Campeão estadual no primeiro semestre e melhor time
de Santa Catarina na colocação final do Brasileirão, o Figueirense, em 2014,
foi o principal clube do estado que mais cresce no cenário nacional, além do
Joinville, campeão da Série B. Isto só confirma o destaque que o Furacão do
Estreito tem alcançado no futebol brasileiro ao longo das duas últimas décadas,
fazendo uma final de Copa do Brasil, em 2007, e participando de dez das últimas
treze edições do Campeonato Brasileiro da Série A.
O sofrido acesso conquistado pelos comandados de
Vinícius Eutrópio em 2013, com campanha de recuperação após arrancada nas
últimas rodadas da Série B, culminou com a volta do Figueirense à Série A
apenas uma temporada após o rebaixamento. O grande trabalho de Eutrópio foi premiado
com a manutenção do técnico para 2014, quando o Figueira alcançou o título
estadual ao bater o Joinville. Tanto na Série B quanto no catarinense, o
Figueirense atuava em um 4-2-3-1 compacto na fase defensiva e que tinha na agressividade
dos jogadores de lado de campo a principal característica, além da bola parada
de Marcos Assunção, que não fez parte da campanha do acesso, mas foi
fundamental na conquista do catarinense.
Escalação
mais comum do Figueirense no primeiro semestre de 2014, incluindo a final do
catarinense contra o Joinville e a estreia no Brasileirão contra o Fluminense
Figueirense 2x1 Joinville: com Eutrópio, Figueirense
se defendia no 4-4-1-1, com o recuo dos pontas alinhados aos volantes para
formar uma segunda linha de quatro próxima dos defensores (Reprodução:
Premiere)
Para a Série A, Vinícius Eutrópio manteve a base do
estadual e o sistema de jogo e, após duas derrotas nas primeiras rodadas para
Fluminense e Bahia, foi inexplicavelmente demitido, levando consigo Marcos
Assunção, então capitão do time, que rescindiu seu contrato em solidariedade ao
treinador. Para o lugar de Eutrópio, a diretoria anunciou Guto Ferreira, que
havia feito trabalhos interessantes na Ponte Preta e na Portuguesa, que, é bom
lembrar, foi rebaixada pelo STJD, apesar de ter conseguido se salvar dentro de
campo e com vários problemas financeiros.
No Figueirense, Guto teve muitas dificuldades para
trabalhar, já que torcida e imprensa local não aceitaram muito bem a demissão
de Vinícius Eutrópio, fazendo com que a cobrança com relação ao novo treinador
fosse dobrada. Neste sentido, o Figueirense, de novo comando, abandonou o
4-2-3-1 e passou a atuar em um 4-3-1-2, com um losango de meio-campo, que
variava para 4-1-4-1 em alguns momentos da fase defensiva, sobretudo contra
times que usavam muito as laterais para atacar.
Com algumas mudanças nas peças de jogo a jogo,
sobretudo pela dificuldade de conseguir bons resultados, a formação com
meio-campo em losango era a prioritária durante o tempo que Guto Ferreira
passou à frente do Figueirense
Com Guto Ferreira, o Figueirense atuava com uma
proposta reativa, com linhas de marcação bastante próximas, entregando a bola
para o adversário e buscando o contragolpe para atacar, como foi na partida
contra o Corinthians, quando veio a primeira vitória do Figueirense no
campeonato, com o famoso gol de Giovanni Augusto, o primeiro da Arena
Corinthians. Apesar do feito de Itaquera, as partidas seguintes sob o comando
de Guto Ferreira colocaram o Figueirense de volta à realidade e o clube ficou
por várias rodadas na lanterna do Brasileirão, além de ser eliminado pelo
Bragantino na Copa do Brasil, em pleno Orlando Scarpelli.
Losango de Guto Ferreira na inauguração da Arena
Corinthians, quando o Giovanni Augusto estragou a festa corintiana (Reprodução
Premiere)
Guto tentou de várias formas modificar a situação
do Figueirense, apesar de manter o sistema de jogo, inclusive após a parada para
a Copa do Mundo, quando, mesmo com alguns reforços pontuais, o time não
conseguiu engrenar e se manteve na lanterna da competição, até que, após a
queda para o Bragantino na Copa do Brasil, o treinador foi mandado embora e deu
lugar a Argel Fucks, com passagem pelo Figueirense em 2012, ano do
rebaixamento, e que não deixara muitas saudades.
Argel, que já substituíra Guto Ferreira na
Portuguesa no primeiro semestre, voltava ao Figueirense para tentar provar seu
amadurecimento como treinador, após salvar o Criciúma e a Lusa de dois
rebaixamentos, no Brasileirão de 2013 e no Paulistão de 2014, respectivamente.
Neste sentido, o técnico assumiu o time numa quinta-feira e, no sábado, já foi
para o banco de reservas do Mineirão enfrentar o Cruzeiro. A primeira atitude
de Argel agradou a torcida, ao passar a faixa de capitão, que era de Ricardo
Bueno com Guto Ferreira, para Tiago Volpi, o jovem mas promissor goleiro
catarinense, destaque do acesso e do título estadual e único jogador poupado das
críticas pela campanha medíocre. Mantendo o sistema do antecessor e sem tempo
para trabalhar movimentos e situações específicas, o Figueirense conseguiu
dificultar para o campeão brasileiro no primeiro tempo, até que, em pênalti
polêmico convertido por Lucas Silva no fim do primeiro tempo, o time celeste conseguiu
esfriar o ímpeto do visitante e passeou na segunda etapa, carimbando a estreia
de Argel Fucks com um sonoro 5 a 0.
Na sequência da fatídica derrota, Argel teve um
pouco mais de tempo para implantar sua filosofia ao time e conseguiu encaixar
uma excelente sequência de oito jogos sem derrota, descobrindo um padrão para o
4-3-1-2 do Figueira, que encontrou em Marco Antônio o homem para controlar o
meio-campo, em Paulo Roberto o primeiro volante que marcava forte e qualificava
a transição ofensiva e em Rivaldo o atleta que completava a trinca de volantes
e dava a dinâmica que o time necessitava entre meio e ataque, já que, além do
bom passe e da velocidade, tem boa chegada à frente e trabalha muito bem com o
lateral pela esquerda na hora de atacar. Além do tripé de volantes, Leandro
Silva voltou a viver boa fase na lateral-direita, assim como Roberto Cereceda,
que após período de adaptação tomou conta da lateral-esquerda, tornando-se peça
chave na recuperação do Figueirense no campeonato, sobretudo pela sua segurança
defensiva, outra marca da dupla de zaga formada por Thiago Heleno e Marquinhos,
que conquistou a posição que era de Nirley após a chegada de Guto Ferreira e
compôs uma das melhores duplas de zaga do campeonato com Thiago Heleno.
A sequência invicta foi racionalmente encarada por
Argel como uma situação peculiar, que logo iria acabar e não seria realidade
por muito tempo. O empate em casa com o Fluminense, na primeira rodada do
segundo turno, foi o último dos oito jogos sem perder, até que o Figueira foi
derrotado pelo Bahia em Salvador. A partir daí, o técnico passou a afrontar
diversos problemas físicos no elenco, o que fez com que Argel precisasse
modificar a forma de jogo da equipe em algumas partidas. Foi aí também que a
base alvinegra entrou, e os jovens jogadores formados no CFT do Cambirela
começaram a aparecer.
O período de maior destaque de Argel como técnico alvinegro
não foi nas oito partidas sem perder, e sim a partir do início do segundo
turno, quando precisou variar o time taticamente e lançar jogadores das categorias
de base como titulares pela grande quantidade de lesões que assombraram o
elenco alvinegro. Foi neste momento, pois, que o treinador demonstrou sua capacidade
e a grande evolução na carreira, que já havia sido exposta, embora com menos
protagonismo, nos recentes trabalhos no Criciúma e na Portuguesa.
Além do 4-3-1-2, Argel Fucks escalou o Figueirense
por várias vezes no 4-4-2 em linhas, com dois meias fechando os extremos sem a
bola e armando a partir dos flancos, como nas vitórias contra Corinthians,
Palmeiras e Chapecoense no Orlando Scarpelli, e no 4-2-3-1, que era utilizado
mais nos segundos tempos, quando o Furacão se via em necessidades de buscar o
resultado, como na virada sobre o Inter no Beira Rio, no empate em casa com o
Cruzeiro e no empate fora contra o Atlético-MG.
Principais formações de Argel Fucks no comando do
Figueirense, não necessariamente sempre com as mesmas peças. 1: Losango de
meio-campo responsável pela recuperação do Figueira na metade final do primeiro
turno. 2: 4-2-3-1 ofensivo, com o qual o Figueirense conseguiu reverter
resultados durante partidas difíceis. 3: 4-4-2 em linhas passou a ser a
variação de Argel ao 4-3-1-2, sobretudo para os jogos em casa, quando a posse
de bola era mais valorizada e o time propunha o jogo, independente do
adversário.
Figueirense 1x0 Corinthians: primeira vez que Argel
utilizou o 4-4-2 em linhas em 2014, com intenção de reforçar a marcação por
dentro com a entrada de França para fazer dupla com Paulo Roberto e dedicar
atenção especial a Danilo no entrelinhas, além de fixar Marco Antônio e
Giovanni Augusto marcando pelas pontas sem a bola (Foto: João Marcos Soares/A
Prancheta Tática)
Santos 3x1 Figueirense: contra o Santos, o Figueirense
fez boa partida e dominou as ações no 4-2-3-1 armado por Argel. O jogo, no
entanto, foi decidido na individualidade de Robinho e Lucas Lima, como na
maioria das vitórias do Santos em 2014 (Reprodução: Premiere)
Na reta final do campeonato, as lesões voltaram a
assombrar o Figueirense, que acabou finalizando o ano com um time bastante
diferente do que foi titular durante a maioria da campanha. As mudanças, no
entanto, não mudaram o ímpeto do time, que, com a formação abaixo, salvo uma ou
outra alteração, conquistou grandes resultados, inclusive os primeiros pontos
fora de casa no segundo turno, contra Atlético-MG, Botafogo e São Paulo. Foi
este time também o do triunfo contra o Vitória, que garantiu matematicamente a
manutenção do Figueirense na Série A para 2015. Com a campanha sofrível de
grande parte do primeiro turno, sem demonstrar poder de reação e sustentando a
última posição por várias semanas, a permanência com duas rodadas de
antecedência era algo impensável, tanto que foi comemorado como título pela
torcida e jogadores alvinegros.
Escalação que permitiu ao Figueirense ficar na Série A
com duas rodadas de antecipação
Como já citado, outro fator que elevou o patamar de
Argel Fucks como técnico passou pela utilização dos jogadores das categorias de
base, fazendo uma transição, apesar da necessidade, bastante satisfatória, sem
depositar pressões desnecessárias em jogadores pouco experimentados e
colocando-os pouco a pouco no time de forma a protegê-los. Os que mais se
destacaram foram Marquinhos Pedroso, Leo Lisboa, Clayton, Jefferson, Dener e
Luan. Nenhum revelado por Argel, mas todos ganharam protagonismo sob seu
comando e, em determinado momento, chegaram a ser titulares do Figueirense.
Além dos citados, Yago, William Potker, Luan Polli e Guilherme Lazaroni foram
outros ‘pratas da casa’ que participaram da campanha de recuperação.
A campanha de 2014, aos olhos de quem acompanha de
longe o futebol catarinense e o Figueirense em específico, não é algo para se
orgulhar tanto, mas quem sabe das adversidades que o clube enfrentou durante o
percurso, com atitudes questionáveis da diretoria, uma das menores folhas
salariais do campeonato e a dificuldade de ter cumprido pena de jogar fora de
casa ou com portões fechados nas primeiras rodadas do campeonato, sabe que o
feito deve ser comemorado como um título, assim como a manutenção de Argel
Fucks no comando do time para 2015, confirmada com a reeleição do presidente
Wilfredo Brillinger na última terça-feira (16), que havia apalavrado a renovação do técnico caso fosse
eleito. Neste sentido, o torcedor do Figueirense, embora conviva com dúvidas
com relação à gestão atual do clube, sabe que a contração de Argel, questionada
por 90% da torcida e imprensa de Florianópolis, foi o grande acerto da
diretoria alvinegra na gestão, que possibilitou a recuperação do time, que, ao
lado da Chapecoense, dará as boas vindas a Joinville e Avaí, recém-promovidos
da Série B e que deixam o futebol catarinense, outrora insignificante no
cenário nacional, com quatro times na elite, mais que os ricos estados do Rio
de Janeiro, Minas Gerais e até o vizinho Rio Grande do Sul. 2015 promete ser um
grande ano para o futebol catarinense e o Figueirense, com a campanha que fez
no segundo semestre de 2014 e a manutenção do trabalho para 2015, chega como a grande força do estado para voltar a
fazer um grande papel no cenário nacional, como foi com a final da Copa do
Brasil de 2007 e o sétimo lugar do Brasileirão de 2011, quando brigou pela vaga
na Libertadores durante praticamente toda a competição.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)