domingo, 3 de agosto de 2014

O duelo da intensidade contra a preguiça

O dia 2 de agosto de 2014 foi histórico para o futebol. Ou para o “soccer”. Real Madrid e Manchester United, talvez os dois maiores clubes de futebol do mundo em termos de títulos e de apelo popular atraíram 109.318 pessoas para o Michigan Stadium, em Ann Arbour. Esta partida é mais um ingrediente importante da estratégia de publicidade que está conseguindo popularizar, também nos Estados Unidos, o esporte mais popular do mundo.

Interesses comerciais à parte, o jogo foi mais uma oportunidade para analisar os times de Louis van Gaal e Carlo Ancelotti, antes da temporada europeia se iniciar. O Manchester United de 2014-15 já é muito diferente daquele desastroso de 2013-14. Ainda desfalcados e com uma mudança de sistema e característica de jogo em curso, os Red Devils já demonstram um padrão interessante, ilustrado pelos resultados das quatro partidas realizadas pelo time nesta pré-temporada: vitórias por 7x0 no Los Angeles Galaxy, 3x2 na Roma e 3x1 no Real Madrid e um empate por 0x0 contra a Inter de Milão.

No Michigan Stadium, van Gaal manteve o esquema com três zagueiros e voltou a escalar jogadores fora de suas posições de origem. Deu muito certo novamente, sobretudo no primeiro tempo, do qual o time inglês saiu vencendo por 2x1. Valencia e principalmente Ashley Young, atuando como alas, deram profundidade pelos lados ao ataque do United, sem comprometer na defesa, até pela presença dos três defensores fixos e pela cobertura de Ander Herrera, que se lançou menos ao ataque do que nas partidas anteriores, deixando Fletcher – melhor homem do primeiro tempo, junto do artilheiro Young – com mais responsabilidades de aproximação com Mata na criação. Diferente do Bayern de Guardiola em sua pré-temporada, os três zagueiros de van Gaal não se destacam pela saída de bola, o que faz com que os volantes tenham também a responsabilidade de recuar para fazer a transição a partir da defesa. No ataque, Rooney se destacou menos do que nas partidas anteriores, mas apareceu bem nos dois gols, principalmente no primeiro, em belo tiki-taka, que contou também com a participação de Fletcher e Welbeck e a conclusão precisa de Young. Outra característica semelhante à Holanda de van Gaal é o uso de lançamentos longos e em profundidade para os atacantes, principalmente partindo dos volantes, mas também de Rooney e Mata, que vez ou outra voltam para buscar a bola no meio-campo. Ligação direta demais, como o Brasil fez na Copa do Mundo, por exemplo, acaba atrapalhando o desenvolvimento do jogo e a busca por espaços, mas, no caso do United, o recurso é utilizado com precisão e em situações pontuais, para pegar a defesa adversária de surpresa e não apenas para os atacantes brigarem entre os zagueiros pela bola alta. A qualidade de passe de Ander Herrera e Fletcher contribui muito para isso.


Apesar da boa atuação do United, é preciso que se leve em conta que o adversário era um Real Madrid muito remendado, mas que teve a defesa titular perdendo quase todas as jogadas em velocidade para o rápido time vermelho, o goleiro Casillas falhando e demonstrando insegurança e o meio campo com pouquíssima criatividade, fazendo com que o time dependesse muito da inspiração de Gareth Bale, melhor homem do Real Madrid em campo. O galês atuou novamente na última linha de ataque, caindo mais pelo lado esquerdo mas com liberdade para circular. Sofreu o pênalti que ele mesmo converteu e criou as jogadas de maior perigo à meta de De Gea. Isco, para desespero de Ancelotti, ainda não conseguiu render como “falso 9”. O meia espanhol parece muito preso ao setor de ataque e sente dificuldades para atuar como centroavante quando o time precisa, além de demonstrar receio com relação a voltar para o meio-campo para ajudar na armação, diferente de Messi, por exemplo, o melhor “falso 9” em atividade, que sabe a hora certa de se posicionar como centroavante e de voltar para buscar a bola. Nas jogadas de ataque, Bale sentia-se solitário pelo lado esquerdo, já que Modric, que recompunha a marcação pelo setor, centralizava quando o Madrid tinha a posse de bola e Nacho é um zagueiro improvisado na lateral-esquerda, sem cacoete de apoio. Já pelo lado direito, Carvajal tinha a companhia de Arbeloa e, esporadicamente, de Isco, mas esbarrava na própria falta de técnica e habilidade pra jogar como ponta. O 4-4-2 de Ancelotti, que varia pra 4-3-3, é o mesmo esquema que levou o time a “la decima” e ao título da Copa del Rey na última temporada, mas dificilmente será a melhor opção para encaixar as novas contratações galácticas do Real Madrid. Alguma alternativa poderia estar sendo testada na pré-temporada, já que daqui a pouco mais de uma semana o time enfrenta o Sevilla pela Supercopa da Europa.

Primeiro tempo: Manchester United no 3-4-1-2, com intensa movimentação entre os três homens mais avançados e constante apoio dos alas, que, em algumas situações sem a bola, recuavam para a linha de defesa, assim como Mata, que recuava para a linha de meio-campo, formando um 5-3-2 que protegia melhor o time e preenchia bem os espaços, deixando o adversário trocar a bola sem objetividade. Já o Real Madrid foi a campo em um 4-4-2 que variava para 4-3-3 com a posse de bola. O solitário Bale criou as melhores chances para o Madrid, que teve o meio-campo esbarrando na falta de inspiração, Isco esbarrando na falta de conforto para jogar como “falso 9” e Carvajal esbarrando na bola ou nas próprias pernas.

Com as modificações que van Gaal efetuou para o segundo tempo, o Manchester United demorou para se encontrar e deixou o Real Madrid viver o seu melhor momento na partida durante a primeira metade da etapa derradeira. Com a saída de Xabi Alonso para a entrada do jovem atacante Raúl De Tomás, os merengues melhoraram, com a centralização de Modric e o deslocamento de Isco para fechar o lado esquerdo do meio-campo. Neste desenho, o time pareceu mais à vontade e ensaiou uma pressão no adversário. Perto do fim, Ancelotti cedeu aos pedidos da torcida e colocou Cristiano Ronaldo, ídolo dos dois times, no lugar de Arbeloa. O melhor do mundo, visivelmente fora de ritmo e sem condições físicas de jogo, não fez mais do que algumas jogadas de efeito, sem criar perigo.

Apesar da demora para se reencontrar no jogo, o Manchester United conseguiu assumir novamente o controle quando Chicharito e Kagawa entratam em campo. Van Gaal alterou o estilo de marcação, o que fez com que o os Red Devils recuperassem a bola com maior rapidez e tivessem mais verticalidade na hora de atacar. Chicharito era o centroavante, tanto que fez o gol posicionado como tal, mas, sem a bola, fechava o lado esquerdo de um trio, que tinha Kagawa pelo centro e Zaha pela direita. Essa estratégia foi utilizada também pela Holanda no Mundial do Brasil, quando Sneijder se infiltrava entre os atacantes em momentos nos quais van Gaal resolvia pressionar a saída de bola adversária. Além disso, os alas recuaram para a última linha de defesa, já que os zagueiros madridistas, pressionados, se viam em situações de jogar a bola para a frente para que os atacantes brigassem com os zagueiros e, um setor defensivo mais povoado dificultava o domínio de bola para o Real Madrid. A partir dessa modificação na marcação, o United passou a dominar o jogo novamente, com boas participações de Kagawa e Chicharito. O gol saiu de um lindo passe do japonês para o mexicano, como sempre bem posicionado, concluir de cabeça.

Segundo tempo: muito modificado, o Manchester United demorou para se reencontrar na etapa final, mas a mudança de van Gaal para o 5-2-3 fez com que os Red Devils voltassem a atrapalhar os trabalhos do Real Madrid. Kagawa, que marcava na primeira linha de marcação, recuava com a posse de bola para criar as jogadas para Chicharito concluir. Zaha ajudava pouco no ataque. Ancelotti aparentava ter acertado o time com a centralização de Modric e o recuo de Isco, mas a falta de inspiração e, em seguida, o encurralamento provocado por van Gaal frearam a reação merengue.

Comparação entre a marcação do Manchester United no primeiro tempo e no início do segundo (mais recuada) com a executada no final da segunda parte (bem adiantada). Ambas funcionaram e devem ser utilizadas durante a temporada, de acordo com a necessidade.

Louis van Gaal, mais uma vez, ganhou um duelo tático nesta pré-temporada, desta feita contra um Real Madrid remendado e preguiçoso que não mostrou muitas alternativas durante a partida. Carlo Ancelotti, por sua vez, não deve ter ficado tão preocupado com o resultado, já que tem uma equipe formada e precisa pensar, antes de qualquer coisa, em como vai encaixar Toni Kroos e James Rodríguez nesse time. O campeão europeu, apesar do resultado, entra como favorito de tudo para 2014-15, já o Manchester United, depois de uma temporada pra esquecer, vai tentar se reconstruir sem muitas mudanças com relação a nomes, mas uma modificação no comando técnico que promete uma revolução tática no ainda conservador futebol inglês.


Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)