra o Fluminense

Figueirense 2x1 Joinville: com Eutrópio, Figueirense se defendia no 4-4-1-1, com o recuo dos pontas alinhados aos volantes para formar uma segunda linha de quatro próxima dos defensores (Reprodução: Premiere)

Para a Série A, Vinícius Eutrópio manteve a base do estadual e o sistema de jogo e, após duas derrotas nas primeiras rodadas para Fluminense e Bahia, foi inexplicavelmente demitido, levando consigo Marcos Assunção, então capitão do time, que rescindiu seu contrato em solidariedade ao treinador. Para o lugar de Eutrópio, a diretoria anunciou Guto Ferreira, que havia feito trabalhos interessantes na Ponte Preta e na Portuguesa, que, é bom lembrar, foi rebaixada pelo STJD, apesar de ter conseguido se salvar dentro de campo e com vários problemas financeiros.

No Figueirense, Guto teve muitas dificuldades para trabalhar, já que torcida e imprensa local não aceitaram muito bem a demissão de Vinícius Eutrópio, fazendo com que a cobrança com relação ao novo treinador fosse dobrada. Neste sentido, o Figueirense, de novo comando, abandonou o 4-2-3-1 e passou a atuar em um 4-3-1-2, com um losango de meio-campo, que variava para 4-1-4-1 em alguns momentos da fase defensiva, sobretudo contra times que usavam muito as laterais para atacar.

Com algumas mudanças nas peças de jogo a jogo, sobretudo pela dificuldade de conseguir bons resultados, a formação com meio-campo em losango era a prioritária durante o tempo que Guto Ferreira passou à frente do Figueirense

Com Guto Ferreira, o Figueirense atuava com uma proposta reativa, com linhas de marcação bastante próximas, entregando a bola para o adversário e buscando o contragolpe para atacar, como foi na partida contra o Corinthians, quando veio a primeira vitória do Figueirense no campeonato, com o famoso gol de Giovanni Augusto, o primeiro da Arena Corinthians. Apesar do feito de Itaquera, as partidas seguintes sob o comando de Guto Ferreira colocaram o Figueirense de volta à realidade e o clube ficou por várias rodadas na lanterna do Brasileirão, além de ser eliminado pelo Bragantino na Copa do Brasil, em pleno Orlando Scarpelli.

Losango de Guto Ferreira na inauguração da Arena Corinthians, quando o Giovanni Augusto estragou a festa corintiana (Reprodução Premiere)

Guto tentou de várias formas modificar a situação do Figueirense, apesar de manter o sistema de jogo, inclusive após a parada para a Copa do Mundo, quando, mesmo com alguns reforços pontuais, o time não conseguiu engrenar e se manteve na lanterna da competição, até que, após a queda para o Bragantino na Copa do Brasil, o treinador foi mandado embora e deu lugar a Argel Fucks, com passagem pelo Figueirense em 2012, ano do rebaixamento, e que não deixara muitas saudades.

Argel, que já substituíra Guto Ferreira na Portuguesa no primeiro semestre, voltava ao Figueirense para tentar provar seu amadurecimento como treinador, após salvar o Criciúma e a Lusa de dois rebaixamentos, no Brasileirão de 2013 e no Paulistão de 2014, respectivamente. Neste sentido, o técnico assumiu o time numa quinta-feira e, no sábado, já foi para o banco de reservas do Mineirão enfrentar o Cruzeiro. A primeira atitude de Argel agradou a torcida, ao passar a faixa de capitão, que era de Ricardo Bueno com Guto Ferreira, para Tiago Volpi, o jovem mas promissor goleiro catarinense, destaque do acesso e do título estadual e único jogador poupado das críticas pela campanha medíocre. Mantendo o sistema do antecessor e sem tempo para trabalhar movimentos e situações específicas, o Figueirense conseguiu dificultar para o campeão brasileiro no primeiro tempo, até que, em pênalti polêmico convertido por Lucas Silva no fim do primeiro tempo, o time celeste conseguiu esfriar o ímpeto do visitante e passeou na segunda etapa, carimbando a estreia de Argel Fucks com um sonoro 5 a 0.

Na sequência da fatídica derrota, Argel teve um pouco mais de tempo para implantar sua filosofia ao time e conseguiu encaixar uma excelente sequência de oito jogos sem derrota, descobrindo um padrão para o 4-3-1-2 do Figueira, que encontrou em Marco Antônio o homem para controlar o meio-campo, em Paulo Roberto o primeiro volante que marcava forte e qualificava a transição ofensiva e em Rivaldo o atleta que completava a trinca de volantes e dava a dinâmica que o time necessitava entre meio e ataque, já que, além do bom passe e da velocidade, tem boa chegada à frente e trabalha muito bem com o lateral pela esquerda na hora de atacar. Além do tripé de volantes, Leandro Silva voltou a viver boa fase na lateral-direita, assim como Roberto Cereceda, que após período de adaptação tomou conta da lateral-esquerda, tornando-se peça chave na recuperação do Figueirense no campeonato, sobretudo pela sua segurança defensiva, outra marca da dupla de zaga formada por Thiago Heleno e Marquinhos, que conquistou a posição que era de Nirley após a chegada de Guto Ferreira e compôs uma das melhores duplas de zaga do campeonato com Thiago Heleno.

A sequência invicta foi racionalmente encarada por Argel como uma situação peculiar, que logo iria acabar e não seria realidade por muito tempo. O empate em casa com o Fluminense, na primeira rodada do segundo turno, foi o último dos oito jogos sem perder, até que o Figueira foi derrotado pelo Bahia em Salvador. A partir daí, o técnico passou a afrontar diversos problemas físicos no elenco, o que fez com que Argel precisasse modificar a forma de jogo da equipe em algumas partidas. Foi aí também que a base alvinegra entrou, e os jovens jogadores formados no CFT do Cambirela começaram a aparecer.

O período de maior destaque de Argel como técnico alvinegro não foi nas oito partidas sem perder, e sim a partir do início do segundo turno, quando precisou variar o time taticamente e lançar jogadores das categorias de base como titulares pela grande quantidade de lesões que assombraram o elenco alvinegro. Foi neste momento, pois, que o treinador demonstrou sua capacidade e a grande evolução na carreira, que já havia sido exposta, embora com menos protagonismo, nos recentes trabalhos no Criciúma e na Portuguesa.

Além do 4-3-1-2, Argel Fucks escalou o Figueirense por várias vezes no 4-4-2 em linhas, com dois meias fechando os extremos sem a bola e armando a partir dos flancos, como nas vitórias contra Corinthians, Palmeiras e Chapecoense no Orlando Scarpelli, e no 4-2-3-1, que era utilizado mais nos segundos tempos, quando o Furacão se via em necessidades de buscar o resultado, como na virada sobre o Inter no Beira Rio, no empate em casa com o Cruzeiro e no empate fora contra o Atlético-MG.

Principais formações de Argel Fucks no comando do Figueirense, não necessariamente sempre com as mesmas peças. 1: Losango de meio-campo responsável pela recuperação do Figueira na metade final do primeiro turno. 2: 4-2-3-1 ofensivo, com o qual o Figueirense conseguiu reverter resultados durante partidas difíceis. 3: 4-4-2 em linhas passou a ser a variação de Argel ao 4-3-1-2, sobretudo para os jogos em casa, quando a posse de bola era mais valorizada e o time propunha o jogo, independente do adversário.

Figueirense 1x0 Corinthians: primeira vez que Argel utilizou o 4-4-2 em linhas em 2014, com intenção de reforçar a marcação por dentro com a entrada de França para fazer dupla com Paulo Roberto e dedicar atenção especial a Danilo no entrelinhas, além de fixar Marco Antônio e Giovanni Augusto marcando pelas pontas sem a bola (Foto: João Marcos Soares/A Prancheta Tática)

Santos 3x1 Figueirense: contra o Santos, o Figueirense fez boa partida e dominou as ações no 4-2-3-1 armado por Argel. O jogo, no entanto, foi decidido na individualidade de Robinho e Lucas Lima, como na maioria das vitórias do Santos em 2014 (Reprodução: Premiere)

Na reta final do campeonato, as lesões voltaram a assombrar o Figueirense, que acabou finalizando o ano com um time bastante diferente do que foi titular durante a maioria da campanha. As mudanças, no entanto, não mudaram o ímpeto do time, que, com a formação abaixo, salvo uma ou outra alteração, conquistou grandes resultados, inclusive os primeiros pontos fora de casa no segundo turno, contra Atlético-MG, Botafogo e São Paulo. Foi este time também o do triunfo contra o Vitória, que garantiu matematicamente a manutenção do Figueirense na Série A para 2015. Com a campanha sofrível de grande parte do primeiro turno, sem demonstrar poder de reação e sustentando a última posição por várias semanas, a permanência com duas rodadas de antecedência era algo impensável, tanto que foi comemorado como título pela torcida e jogadores alvinegros.

Escalação que permitiu ao Figueirense ficar na Série A com duas rodadas de antecipação

Como já citado, outro fator que elevou o patamar de Argel Fucks como técnico passou pela utilização dos jogadores das categorias de base, fazendo uma transição, apesar da necessidade, bastante satisfatória, sem depositar pressões desnecessárias em jogadores pouco experimentados e colocando-os pouco a pouco no time de forma a protegê-los. Os que mais se destacaram foram Marquinhos Pedroso, Leo Lisboa, Clayton, Jefferson, Dener e Luan. Nenhum revelado por Argel, mas todos ganharam protagonismo sob seu comando e, em determinado momento, chegaram a ser titulares do Figueirense. Além dos citados, Yago, William Potker, Luan Polli e Guilherme Lazaroni foram outros ‘pratas da casa’ que participaram da campanha de recuperação.

A campanha de 2014, aos olhos de quem acompanha de longe o futebol catarinense e o Figueirense em específico, não é algo para se orgulhar tanto, mas quem sabe das adversidades que o clube enfrentou durante o percurso, com atitudes questionáveis da diretoria, uma das menores folhas salariais do campeonato e a dificuldade de ter cumprido pena de jogar fora de casa ou com portões fechados nas primeiras rodadas do campeonato, sabe que o feito deve ser comemorado como um título, assim como a manutenção de Argel Fucks no comando do time para 2015, confirmada com a reeleição do presidente Wilfredo Brillinger na última terça-feira (16), que havia apalavrado a renovação do técnico caso fosse eleito. Neste sentido, o torcedor do Figueirense, embora conviva com dúvidas com relação à gestão atual do clube, sabe que a contração de Argel, questionada por 90% da torcida e imprensa de Florianópolis, foi o grande acerto da diretoria alvinegra na gestão, que possibilitou a recuperação do time, que, ao lado da Chapecoense, dará as boas vindas a Joinville e Avaí, recém-promovidos da Série B e que deixam o futebol catarinense, outrora insignificante no cenário nacional, com quatro times na elite, mais que os ricos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e até o vizinho Rio Grande do Sul. 2015 promete ser um grande ano para o futebol catarinense e o Figueirense, com a campanha que fez no segundo semestre de 2014 e a manutenção do trabalho para 2015, chega como a grande força do estado para voltar a fazer um grande papel no cenário nacional, como foi com a final da Copa do Brasil de 2007 e o sétimo lugar do Brasileirão de 2011, quando brigou pela vaga na Libertadores durante praticamente toda a competição.

Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)