O dia 2 de agosto de 2014 foi histórico para o futebol. Ou
para o “soccer”. Real Madrid e Manchester United, talvez os dois maiores clubes
de futebol do mundo em termos de títulos e de apelo popular atraíram 109.318
pessoas para o Michigan Stadium, em Ann Arbour. Esta partida é mais um
ingrediente importante da estratégia de publicidade que está conseguindo
popularizar, também nos Estados Unidos, o esporte mais popular do mundo.
Interesses comerciais à parte, o jogo foi mais uma
oportunidade para analisar os times de Louis van Gaal e Carlo Ancelotti, antes
da temporada europeia se iniciar. O Manchester United de 2014-15 já é muito
diferente daquele desastroso de 2013-14. Ainda desfalcados e com uma mudança de
sistema e característica de jogo em curso, os Red Devils já demonstram um
padrão interessante, ilustrado pelos resultados das quatro partidas realizadas
pelo time nesta pré-temporada: vitórias por 7x0 no Los Angeles Galaxy, 3x2 na
Roma e 3x1 no Real Madrid e um empate por 0x0 contra a Inter de Milão.
No Michigan Stadium, van Gaal manteve o esquema com três zagueiros
e voltou a escalar jogadores fora de suas posições de origem. Deu muito certo
novamente, sobretudo no primeiro tempo, do qual o time inglês saiu vencendo por
2x1. Valencia e principalmente Ashley Young, atuando como alas, deram
profundidade pelos lados ao ataque do United, sem comprometer na defesa, até
pela presença dos três defensores fixos e pela cobertura de Ander Herrera, que
se lançou menos ao ataque do que nas partidas anteriores, deixando Fletcher –
melhor homem do primeiro tempo, junto do artilheiro Young – com mais
responsabilidades de aproximação com Mata na criação. Diferente do Bayern de
Guardiola em sua pré-temporada, os três zagueiros de van Gaal não se destacam
pela saída de bola, o que faz com que os volantes tenham também a
responsabilidade de recuar para fazer a transição a partir da defesa. No
ataque, Rooney se destacou menos do que nas partidas anteriores, mas apareceu
bem nos dois gols, principalmente no primeiro, em belo tiki-taka, que contou
também com a participação de Fletcher e Welbeck e a conclusão precisa de Young.
Outra característica semelhante à Holanda de van Gaal é o uso de lançamentos
longos e em profundidade para os atacantes, principalmente partindo dos
volantes, mas também de Rooney e Mata, que vez ou outra voltam para buscar a
bola no meio-campo. Ligação direta demais, como o Brasil fez na Copa do Mundo,
por exemplo, acaba atrapalhando o desenvolvimento do jogo e a busca por
espaços, mas, no caso do United, o recurso é utilizado com precisão e em
situações pontuais, para pegar a defesa adversária de surpresa e não apenas
para os atacantes brigarem entre os zagueiros pela bola alta. A qualidade de
passe de Ander Herrera e Fletcher contribui muito para isso.
Apesar da boa atuação do United, é preciso que se leve em
conta que o adversário era um Real Madrid muito remendado, mas que teve a
defesa titular perdendo quase todas as jogadas em velocidade para o rápido time
vermelho, o goleiro Casillas falhando e demonstrando insegurança e o meio campo
com pouquíssima criatividade, fazendo com que o time dependesse muito da
inspiração de Gareth Bale, melhor homem do Real Madrid em campo. O galês atuou
novamente na última linha de ataque, caindo mais pelo lado esquerdo mas com
liberdade para circular. Sofreu o pênalti que ele mesmo converteu e criou as
jogadas de maior perigo à meta de De Gea. Isco, para desespero de Ancelotti,
ainda não conseguiu render como “falso 9”. O meia espanhol parece muito preso
ao setor de ataque e sente dificuldades para atuar como centroavante quando o
time precisa, além de demonstrar receio com relação a voltar para o meio-campo
para ajudar na armação, diferente de Messi, por exemplo, o melhor “falso 9” em
atividade, que sabe a hora certa de se posicionar como centroavante e de voltar
para buscar a bola. Nas jogadas de ataque, Bale sentia-se solitário pelo lado
esquerdo, já que Modric, que recompunha a marcação pelo setor, centralizava
quando o Madrid tinha a posse de bola e Nacho é um zagueiro improvisado na
lateral-esquerda, sem cacoete de apoio. Já pelo lado direito, Carvajal tinha a
companhia de Arbeloa e, esporadicamente, de Isco, mas esbarrava na própria
falta de técnica e habilidade pra jogar como ponta. O 4-4-2 de Ancelotti, que
varia pra 4-3-3, é o mesmo esquema que levou o time a “la decima” e ao título
da Copa del Rey na última temporada, mas dificilmente será a melhor opção para
encaixar as novas contratações galácticas do Real Madrid. Alguma alternativa
poderia estar sendo testada na pré-temporada, já que daqui a pouco mais de uma
semana o time enfrenta o Sevilla pela Supercopa da Europa.
Primeiro tempo: Manchester
United no 3-4-1-2, com intensa movimentação entre os três homens mais avançados
e constante apoio dos alas, que, em algumas situações sem a bola, recuavam para
a linha de defesa, assim como Mata, que recuava para a linha de meio-campo,
formando um 5-3-2 que protegia melhor o time e preenchia bem os espaços,
deixando o adversário trocar a bola sem objetividade. Já o Real Madrid foi a
campo em um 4-4-2 que variava para 4-3-3 com a posse de bola. O solitário Bale
criou as melhores chances para o Madrid, que teve o meio-campo esbarrando na
falta de inspiração, Isco esbarrando na falta de conforto para jogar como
“falso 9” e Carvajal esbarrando na bola ou nas próprias pernas.
Com as modificações que van Gaal efetuou para o segundo
tempo, o Manchester United demorou para se encontrar e deixou o Real Madrid
viver o seu melhor momento na partida durante a primeira metade da etapa
derradeira. Com a saída de Xabi Alonso para a entrada do jovem atacante Raúl De
Tomás, os merengues melhoraram, com a centralização de Modric e o deslocamento
de Isco para fechar o lado esquerdo do meio-campo. Neste desenho, o time
pareceu mais à vontade e ensaiou uma pressão no adversário. Perto do fim,
Ancelotti cedeu aos pedidos da torcida e colocou Cristiano Ronaldo, ídolo dos
dois times, no lugar de Arbeloa. O melhor do mundo, visivelmente fora de ritmo
e sem condições físicas de jogo, não fez mais do que algumas jogadas de efeito,
sem criar perigo.
Apesar da demora para se reencontrar no jogo, o Manchester
United conseguiu assumir novamente o controle quando Chicharito e Kagawa entratam
em campo. Van Gaal alterou o estilo de marcação, o que fez com que o os Red
Devils recuperassem a bola com maior rapidez e tivessem mais verticalidade na
hora de atacar. Chicharito era o centroavante, tanto que fez o gol posicionado
como tal, mas, sem a bola, fechava o lado esquerdo de um trio, que tinha Kagawa
pelo centro e Zaha pela direita. Essa estratégia foi utilizada também pela
Holanda no Mundial do Brasil, quando Sneijder se infiltrava entre os atacantes
em momentos nos quais van Gaal resolvia pressionar a saída de bola adversária. Além
disso, os alas recuaram para a última linha de defesa, já que os zagueiros
madridistas, pressionados, se viam em situações de jogar a bola para a frente
para que os atacantes brigassem com os zagueiros e, um setor defensivo mais povoado
dificultava o domínio de bola para o Real Madrid. A partir dessa modificação na
marcação, o United passou a dominar o jogo novamente, com boas participações de
Kagawa e Chicharito. O gol saiu de um lindo passe do japonês para o mexicano,
como sempre bem posicionado, concluir de cabeça.
Segundo tempo: muito
modificado, o Manchester United demorou para se reencontrar na etapa final, mas
a mudança de van Gaal para o 5-2-3 fez com que os Red Devils voltassem a
atrapalhar os trabalhos do Real Madrid. Kagawa, que marcava na primeira linha
de marcação, recuava com a posse de bola para criar as jogadas para Chicharito
concluir. Zaha ajudava pouco no ataque. Ancelotti aparentava ter acertado o
time com a centralização de Modric e o recuo de Isco, mas a falta de inspiração
e, em seguida, o encurralamento provocado por van Gaal frearam a reação
merengue.
Comparação entre a
marcação do Manchester United no primeiro tempo e no início do segundo (mais
recuada) com a executada no final da segunda parte (bem adiantada). Ambas funcionaram
e devem ser utilizadas durante a temporada, de acordo com a necessidade.
Louis van Gaal, mais uma vez, ganhou um duelo tático nesta
pré-temporada, desta feita contra um Real Madrid remendado e preguiçoso que não
mostrou muitas alternativas durante a partida. Carlo Ancelotti, por sua vez,
não deve ter ficado tão preocupado com o resultado, já que tem uma equipe
formada e precisa pensar, antes de qualquer coisa, em como vai encaixar Toni
Kroos e James Rodríguez nesse time. O campeão europeu, apesar do resultado,
entra como favorito de tudo para 2014-15, já o Manchester United, depois de uma
temporada pra esquecer, vai tentar se reconstruir sem muitas mudanças com
relação a nomes, mas uma modificação no comando técnico que promete uma
revolução tática no ainda conservador futebol inglês.
Por João Marcos Soares (@JoaoMarcos__)